8. Meu (Sonho) Pesadelo
Carlos Luís Davis
Sair de casa com as próprias asas é o primeiro passo rumo à liberdade — e também ao caos. Não, não estou dizendo que será fácil, tampouco pretendo romantizar essa escolha. A ideia de que tudo se encaixa quando deixamos a casa dos nossos pais é uma fantasia que plantamos na mente quando ainda somos jovens demais para entender o peso do mundo.
A realidade, meus amigos, é dura. Cruel, até. E, se você pretende trilhar seu caminho sem o suporte da família, posso afirmar por experiência própria: a vida vai te testar a cada esquina.
Saí de casa ainda cursando Administração, acreditando que um dia herdaria os negócios da família. Na época, dividia o apartamento com minha namorada. Foram anos intensos, inesquecíveis. Uma fase que, por muito tempo, acreditei ser a melhor da minha vida.
Mas a traição tem o hábito amargo de vir de onde menos esperamos. Ainda estou no processo de apagar Isabela da minha memória.
Esses últimos meses — os mais difíceis que já enfrentei — me forçaram a acordar. Decidi que estava na hora de planejar o meu próprio futuro, sem depender de ninguém. Sem atalhos. Sem distrações. Talvez assim, com foco e propósito, eu finalmente consiga esquecê-la.
Prefiro nem lembrar da noite em que encontrei aquelas mensagens... as fotos íntimas que claramente não foram tiradas para mim. Aquilo me destruiu. Apoiar a mulher que você ama na realização de seus sonhos pode ser a coisa mais bonita que um homem faz — ou o seu maior erro, se ela deixar a vaidade falar mais alto.
Isabela sempre teve o apoio de todos. Desde nova, deslanchou como influenciadora digital. O problema foi que, com a fama, os anos de relação ficaram para trás — jogados em silêncio, como se nunca tivessem existido.
Crescemos juntos. Nossas famílias são amigas desde sempre. Temos quase quatro anos de diferença, e, com o tempo, a amizade virou sentimento. Amor, talvez. Mas isso agora pouco importa.
Chega. Cansei de dar espaço na minha mente para quem não merece. Cansei de pensar nessa mulher. Que ela receba da vida o mesmo que me deu. E que alguém a ensine o que é lealdade da forma mais dura possível.
— Você pegou um casaco, filho? Vai esfriar — escuto a voz da minha mãe vinda do topo da escada enquanto desço com minha mala.
Ela segura o casaco com as mãos trêmulas. Está com os olhos vermelhos, inchados. Não chora por qualquer coisa. Mas hoje é diferente. Um dos seus quatro filhos está partindo — e não para uma cidade próxima, mas para outro continente.
— Quase esqueço — digo, estendendo o braço.
Ela desce as escadas com pressa, mas o corpo parece pesar. Ainda assim, sorri. Um sorriso pequeno, carregado de saudade antecipada. Me abraça forte, como se quisesse parar o tempo ali mesmo.
— A mamãe vai sentir tanta falta de você... — sussurra, a voz embargada — Não quer tentar uma faculdade aqui por perto?
Entre os quadrigêmeos, sempre fui o mais desapegado. O que menos pedia colo. Mas esse momento me desmonta. Doer, dói em todos.
— A senhora sabe que isso é pelo meu bem — respondo, sentindo seus dedos apertarem o tecido da minha camisa.
— Vocês cresceram tão rápido... Nem tive tempo de aproveitar mais um pouco — diz ela, enquanto caminhamos em direção à sala.
— Agora tem muitos netos pra cuidar. Nem vai lembrar de mim — brinco, apontando para a sala onde meus irmãos conversam com suas esposas e filhos. A casa, que um dia foi caótica com brinquedos espalhados e gritos infantis, hoje pulsa com a nova geração.
Arthur, o mais velho — por um minuto — segura Lily no colo. Ela tem apenas quatro anos, mas já mostra traços da Evelyn, sua mãe. Eles tiveram Anthony há poucos meses. E Arthur continua sendo o mesmo chato de sempre. Infelizmente.
Depois vem Pietro, o mais sentimental da turma. Quando criança, era tão apegado à mamãe que muitas vezes cancelamos passeios porque ele não queria ir sem ela. Hoje, ele é marido da doce Layle, e pai de Lorenzo, um menininho que já herdou o coração mole do pai.
E, por fim, Layla. A princesa do papai. Tinha tudo que queria com um estalar de dedos — e, para nossa sorte, isso nos rendia os melhores doces. Hoje, está casada com Liam — ironicamente, irmão da minha ex — e juntos têm Mary, um bebê recém-nascido que trouxe ainda mais alegria para essa casa.
Meus pais podem se orgulhar: criaram filhos de caráter. Todos com suas famílias, suas histórias. Menos eu. E talvez tudo bem.
— Quem vai ser o primeiro a se despedir? — pergunto, quebrando o clima melancólico da sala.
— Irmãos primeiro. Depois as esposas — diz Evelyn, com a voz trêmula, tentando esconder as lágrimas. Nunca pensei que veria ela chorar por minha causa.
Pietro tira os óculos, vem até mim e me abraça.
— Desejo tudo de melhor nessa nova jornada, meu irmão. Vai ser o primeiro médico da família Davis... Nem imagina o quanto nos orgulha — diz ele, apertando meu ombro com sinceridade.
— Obrigado — sussurro, já sentindo a garganta embargar.
Layla é a próxima.
— Irmãozinho... — me abraça forte — Não volte. Não olhe para trás. E, principalmente, não duvide nem por um segundo da sua escolha. Você fez o que era certo.
Ela beija minha bochecha, enxuga o rosto molhado e se afasta.
Arthur se aproxima, com aquele jeito firme.
— Você sempre teve um gênio forte. Nunca seguiu ninguém, fazia do seu jeito. E agora está indo atrás do que quer. Isso é coragem. Queremos estar na sua formatura, doutor — diz, antes de me puxar para um abraço apertado.
E ali, eu desabo.
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O avião já taxiava quando encontrei meu assento. Ao meu lado, uma senhora simpática me recebeu com um sorriso gentil.
— Ainda bem que aquela maluca colocou meus remédios na bolsa — disse ela, remexendo a bolsa no colo — Minha neta vive esquecendo tudo.
Ela me tocava no joelho para chamar atenção enquanto falava. Contava histórias dos filhos, da nora que não prestava, do neto que quebrou a perna, do cachorro da vizinha...
Conversou o voo inteiro. Confesso: eu precisava daquela distração.
Ela nunca achou os tais remédios. Mas sua tagarelice me impediu de pensar em Isabela, pelo menos por algumas horas.
Quando pisei no aeroporto, o ar gélido da Alemanha me envolveu como um alerta: “Você chegou”. A nova vida começa aqui.
Peguei o celular e disquei.
— Mãe... eu cheguei.
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Autora: Um começo para o nosso Carlinhos... e um fim para essa saga. Não acredito que essa possa ser a última história.
Mas já aviso: novas histórias estão sendo escritas. Vocês vão perceber isso ainda neste “livro”. Só começo uma nova quando termino a anterior — é assim que preservo minha criatividade. Então, fiquem tranquilas.
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Atualizado até capítulo 50
Comments
Joelma Portela
kkkkkkkkkk
2025-07-05
0
Dhanny Lima
adoro
2024-05-27
0
Denise Gonzalez
Adoro essa Saga
2023-03-16
4