Como Canídeos era pequena, existiam poucas lanchonetes, sendo que a dos irmãos Rodrigues era uma das mais antigas e conhecidas, consequentemente bastante movimentada. Talvez por ser fim da tarde não estava tão lotada — como costumava ser aos finais de semana — quando Miguel entrou, mas, ainda assim, metade dos lugares já estavam ocupados.
Procurando Caíque, após correr as vistas pelo espaço, Miguel fez o pedido no balcão, subiu para o andar superior e cumprimentou alguns conhecidos com um aceno, sem parar de andar.
Caíque encontrava-se em uma mesa no canto direito, já no fim do cômodo, isolado. Ao vê-lo, Miguel apertou os passos, se esforçando para controlar a ansiedade que fazia as mãos suarem e as batidas do coração acelerarem.
— Boa noite! — cumprimentou, sentando na frente de Caíque.
— Boa... Tudo bem?
— ‘Tá sim! Já fez o seu pedido? Eu acabei fazendo o meu antes de subir.
— Eu também. — Caíque se mexeu na cadeira, apoiou os braços na mesa e encarou sério Miguel. — Então? O que você quer conversar sobre o Kayman?
— Você é direto e reto — brincou, sorrindo para disfarçar o nervosismo.
— Me desculpe. — Caíque sorriu, envergonhado.
— Tudo bem. Confesso que também quero iniciar logo essa conversa... — Miguel suspirou, mordeu o lábio inferior e questionou em tom sério: — O que está havendo com o Kayman? Ultimamente, sempre que o vejo, ele está triste e com medo de todos... Até para nós encontrarmos esta difícil, não entendo a mudança de comportamento, já tentei pensar em uma explicação plausível, mas não consigo. A última vez que o vi, ele estava bem abatido, chegou a chorar, porém, quando o questionei, ele falou que não era nada, que eu não precisava me preocupar, que só era estresse em razão de uma briga que teve com o pai... Sei lá, não senti que falava a verdade. Eu só preciso saber o que está acontecendo com ele.
Os olhos castanhos mel de Miguel brilhavam preocupação e um aperto angustiante espremia em seu peito.
Eles se fitaram por um longo segundo antes de Caíque tomar coragem para falar.
— Bom, nem sei como começar, na verdade, nem sei se é uma boa ideia te contar — admitiu, inseguro.
— Por quê?
— Eu quero muito ajudar o Kayman, muito mesmo, tanto quanto você, porém, eu não sei se vamos conseguir salvá-lo ou se simplesmente vou nós colocarmos em apuros te contando.
Era visível não apenas a sinceridade nas vistas de Caíque, mas também e principalmente o medo. Uma corrente fria correu a espinha de Miguel, que percebeu ser bem mais grave do que pensara, todavia, não recuaria, estava disposto a enfrentar o que fosse para ajudar o amigo, mesmo que se colocasse em risco.
— Não sou covarde, estou disposto a enfrentar tudo, seja lá o que for — falou firme, escondendo o medo que o beliscava. — Diga!
— Agora não consigo falar tantos detalhes, vou dar um resumo. Hum! Kayman está sendo abusado por um cara muito problemático... faz mais de dois anos que esse homem o obrigou a sair de casa e ir morar com ele, desde então, na verdade, já bem antes disso, o Kayman tem sido abusado sexualmente, agredido e torturado praticamente todos os dias.
Quando Caíque terminou de falar, espanto desenhava a face de Miguel. Que porra ele estava falando? Aquilo era verdade? Sabia ser grave, porém, nunca passou pela mente algo envolvendo abuso sexual... não acreditou que seria tão grave assim, ou melhor, escolheu pensar que não seria.
— Mas...Por que... — Ele não conseguiu formular uma frase, sua mente lutava para assimilar o que acabara de escutar.
A garçonete ruiva, de cabelo curto apareceu, trazendo os pedidos deles.
— Senhores, os seus ped... — Ela parou, preocupada ao se deparar com os semblantes sombrios dos dois jovens bonitos. — Tudo bem por aqui? Querem conversar?
— Sim, está tudo ok — Caíque respondeu com um sorriso falso e deslizou os dígitos pelos fios longos e sedosos, que caíam até o ombro. Descendente de pai indígena e mãe preta, ele era um homem com cerca de 1,70 de altura, de pele escura avermelhada, rostos sem manchas, sobrancelhas grossas, lábios carnudos e nariz largo.
Ele não foi sincero e ela percebeu, mas preferiu não insistir e soar inconveniente. Com um sorriso amigável, depositou a bandeja na frente deles, pediu licença e se afastou.
Miguel não sentia fome, mas optou por comer o hambúrguer e as batatas fritas enquanto organizava os pensamentos. Estava em estado de choque e encontrava-se perdido.
Caíque também não tentou iniciar diálogo enquanto comia, ficaram por quase quinze minutos sem trocar muitas palavras. Quando terminaram, Miguel limpou os lábios com guardanapo e se forçou a quebrar o silêncio.
— Por que ele nunca me contou? Somos amigos a tanto tempo — questionou, deprimido.
— Nem sempre queremos que um amigo veja o lado ruim da nossa vida. Além disso, ele quer te proteger.
— Me proteger? Não sou eu quem preciso de proteção aqui.
— Sinto muito. — Caíque não sabia o que dizer para consolar o outro.
— Por que o Kayman não procurou a polícia? Os familiares dele sabem? — Miguel tinha tantas perguntas.
— Sim, a família dele sabe, porém, eles têm muito medo desse homem para tentar algo. — Ele hesitou por um segundo antes de prosseguir. — Quanto a polícia, bem, esse homem manda na cidade e nem mesmo os tiras escapam do seu poder.
— De quem exatamente estamos falando? — O sentimento escuro de ódio se apossou do seu peito, nem sabia quem era, mas já odiava o filho da puta.
— William Mesquita.
— Como? — Miguel indagou incrédulo, desacreditado do que escutara.
Caíque soltou uma risadinha irônica.
— Difícil acreditar né?
Caíque se perguntou qual seria a reação de Miguel se descobrisse toda a verdade, havia omitido algumas coisas... muitas, na verdade.
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Atualizado até capítulo 12
Comments
Anônima💜💖
É aí onde muitas pessoas erram
2023-01-26
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