Encaro a parede verde água da sala de espera.
O silêncio só é interrompido quando o telefone da recepção toca e a secretária atende alguém interessado em marcar um horário. Depois que ela encerra a ligação ainda se passa algum tempo até que a porta do consultório se abre e eu vejo um homem saindo.
- Até a próxima Augustus.
Quem fala com ele é uma mulher alta, mais ou menos a minha idade e parecendo uma modelo. Abre um sorriso pra mim.
- Pode entrar, minha querida.
Me levanto da cadeira de espera segurando a bolsa pequena e envernizada de marrom que eu trouxe.
- Você é Ágata, não é? Eu sou Jaqueline Gordon.
Estendo a mão pra cumprimenta-la.
- Prazer em conhecê-la, Jaqueline.
Olho pra sala dela e observo as estantes com livros e os vasos com plantas ornamentais.
- Pode se acomodar, Ágata.
Encaro o divã.
- Posso ficar sentada?
Ela sorri pra mim de um jeito amável. Jaqueline é uma mulher de estilo jovial, usa um vestido florido e sandalias de salto alto. O cabelo preto está preso em um coque alto e bem feito.
- Claro qus sim. Sua primeira vez em um divã?
Me sento e digo a ela que sim. Deixo minha bolsa de lado quando ela me diz pra fazer isso.
- O que te trouxe aqui, Ágata?
Solto o ar que nem sabia que estava prendendo.
- Minha vida está uma porcaria.
Ela anota algo no tablet que pegou assim que se sentou em uma poltrona vermelho escura e que faz jogo com divã.
- Por que acha isso?
Dou uma risadinha.
- É difícil achar o contrário. Eu vim de uma família de sete irmãos, são três homens e quatro mulheres contando comigo e eu sou a única fracassada.
Arqueio minhas sobrancelhas assustada com o que eu disse em voz alta. Acho que estava tão sufocada nesses anos todos que me abri sem medo assim que pude.
- Nunca havia externado isso? Sua reação de própria surpresa foi impressionante.
Coloco as mãos no meu colo e retorço meus dedos sobre a calça de alfaiataria marrom que vesti hoje cedo pra trabalhar.
- Eu... Eu... eu nunca quis externar isso porque não queria ser a pessoa que só reclama. Achei que poderia fazer diferente, ser mais positiva, mas agora eu vejo que não adiantou de nada.
Jaqueline me pede pra contar sobre o meu arranjo familiar e porque eu me sinto fracassada em relação à eles.
- Eu sou a penúltima filha, e sempre fui a deslocada, não pareço com ninguém lá em casa e sempre me senti excluída. Não que eu tenha sido agredida e nem nada, mas ficou evidente em toda a minha vida que eu não me encaixava. Tenho uma irmã três anos mais nova, a Cristine, é a única que me entende e que sempre gostou de mim lá dentro. Minha mãe sempre me tratou de um jeito seco, eu não lembro dela me dando carinho e nem nada do tipo. Me alimentava, vestia, dava remédio quando eu estava doente e ensinava a lição, mas só porque fazia para os outros. Meu pai sempre foi durão. Saía pra trabalhar cedo e voltava tarde e não era habituado a situações de demonstrar afeto, embora ele sempre tenha tentado ser melhor comigo. Me dava doces escondido e pedia pra que eu guardasse segredo, no meu aniversário me dava um dinheirinho e tudo o mais. A gente não tinha muito dinheiro, família grande de nove pessoas, então eu sabia que ele não podia ficar fazendo esse tipo de coisa pra todo mundo, mas eu cresci querendo ter uma família diferente...
Sinto minhas mãos suarem a medida que eu falo.
- Eu estudava e me esforçava enquanto eu via todos os meus irmãos crescendo e se desevolvendo. Estudos, trabalho, faculdade, relacionamento, casamento e filhos. Cada um foi saindo de casa com a vida construída, e eu queria isso também, foi quando eu conheci Pierre.
Conto a ela o início da nossa relação e tudo de bom que éramos juntos.
- Meu pai desconfiava dele, mas minha mãe parecia louca pra que eu me casasse logo e fosse embora. Eu e ele batalhamos bastante e quando subimos ao altar no dia do meu aniversário de vinte anos, foi uma realização enorme pra mim. Eu sentia que finalmente começaria a minha família e faria diferente. Foram quinze anos de dedicação à ele e nesses quinze anos enquanto eu estava casada eu vi meus pais comemorando cada neto que chegava, mas nunca um meu. Há uns seis anos atrás eu ouvi de uma das minhas irmãs um comentário de que meu tempo estava acabando e minha mãe disse que eu não era uma boa mulher por não dar ao meu marido um filho e o tempo passando..
Meus olhos enchem de água por lembrar disso.
- Meu pai disse que as coisas aconteciam no tempo certo e eu vi elas não dizendo com palavras, mas com o olhar, que eu era uma fracassada. Olhar esse que dura até hoje comigo aos trinta e cinco. Acontece que eu nunca contei pra eles, nem pra ninguém que eu não posso ter filhos. O único que sabe disso é Pierre.
Jaqueline anota bastante coisa no aparelho.
- Por que não pode ter filhos? Sabe a causa?
Confirmo com a cabeça.
