05

Dois dias se passaram. Na manhã do terceiro dia, os olhos dela se abriram. Uma sensação ruim a atormentou por alguns minutos que mais pareceram ser eternos. Sua cabeça girava e seus pensamentos subitamente começaram a entrar em desordem. Tudo desde o princípio invadiu, atravessou sua mente como um raio. E então, o rosto do capitão Hensel surgiu, veio das profundezas mais sombrias.

Um sobressalto a fez acordar de vez. Com a testa ensopada de suor, seus olhos se abriram mais uma vez, agora mais lúcidos e conscientes. Apoiando-se sobre os cotovelos, ela tentou se levantar.

A cama onde estava rangeu com sua movimentação súbita e isso chamou atenção de Gretel.

— Finalmente você acordou! – uma voz invadiu a solidão do cômodo. A garota sentiu seu sangue gelar com a sua repentina aparição. — Parece estar bem melhor.

A voz era calma e suave, um tipo acolhedor. O susto passou e Gretel ousou em se aproximar ao perceber o retorno da paz de espírito da garota.

Ela olhou ao redor. Estava em um quarto simples, de pouca mobília e uma janela em formato de arco ao lado. As paredes tinham uma cor escura e desbotada. O clima era abafado; o céu estava fechado com nuvens pesadas, tão melancólico quanto os seus últimos dias.

Gretel se aproximou um pouco mais. A mulher usava um vestido que ia até os joelhos, um avental branco por cima e seus cabelos estavam presos em um coque bagunçado. Ela exalava um cheiro bom, doce; a garota gostava de cheiros assim, a faziam lembrar sua mãe.

— Pensei que morreria. Você estava tão fraca, mas fico muito contente por você ter resistido. Você é muito forte. – Gretel se sentou na borda da cama. Seu olhar piedoso e maternal recaiu sobre a garota. — Como você se chama?

— H-Helenne... – seus lábios tremeram. — Helenne Diehl.

— Nome bonito. Eu sou Gretel. Gretel Von Hensel.

Hensel. Aquele maldito sobrenome a fez estremecer e liberou uma onda de calafrios por seu corpo. O medo se instalou novamente.

Helenne começou a chorar. Lágrimas desesperadas brotavam de seus olhos e escorriam por todo o seu rosto. Afetada pela intensa descarga de emoções, ela chorou como nunca antes havia feito. Ela não queria parecer frágil, mas a lembrança do rosto severo do capitão a fez reagir daquela forma.

— Por favor... – Helenne implorou entre lágrimas e soluços. — Por favor...por favor não deixe ele me...

Helenne agarrou o braço de Gretel em um ato desesperado, e quando de repente a odiosa voz se fez presente, ela quis se esconder, igual a uma criança medrosa.

— Ele quem? – Hensel entrou no quarto, as longas botas negras emitindo o som característico de suas solas ao se chocarem contra o chão. — Não me diga que está com medo de mim!

Ele entrou vestindo seu uniforme militar. Era a primeira vez que Helenne o via vestido daquela forma, igual como todos os outros demônios de Hitler.

A longa casaca cinzenta ia até a altura de seus joelhos, os quais praticamente estavam cobertos e protegidos com o cano alto de suas botas. Com este uniforme, ele não julgava necessário usar a braçadeira vermelha, tendo apenas a águia de Hitler como símbolo de nobreza e superioridade.

O quepe cinzento em sua cabeça era o detalhe que mais assombrava: a caveira e a águia suspendendo a suástica nazista eram o que mais inquietavam a qualquer um.

— Rudolf, agora não! – Gretel se levantou, a voz forte para confrontar o irmão. — Helenne ainda não está bem para aguentar as suas perseguições.

Um sorriso surgiu de repente nos lábios de Hensel. Era um sorriso genuíno, mas que para Helenne soou com o mais puro desdém.

— Helenne? – ele questionou, o meio-sorriso nos lábios. — Então é esse o nome dela?

A chegada do capitão surpreendeu ambas as mulheres; ele não estava ali antes. Gretel o viu sair mais cedo, e, julgando erroneamente que o irmão passaria o dia se mantendo ocupado, ela não esperava revê-lo tão depressa.

— Por quê voltou tão cedo? – a irmã quis saber. — Você devia estar na guarnição!

— Eu pedi para trabalhar apenas no turno da manhã. Stein e Becker cuidarão bem da guarnição na minha ausência durante as tardes. – ele respondeu, neutro.

— Seu trabalho é como se fosse sua vida; você nunca faria uma coisa dessas....o que aconteceu?

Ele se aproximou. Sua presença causava pânico e uma crise de lágrimas em Helenne. Naquele momento seu medo se tornou intenso demais e Hensel se divertiu ao associá-la a um animalzinho amedrontado e inofensivo.

— Preciso de um tempo com minha noiva. – ele disse sem cerimônias. Dessa vez seu sorrisinho descarado assustou até mesmo Gretel. — Não acha justo que eu dedique uma parte de meu tempo a ela?

— Mas nem ferrando que você vai colocar as mãos nessa menina!

— Regras são regras, Gretel! – ele elevou seu tom de voz. — É uma regra que os oficiais devem seguir. O Reich ordena!

— Se você estiver se referindo a procriação, pode esquecer. Iriam matar as crianças se descobrissem que a mãe é judia!

Rudolf abanou a cabeça em negação.

— Não quero crianças. Eu sei muito bem o que pode acontecer e seria um grande erro. – ele disse. — A Alemanha precisa de arianos puros. Uma criança filha de um ariano puro e uma judia seria uma tremenda injúria!

— Então para quê você a quer?

— Apenas para fazer o papel de esposa diante do comandante. Não quero perder minha posição por causa de um simples descuido.

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Comments

Denis

Denis

Então não esqueça nunca de usar camisinha.

2024-03-28

3

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