Julia 🏡
- Então filha, está gostoso? - Dona Gleice fala apreensiva enquanto provo os bolinhos.
- A senhora não tem ideia, gostoso é pouco , tá divino. - ela solta um suspiro aliviado e se encosta na cadeira..
Dona Gleice leva a jarra de suco pra guardar na geladeira enquanto eu como despreocupada, o tempo está cada vez mais hostil, a qualquer momento cairá uma verdadeira tempestade, o que me preocupa bastante.
- Sentiu isso? - ela me olha confusa e eu levanto após um arrepio percorrer todo meu corpo, de uma estremidade a outra.
- O que filha? Não senti nada demais. - ela volta a tricotar e eu me aproximo da janela e olho minha casa, meus pais já devem ter saído.
- Nada não, deixa pra lá, foi só um vento frio. - assim que termino de falar, a forte chuva que a tempo ameaçava cair se inicia, pancadas de trovões são audíveis e eu me assusto a cada uma delas.
- Melhor fechar a janela, já está tarde e vai molhar tudo aqui dentro, a chuva só piora. - ela fala.
Faço o que me pede, afinal de contas já são quase 18:00. Fico um pouco nervosa com esses arrepios que me perseguem durante toda a tarde e os sinto intensificar a medida que a chuva chega em seu ápice.
- Já fechei a janela, vou lá dentro pegar um pouco de água. A senhora quer?
- Não filha, pode ir beber sua água.
Sigo até a cozinha e pego uma garrafa na geladeira, encho um copo com a mesma e levo-o até a boca, quando sinto uma forte pontada no peito, derrubo o recipiente de vidro no chão, um nó se forma na minha garganta, uma repentina vontade de chorar, engulo seco e noto uma lágrima quente descer pelo meu olho esquerdo.
- Tudo bem aí, Julia? - pergunta preocupada no momento em que enxugo o molhado em minha bochecha.
- Tudo, só quebrei um copo, pode deixar que eu limpo.
- Se preocupe não, querida. - pego a vassoura pra limpar toda a bagunça, após juntar os cacos, pego a pá e os jogo no lixeiro, guardo tudo em seus devidos lugares e me sento em uma cadeira próxima a janela, estou inquieta e pra me acalmar eu resolvo ler um pouco de um livro no celular.
Alguns minutos depois, já distraída, sou trazida à realidade pelo barulho do telefone tocando, meu celular, meu pai está ligando, atendo sem pensar duas vezes.
Chamada On.
- Alô, oi papai. - um silêncio se estabelece do outro lado da linha.
- Julia de Alcântara? - uma voz desconhecida ecoa em meus ouvidos.
- Quem é você? Cadê meu pai? - pergunto em pânico e ele respira fundo.
- Julia, sou sargento Roberto, da 15° corporação de Minas Gerais, seus pais Conrado Alcântara e Elisa Alcântara se envolveram em um grave acidente na rodovia, o carro capotou devido a um poste que caiu com a ventania. - meu coração dispara, o bolo que senti mais cedo na minha garganta volta, meus olhos marejam, me sinto trêmula.
- Como eles estão? Eu quero vê-los, foram levados pra qual hospital? - pergunto ansiosa, meu coração está inquieto, talvez eu já soubesse o que estaria por vir, só não queria acreditar.
- Sinto informar, infelizmente... - ele faz uma pausa e alí eu pude entender, meu mundo desabou naquele instante, eu já não conseguia enxergar mais nada, as lágrimas tornaram minha visão embaçada. - Infelizmente eles não resistiram.
Caio com tudo no chão, Gleice vem até mim preocupada, perguntando o que aconteceu, mas eu não consigo falar, eu não quero falar, eu quero meus pais, eu quero eles aqui, eu perdi meu mundo, não sei o que fazer, estou perdida.
...
Henrique 🚔
Esse é basicamente meu primeiro dia como policial civil, depois de 6 anos fazendo faculdade de direito, estudando para concursos eu finalmente consegui passar, me tranferir pra o Rio de Janeiro, quero ficar bem distante da minha família, não tenho uma boa relação com grande parte deles, especialmente com meus pais.
- Henrique, seja bem vindo, essa será sua corporação, espero que se enturme e consiga progredir aqui. - Delegado Souza diz assim que termina de me apresentar pra equipe.
Ele se retira logo após me mostrar minha mesa e eu estou alí, ansioso pra meu primeiro trabalho.
- Ansioso? - uma mulher de cabelos ruivos, aparentemente 30 anos, fala comigo. - Prazer, Rubi. - ela estende a mão e eu a cumprimento.
- Um pouco. - digo respondendo sua pergunta. - E prazer. - ela sorri e olha pra trás averiguando se alguém escuta.
- Olha, cuidado, nem todos aqui são receptivos, eu mesma tenho um seleto grupo de colegas de trabalho, nos quais confio. - olho pra ela que sorri despretensiosamente.
- E por que está me dizendo isso? - pergunto.
- Fui com sua cara. - ela sorri. - Alí temos a Jéssica, 24 anos, tá aqui na corporação a 1 ano, Luan, 25 um bocó legal, tem 2 anos aqui e por fim o último integrante do meu seleto grupo, Anthony, 32 anos, o mais antigo aqui, tem mais tempo que eu, mas é o mais gente fina. - ela faz todas as apresentações.