- No meu segundo ano de casada eu engravidei, mas perdi com dois meses de gestação, eu nem havia contado ainda. Eu fui diagnosticada com Síndrome de HELLP, foi isso que levou o meu bebê. Foram três gestações que eu não segurei porque meu corpo criou problemas pra expulsar os meus filhos como se fossem inimigos meus. Na última eu dei trombose e ela andou da perna para o pulmão, eu quase morri mesmo tomando injeções diárias. Por fim, o médico chamou a mim e Pierre para uma conversa e decidimos que era muito arriscado, e eu passei por uma laqueadura.
Dói tanto lembrar disso.
Dói porque meu corpo fracassou a cada nova tentativa. A doença que eu tenho enxerga uma gravidez como um risco de vida e o bebê como um corpo estranho, faz de tudo para que ele morra e as coisas voltem ao normal. É a criança sair e eu ficar boa.
Um inferno!
- Pierre me apoiou e ficou do meu lado, não queria que eu morresse pra dar a ele um filho. Eu me conformei e me dediquei só ao meu casamento e carreira, fizemos muita coisa juntos, prosperamos, crescemos como casal e de maneira individual, até que ele começou a se distanciar de mim. No fim, eu acabei largada no dia do meu aniversário e do nosso de casamento, porque descobri que meu marido fez um filho na assistente novinha dele e iria ficar com ela. No fim eu fracassei de novo e não tenho sequer coragem de contar que ele me largou. Imagine o que minha mãe vai me dizer quando eu contar isso.
Eu posso até ouvir na minha mente:
" É lógico que ele te largaria por alguém mais jovem e esperando uma criança, nem isso você conseguiu dar a ele."
Jaqueline me estende uma caixinha de lenços e eu pego um pra secar as lágrimas.
- Se sente culpada por não poder ter filhos e por seu casamento ter acabado em uma traição?
Levanto meus olhos.
- Me sinto sim, e acho mesmo que sou. Eu tentei muito ser uma boa mulher, eu lutei com todas as minhas forças, mas no fim eu não fui o suficiente. Pierre procurou outra mulher pra se realizar, eu sempre soube que ele queria ter filhos.
Ela deixa o tablet de lado.
- Ágata, você não tem responsabilidade sobre o revés do destino que te deu essa condição de saúde que você tem. Não tem responsabilidade sobre o jeito como sua família te trata desde que era criança, e principalmente, não tem responsabilidade sobre a decisão de Pierre em terminar um casamento da pior maneira possível depois de mais de vinte anos de relação.
Marise sempre me diz isso, mas a culpa e a vergonha me consomem. No fim eu só queria fazer as coisas certo e ser feliz com o homem que eu amei a minha vida toda e com os sonhos que sempre tive.
Mas aparentemente eu não sou digna das coisas que pra maioria das pessoas é banal, mas pra mim é muito.
- Você só tem controle e responsabilidade pelo que você é, faz, fala e pensa. Essa é a primeira lição que vou te dar aqui. Não carregue fardos desnecessários e muito menos se coloque com um alvo grade nas costas dizendo que é culpada. Pelo que me contou você carregou Pierre no colo como se ele fosse o filho que não pode ter, fez errado demais, ele é um homem e tinha a responsabilidade com você de caminhar lado a lado. Responsabilidade essa que escolheu negligenciar e amaciar o próprio ego. Outra coisa: não pense que ele escolheu uma mais nova porque você está acabada. Você ainda é muito jovem, e essa sua idéia retorcida de aparência vem do julgamento da sua família que parece enxergar as mulheres como vacas leiteiras, premiadas e parideiras.
Na seguro a risadinha.
- Meu pai sempre lidou com animais, e coisas da terra. Nós somos de Bordeaux.
Jaqueline sorri sem mostrar os dentes.
- Está vendo?
Confirmo com a cabeça.
- Posso te passar duas lições de casa?
Digo a ela que sim.
- A primeira é encontrar um hobby, algo pra distrair a mente, outra é começar a se olhar com amor no espelho. Sei lá... pense em algo que gosta e em algo que queira mudar, aí vai devagar pra não se assustar.
Digo a ela que vou pensar nisso.
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Atualizado até capítulo 74
Comments
lary
A importância de ter um acompanhamento terapêutico ou um psicólogo e fundamental pra ela
2025-03-01
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Carmem Lùcia Pimenta
ESTOU ACHANDO QUE ESTE SEU PIERRE NUNCA QUIZ FILHOS COM VOCÊ E TE ENGANOU EM RELAÇÃO À NÃO PODER TÊ-LOS, TOMARA SEJE ISSO E QUE TENHA LOGO GÊMEOS /Heart//Heart//Heart//Heart/quando encontrar o verdadeiro amor 💘
2024-11-13
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Carmem Lùcia Pimenta
MINHA MÃE TAMBÉM É ASSIM COMIGO, NÃO TENHO LEMBRANÇAS DELA DANDO CARINHO E SAIBAM QUE EU SOU À QUE MAIS CUIDA DELA E DO MEU PAI,E SOMOS EM 5 IRMÃOS, ÀS VEZES PODE SER FALTA AMOR PELA FILHA,OU NÃO É FILHA DELA
2024-11-13
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