Quero fazer diferente

E como foi a terapia?

Vim almoçar com Mari.

- Foi boa, eu desabafei e chorei. Ela me passou duas lições de casa: arrumar um hobby e mudar algo no meu visual.

Minha amiga ataca um pãozinho enquanto esperamos pela comida.

- E pensou no quê para as duas coisas?

Bebo um pouco de água antes de responder.

- Pra mudar o visual eu acho que vou sair da paleta cinza, marrom e preto um pouco. Eu andei vendo umas cores legais, pro meu tom de pele, sabe. Acho que uma blusinha ou outra mais alegre pode ser legal. De hobby eu pensei sei lá, em pintura.

Minha amiga me encara fazendo uma careta.

- Tava tudo tão bem na parte das roupas. Pintura é coisa de gente apática.

Olho pra ela franzindo a testa.

- Você chamaria Da Vinci de apático?

Ela responde imediatamente.

- Sim! Olha as obras dele, Monalisa é a mulher mais sem graça retratada na história!

Maristela é única, não tem filtro.

- O que me sugere então?

- Algo que vai despertar a femme fatale em você.

Será?!

Já ser passaram três meses do meu divórcio com Pierre e eu não consigo me olhar no espelho e enxergar uma mulher solteira, muitos anos brincando de casinha me deixaram assim.

Eu nem sei como fazer pra trocar palavras com alguém quando chegar a hora de me abrir pro mundo.

- Prometo que vou pensar.

*********

Pedi pra sair mais cedo do trabalho hoje pra ir ao salão. Meu cabelo é reto e sem corte algum, eu não tenho sequer uma franja lateral, acho que mudar um pouquinho vai ser bom.

Uma moça simpática me atende, ela é jovem e tem os cabelos pintados de rosa choque com cachos feitos por baby liss largo.

- Você deve ser Ágata, prazer, eu sou Cananda.

Nome diferente.

- Nome lindo e diferente você tem.

- Meu avô é indiano, foi ele quem escolheu.

Que interessante.

Cananda me leva ate uma cadeira e eu observo o salão todo branco com plantas ornamentais em verde escuro. Me encaro de frente pro espelho oval e enorme e ela me encara pelo reflexo.

- O que você quer, Ágata?

- Um corte pra dar uma cara nova, mas não quero meu cabelo curto. Me acostumei com ele grande, só queria algo mais jovial.

Ela mexe nele e faz uma careta pensativa.

- Vamos dar uma clareada nesse loiro? Fazer uma raiz esfumada e umas camadas com uma franja longa pra usar partida ao meio?

Dou de ombros.

- Acha que vai ficar legal?

Cananda abre um sorriso pra mim.

- Vai ficar linda.

Ela começa o trabalho em mim e eu aproveito pra fazer as unhas também.

Salão de beleza não tem jeito, começamos a conversar e logo todo mundo sabe da minha história desgraçada.

Hugo, um cabelereiro da cadeira ao lado, me diz:

- Ele vai fazer o mesmo com ela, meu bem, isso se ela não enfiar um par de chifres nele. Tomara que essa criança seja de outro, pra ele deixar de ser otário.

Não seguro a risada.

- Ah, eu nem desejo o mal, só estou me concentrando em mim. Minha psicóloga me pediu pra arrumar uma ocupação fora o trabalho, eu pensei em pintura, mas minha amiga acha ruim. Ela disse que eu preciso de algo pra despertar a minha femme fatale.

Eu estou comendo uma salada de frutas enquanto minha cabeça está cheia de papel alumínio nas mechas, Cananda abre um sorriso pra mim e me faz parar de mastigar.

- Escuta, eu faço aula de Pole Dance. Quer fazer uma experimental?

Eu, em um Pole Dance?

- Não sei, será?

Ela dá de ombros.

- Por que não?! Você tá com tudo em cima, vai sair daqui uma loira arrasa quarteirão, tem que aproveitar a nova fase e fazer algo ousado, Ágata.

Eu não sei não, ainda penso de vez em quando em tomar aqueles remédios.

- Me dá seu número. Toda quinta tem aula experimental, você pode ir fazer.

Passo meu telefone pra ela e fico o resto do atendimento pensando sobre isso. No final eu saio com um corte moderno e elegante e uma franja bonita destacando o perolado perfeito do meu cabelo.

- Eu vou te ligar, hein...

Quando chego em casa a curiosidade me aperta e eu acabo assistindo alguns vídeos sobre Pole Dance.

💭Será que eu consigo fazer isso?💭

*********

Quinta feira, hora do almoço.

Meu telefone toca e eu não conheço o número.

📲🔊 - Oi Ágata, aqui é a Cananda. Pronta pra aula de hoje?

Olho pra cima e mordo meu lábio inferior.

📲🔊 - Oi Cananda! O quê que eu tenho que levar?

📲🔊 - Eu treino de top e shortinho, é melhor pra mobilidade. Escuta, você calça quanto?

Digo a ela que é trinta e cinco.

📲🔊 - Vou levar um meia pata pra você usar, é o meu tamanho também.

Cananda se despede de mim e eu uso a hora do almoço pra pedir pra entregarem um shortinho de malha e um top no escritório pra mim. Estou curiosa e animada.

Ela me manda o endereço e eu chego depois do expediente no lugar. É um salão grande, com quinze mastros de Pole Dance e eu vejo o chão de madeira clara.

A professora é morena e tem um corpo de dar inveja, aliás todas aqui tem. Cananda me diz que é o Pole que as deixam assim.

- Seja bem vinda, eu sou Anabeth, mas pode me chamar de Ana. Qual seu nome?

Estendo a mão pra ela.

- Obrigada, eu sou a Ágata.

Ana me pergunta se eu já fiz alguma vez uma aula de Pole e eu digo que nem sei sensualizar.

- Aaaah, aqui você vai aprender.

Troco de roupa e ela começa pelo básico comigo.

Tem que ter força e rapidamente eu entendo porque as mulheres todas aqui são torneadas e de barriga chapada.

Ana fala comigo:

- O carão diz muito, você tem que fazer uma cara sexy e jogar bastante cabelo. Mesmo que não saiba muitos passos, vai garantir a atenção toda quando exalar confiança.

Isso é difícil pra cacete, mais que os passos, mas eu preciso dar um jeito e me esforçar aqui. Passei a minha vida inteira me esforçando por uma coisa que não teve futuro, por outro alguém, por mim eu tenho que fazer melhor.

Jaqueline me disse na minha segunda sessão de terapia que a importante era eu, e mais ninguém, em quanto eu estiver nesse processo de cura e sozinha.

Quero fazer diferente, e mesmo que eu ainda ache aqui que estou passada na idade porque ainda estou cheia de traumas, eu acho que mereço tentar mudar minha cabeça sim.

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