— Olha só se não é o ogro.
A provocação escapou sem pensar, mas, no fundo, a palavra soou mais leve do que imaginava.
— Entra aí, te levo até em casa.
A oferta foi direta, quase sem rodeios, mas havia algo na sua voz que me fez hesitar.
— Não precisa, estou até gostando de ir andando.
Era mentira, claro. Os pés doíam com o salto, mas queria manter a pose de difícil, como quem recusa tudo sem realmente querer.
O olhar dele dizia que não acreditava muito no que eu dizia, mas não insistiu. Apenas respondeu:
— Ok então.
E se afastou, deixando-me ali, com uma mistura de sentimentos desconcertantes.
Não pude deixar de sentir que havia perdido algo ali, e o arrependimento surgiu em uma pequena onda. Não acreditava que ele não tivesse insistido. Em todos os filmes, ele voltaria para me convencer, mas não dessa vez. Não no mundo real.
— Não acredito! Ele não insistiu. Agora vou ter que andar, com os pés doendo, e ainda está tão frio. O que foi que eu fiz? Isso é o que dá tentar viver como num filme. Mas... não custa tentar, né?
O vento cortante fazia tudo parecer mais real, e cada passo se tornava um desafio. A mente vagava, mas logo um som atrás de mim interrompeu o fluxo de pensamentos. Acelerei o passo, os pés pesados e o medo crescendo a cada segundo.
De repente, uma mão agarrou meu braço, puxando-me para dentro de um carro. Fui imobilizada antes de perceber o que estava acontecendo. Quando tentei gritar, uma mão foi colocada sobre minha boca, abafando qualquer som.
— Dá pra colaborar? Estou tentando te ajudar!
A voz dele, tensa, mas carregada de urgência, me fez sentir ainda mais confusa.
O pânico que sentia foi substituído por uma estranha calma, enquanto tentava processar o que acontecia. A mão dele, que antes me silenciava, agora me deixava com a sensação de que eu precisava entender o que se passava.
— Você quase me matou de susto! Por que fez isso?
A raiva e o susto se misturaram, mas ele apenas respondeu com uma dureza que não pude ignorar:
— Porque você não quis entrar no maldito carro. Uma hora dessas, andando sozinha pela rua... não tem medo de morrer não?
A preocupação estava lá, mas a forma como disse aquilo, com tamanha frustração, me fez questionar tudo o que estava acontecendo.
— Não era mais fácil me convencer a entrar?
A resposta não tardou, direta e sem espaço para negociação.
— Não vou ficar tentando convencer ninguém. Se não quer entrar, problema seu. Eu faço do meu jeito.
A atitude dele era desafiadora, mas algo nela me fez sentir ainda mais nervosa.
O carro se moveu, e eu continuei olhando pela janela, tentando me distrair. O silêncio entre nós era denso, e então a pergunta dele veio como uma quebra no clima:
— Onde fica sua casa?
A mudança de assunto foi abrupta, mas a tensão ainda pairava no ar.
Dei as direções sem muita convicção, mas a mente estava em outro lugar. O que estava acontecendo? O que ele queria de mim?
— Quantos anos você tem?
A curiosidade saiu sem pensar, algo que sempre me acompanha. Idades, nomes, detalhes sobre as pessoas... não sei explicar, mas sempre quis saber.
— Tenho 29 anos. E você?
Ele desviou o olhar da estrada por um instante, o suficiente para perceber algo mais, mas logo voltou ao foco.
— 25.
A resposta saiu mais tranquila do que imaginava. O silêncio se seguiu, confortável, mas também carregado.
— Nova.
O comentário dele parecia quase um desafio, mas eu só ergui uma sobrancelha, desconfiada.
— Oh, desculpe, senhor idoso.
Provocação pura, mas parecia certo naquele momento.
Ele riu, e a sensação foi estranha, quase como se a risada tivesse o poder de suavizar tudo ao redor. Aquelas pequenas trocas entre nós... algo estava se formando. Algo perigoso, mas impossível de ignorar.
— Sua família mora aqui?
Perguntei, sem saber o quanto estava invadindo um terreno delicado.