-Legal. - digo meio sem saber o que falar.
- Na hora do almoço eles vêm falar com você, aviso logo, é de bom tom pagar almoço pra os veteranos. - ela bate em minhas costas logo se retira, eu em, doida.
Sigo a manhã bem calma, analisando alguns arquivos pra um caso pequeno, assim que o relógio batem 12 h, a doida de mais cedo e sua trupe muito louca param em frente a minha mesa, todos me olham esperando um pronunciamento meu, resolvo ver no que vai dar né, não vai matar passar uns minutinhos com eles.
- Bora almoçar? - levanto e todos se animam, me seguem até um restaurante próximo do prédio em que trabalhamos.
Após um tempo de almoço eu percebo que os julguei mal, eles realmente são legais e divertidos, voltamos pra o trabalho e assim que o expediente termina eu me despeço deles e sigo no meu carro até meu apartamento, moro em uma condomínio fechado, os requisitos pra entrar lá são altos, já que ele se destaca na incrível segurança, pensei nele justamente por causa do meu trabalho.i
Ligo a tv após pedir uma pizza e me atualizo sobre as notícias, meu telefone toca e vejo ser minha mãe, mas sinceramente, eu não tenho nenhuma vontade de atender, não quero brigar, meu pai com certeza vai estar lá, do lado dela, pra me recriminar.
" Ventos fortes e chuva intensa deixam 10 mortos em Minas Gerais."
Desligo a tv e vou tentar dormir, o dia foi cansativo, mas muito gratificante, afinal de contas estou realizando um sonho.
Julia 🏡
A noite passada não foi nada fácil, chorei, me desesperei, agora só me restou a apatia, dona Gleice me ajudou, amparou e consolou enquanto eu me remoia em dor e sofrimento. O velório foi organizado pela funerária, no dia seguinte lá estava eu, em meio a dois caixões, nunca imaginei sentir tamanha dor, uma ferida que vai demorar muito pra cicatrizar.
Depois das orações que o padre proferiu, ele asperge água benta nos caixões, eu me despeço uma última vez, as lágrimas não caem mais, pois nem pra chorar tenho mais força, estou cansada, esgotada e abalada.
- Eu amo vocês, pra sempre. - o caixão é fechado e então todos seguimos até o cemitério, eles pouco demoram pra enterrar, após alguns minutos todos estão voltando pra suas casas, eu e dona Gleice andamos abraçadas, ela me apoia e logo seguimos até sua casa.
Tomo banho, visto uma roupa leve e me deito no sofá, não sinto fome, meu corpo todo está dormente, escuto uma batida na porta, que logo é aberta por minha avó postiça.
- Boa tarde, estou à procura de Julia de Alcântara, sou Lavínia Bastos, assistente social. - pareço não escutar, mas é que eu realmente não ligo.
- Ela não está muito bem senhora, não pode deixar pra outro dia? - pergunta dona Gleice, mas a mulher nega.
- Infelizmente não, a gente tem que agilizar o processo. - fico curiosa sobre o que se trata e me levanto.
- O que aconteceu? - pergunto indiferente.
- Você não tem avós vivos aqui, também não tem nenhum parente, caso não fosse encontrado você iria pra um abrigo temporário, a menos que alguém se responsabilizasse por você, porém foi encontrado um parente, seu primo, Gustavo Passos, ele mora no Rio de Janeiro e já tem idade suficiente pra sua tutela. - mas um baque me atinge.
- Não, não vou sair da minha cidade, não vou abandonar meus pais, muito menos a dona Gleice. - falo de maneira autoritária.
- Infelizmente, não posso fazer nada, você terá que ir, a justiça já determinou, já comunicamos a ele, o mesmo deu entrada na papelada. - meu peito aperta, não me sinto preparada pra isso.
- Quando terei que ir? - pergunto.
- O mais rápido possível, precisamos que ajeite tudo, seu primo já entrou com o processo de venda da casa, seus pais deixaram dinheiro pra você, essa dinheiro ficará na tutela dele até você completar 18 anos. - seguro o choro que quer se derramar, olho pra dona Gleice, que tenta me apoiar com o olhar.
A assistente social se retira, me deixando mergulhada em minha melancolia, a despedida será o mais difícil, minhas amigas, meus colegas de classe, todos me farão falta.
- Estarei sempre aqui por você, vai dar tudo certo, você pode falar comigo todos os dias, pode falar com a Priscila também, não pense que tudo acabou. - ela me abraça.
Naquela noite Priscila esteve lá na casa de Gleice, a mãe dela deixou ela dormir lá, contei da viagem, choramos e aproveitamos pra nos despedir, sentirei falta dessa doida, sempre esteve comigo em todos os momentos e se tornou minha melhor amiga, agora seremos obrigada a nos separar. Eu nunca imaginei que isso aconteceria comigo, mas minha vida virou de cabeça pra baixo e eu não sei se tenho estômago pra aguentar.
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Atualizado até capítulo 84
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