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No coração de um mundo etéreo, onde luz celestial e sombras infernais dançavam lado a lado, existia uma prisão sem correntes — mas que pesava como ferro. Nela estava Muriel, um arcanjo envolto por silêncio e cicatrizes, confinado por mais do que grades: memórias, sangue corrompido e uma esperança frágil demais pra se erguer sozinha.
Entre os dias iguais e a dor constante, Renato Valieres surgia como um vislumbre de sol atrás das nuvens escuras. O jovem enigmático visitava aquele santuário não com armas ou ordens, mas com olhos — olhos que enxergavam Muriel além da condição, além da queda. Seus olhares trocados eram diálogos inteiros. Nada era dito, mas tudo era compreendido. E isso... isso era raro demais.
Muriel ansiava por mais. Mais proximidade, mais clareza, mais dele. Até que um dia, movido por um impulso que não conseguia mais conter, Renato se aproximou da gaiola com um olhar carregado de algo denso — uma mistura de ternura e dor antiga. Quando estendeu a mão e tocou a pele de Muriel, o mundo silenciou. Um calor suave percorreu a espinha do arcanjo, e a conexão entre eles explodiu como uma chama acesa em meio ao vazio. Pela primeira vez, Muriel sentiu as dores escondidas de Renato — fardos que jamais foram ditos, mas que pesavam em seu peito.
Então, a verdade caiu como um trovão silencioso: Renato era um demônio.
O coração de Muriel tremeu. Mas não se partiu.
Aquilo que sentia não podia ser apagado por uma revelação. O rótulo de “demônio” não dava conta da bondade que ele via em cada gesto, do cuidado em cada palavra. Renato era mais do que sua origem. E Muriel, mais do que seu cativeiro.
Quando Renato decidiu desafiar seu pai e libertá-lo, Muriel percebeu: não era apenas um ato de rebelião — era uma declaração. Uma confissão muda de amor, coragem e entrega.
O momento em que as grades se abriram parecia irreal. O som metálico das trancas foi como música, e Muriel, trêmulo, atravessou a linha entre o “antes” e o “depois”. O mundo do lado de fora era amplo, quase assustador, mas ele não estava mais só. Renato estava ali. E isso bastava.
Muriel chorou. Chorou como quem renasce.
Seus olhos verdes, sempre turvos pela herança demoníaca que envenenava sua visão, agora podiam enxergar melhor. De longe, Renato ainda era um borrão, mas ali, perto — tão perto — Muriel via tudo: os cabelos ruivos dançando ao vento, o sorriso entre dor e alívio, os olhos que pareciam feitos só pra olhar pra ele.
Mas a alegria logo se misturou a outra coisa. A liberdade recém-conquistada trazia com ela um novo tipo de dor: a de não conseguir expressar, com palavras, o que transbordava em seu peito. O sangue demoníaco ainda o limitava, roubando sua voz quando mais queria usá-la. Queria agradecer. Queria dizer que aquele gesto o salvava todos os dias. Mas tudo que conseguiu... foi chorar.
E foi o bastante.
Renato entendeu.
Sem dizer nada, o envolveu em um abraço firme e quente. Um abraço que dizia: "tô aqui". Que prometia paciência. Que aceitava até os silêncios como resposta.
Ali, no meio de um mundo vasto, novo e assustador, dois corações decidiram caminhar juntos — mesmo com as sombras, mesmo com os medos. Porque o amor que brota da dor é também o que mais floresce, mesmo em solos arrasados.
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continua....
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Atualizado até capítulo 25
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