Ele se enrijeceu, e a resposta foi curta:
— Não.
— Entendi, assunto proibido.
A tentativa de corrigir o erro foi automática. Eu sabia que tinha ultrapassado algum limite, mas o que mais poderia fazer?
— Exatamente, menina esperta.
Ele sorriu de canto, e isso fez meu coração acelerar. O jogo de palavras tinha algo de atraente, e era impossível não se deixar envolver.
— Não sou uma menina.
Dizia isso enquanto dava um leve murro no ombro dele, só para brincar, mas sua reação me pegou de surpresa.
— Ai!
Ele fingiu dor, e não pude deixar de rir. Sabia que meu golpe não machucava nem uma mosca.
— Nossa, nem doeu.
A risada saiu fácil, sem esconder a diversão.
— Como você sabe? Não foi você que sentiu.
A resposta veio rápida, com aquele sorriso travesso que parecia me desafiar de todas as formas.
— Hahaha, fracote.
Eu não resisti, e a provocação saiu naturalmente. Mas algo nele estava mudando. O jeito como me olhou, algo mais intenso no olhar.
— Quem é fraco?
A voz dele ficou mais séria, o tom quase ameaçador, e algo me fez hesitar.
— Você...
A palavra saiu suave, sem coragem para dizer o que realmente queria.
E então, como se fosse uma resposta direta ao que eu sentia, sua mão apertou minha coxa, e eu soltei um gemido sem querer. O medo misturado com algo que eu não queria admitir.
— Agora quem é o fracote?
A pergunta, acompanhada de um sorriso satisfeito, fez o sangue ferver.
Eu fiquei em silêncio, sem saber o que dizer, sem saber o que sentir. Ele finalmente soltou minha coxa e voltou a focar na estrada.
— Idiota.
Resmunguei, tentando disfarçar o que estava acontecendo dentro de mim.
— Falou algo?
Ele parecia genuinamente curioso.
— Nada, só pensando alto.
Menti, o que parecia ser a única saída.
— Chegamos, "Cinderela."
A brincadeira no final da frase não fez minha mente relaxar. O que aconteceu naquela noite não seria fácil de esquecer.
— Obrigada, ogro. Para um ogro, você está bem gentil.
Minha resposta saiu sem pensar. Algo tinha mudado, mas eu não sabia ainda o que era.
— Vamos, rápido. Tenho que voltar para casa e dormir.
Ele parecia impaciente, mas eu já estava cansada o suficiente para apenas seguir.
— Não posso nem te elogiar que já voltou a ser o ogro de sempre?
Sorri, sentindo uma leve diversão. Como ele conseguia me provocar assim?
— Boa noite.
A voz dele estava mais suave.
— Boa noite. Sonhe comigo.
Ele falou com um tom provocador, mas algo na maneira como disse isso me deixou sem palavras.
— Só se for pesadelo, porque sonho é difícil de alcançar.
Brinquei, sentindo o peso da noite.
— Ah, quase me esquecendo. Vai aceitar meu acordo?
— Pensei bem e resolvi te dar uma chance.
Respondeu, com um sorriso de canto.
— Hahaha, idiota. Então, que dia começamos?
— Tem algo para fazer sábado?
— Não.
— Então, sábado.
— Onde vamos nos encontrar?
— Eu venho te buscar. Não posso arriscar colocar uma princesa da Disney em perigo novamente.
Ele disse, com aquele sorriso travesso de sempre.
Ri de novo, sem saber o que sentir sobre ele. Ele tinha esse poder de me deixar confusa, mas ao mesmo tempo, algo me dizia que tudo isso estava longe de acabar.
Quando saí do carro e me dirigi para o elevador, a cabeça estava a mil. O cansaço tomou conta de mim, mas os pensamentos ainda estavam lá, rondando, esperando para me pegar.
Subi para o meu quarto, me preparei para dormir, mas enquanto me jogava na cama, o rosto dele, com aquele sorriso, não saía da minha mente.
E antes que eu pudesse pensar mais sobre isso, o sono me levou, sem piedade.
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Atualizado até capítulo 45
Comments
ABM
Estou amando 😍
2021-03-18
4