— Por que fica conferindo o relógio a cada cinco minutos? Aconteceu algo?
Miguel desviou as vistas do relógio de pulso e as pousou em Rael, sentado ao seu lado e o fitando com curiosidade.
— Não, só quero que dê logo o meu horário — respondeu apressado.
— Sabe que pode contar comigo, certo? Se precisa de algo, basta dizer.
Antes que Miguel respondesse, uma mulher de meia-idade, ‘baixinha se aproximou e solicitou a Rael ajuda para encontrar um livro. Ele conferiu o relógio novamente. Bufou. Faltava mais de duas horas para o fim do seu expediente, o tempo não passava.
Ele cogitava visitar de surpresa Kayman quando saísse do trabalho, mas não fazia a mínima ideia de como seria recebido. Poucas vezes foi na casa do amigo, pensando bem, só se lembrava de ter ido lá três vezes. Ele não entendia a razão de não ser convidado, mas respeitava o limite do outro e não insistia.
Sinceramente ele não queria invadir a privacidade do amigo, porém, não lhe restava alternativa, precisava descobrir a razão dele estar tão retraído e assustado.
Quando restavam trinta minutos para o fim do expediente, Miguel se lembrou de Caíque, alguém com quem não tinha muito contato ou intimidade, mas que era amigo próximo do Kayman. Abriu a agenda no celular e verificou os contatos até localizar o de Caíque. Não tinha certeza se ele ainda usava aquele número, mas não custava tentar, né? Discou a ligação e cruzou os dedos mentalmente.
— Alô?
— Caíque? — perguntou, incerto.
— Oi! Ele mesmo. — Miguel suspirou, aliviado. — Quem é?
— É o Miguel.
— Oi Miguel, tudo bem?
— Tudo sim. Hum! ‘Tá muito ocupado? Preciso muito falar com você, pessoalmente.
— O que aconteceu? Consegue adiantar algo?
— É sobre o Kayman…
— Entendo... — Miguel notou a hesitação na voz de Caíque e o silêncio que se seguiu, mas escolheu ignorar.
— Consegue me encontrar hoje, dentro de uma hora?
— Consigo sim, basta me dizer onde.
— Pensei na lanchonete dos irmãos Rodrigues, pode ser?
— Sim, sim. Te encontro lá dentro de uma hora.
— ‘Tá bom, vou estar te esperando, até daqui a pouco Caíque.
— Até.
Miguel encerrou a ligação e mesmo não sendo religioso, fez uma prece para Deus, pedindo que abençoasse aquela conversa e que lhe permitisse descobrir o que tanto ansiava.
...[...]
...
Caíque olhava fixamente a tela apagada do telefone enquanto sua mente inquieta encontrava-se longe, voltada para a conversa que acabara de ter com Miguel. Suspirou. Sentimentos conflitantes gladiavam, lutando com violência e jorrando ansiedade no seu interior.
Merda, será que foi mesmo uma boa ideia? Realmente deveria ter aceitado conversar com Miguel? Fazia meses que tentava encontrar uma forma de salvar Kayman, de ajudá-lo a escapar, aquela ligação veio na hora certa, talvez fosse justamente a oportunidade que tanto buscava. Esperança brotou, criando raízes que se entrelaçaram com as do medo.
Submerso no nervosismo, preso nos conflitos, ele se arrumou em dez minutos, abandonou o quarto e caminhou para a cozinha. Parou na entrada, assistindo o pai no fogão, distraído com alguma receita. O senhor Moacir era um lobo sentinela com 353 anos, grandes, corpulento, de personalidade calma, que tinha como maior paixão — depois da sua companheira — a gastronomia.
— Pai?
— Diga! — O homem respondeu sem virar.
— Me empresta o carro? Combinei de encontrar um amigo no centro.
— Amigo? — Moacir girou e franziu o cenho. — Está indo em um encontro? Com quem?
— Ei, não é um encontro, vou apenas me encontrar com um amigo... Miguel, conhece ele, trabalha na livraria.
— Conheço, é um bom garoto. — Pensativo, Moacir pegou o pano de prato do ombro, secou as mãos e escorou o quadril no fogão. — Mas não serve para você, ele é humano, sabe como são complicados.
— Não é um encontro, já disse... Então, vai me emprestar o carro ou não? — perguntou com leve irritação na face.
— Tudo bem, pode pegar.
— Obrigado pai, te amo.
— Dirija com cuidado — orientou preocupado.
— Eu vou, não se preocupe.
Sorrindo, Caíque acenou um 'tchau', andou para a sala, pegou a chave do veículo e saiu da casa. Dez minutos depois deixava a estrada de terra e entrava na rodovia. Gastaria uns vinte minutos até a cidade, provavelmente chegaria na lanchonete antes do Miguel, levaria aquele tempo para se preparar, pensar em como dizer a verdade perturbadora sobre Kayman.
...[...]...
A placa enorme, formando um arco na entrada da cidade, escrita “Bem vindos a Canídeos” significava que finalmente chegaram ao destino. Percorreram as ruas, seguindo as orientações do GPS, sem se preocupar em encontrar pousada ou hotel para pernoitar, também não planejavam dormir ao ar livre — como haviam feito em algumas cidades que passaram.
O alfa de Canídeos era um velho conhecido do genitor de Kalel, então receberam o convite de ficarem na casa dele quando entraram em contato semanas atrás e solicitaram permissão para adentrarem o território.
— Onde ele falou para esperarmos?
— Em frente a catedral... — Daren respondeu e apontou para a cruz de ferro cravada na construção mais alta. — Opa, acho que já encontrei.
Três quadras depois, estacionaram em frente a praça grande, enfeitada com árvores, bancos de concreto e uma fonte de água.
— A cidade é muito bonita — observou Daren, encantado.
— Verdade, mas não sei, não faz muito o meu estilo. — Eles admiravam a paisagem de dentro do carro. — Eu prefiro lugares movimentados, essa parece que congelou no tempo.
Ele não estava exatamente errado, a cidade realmente parecia ter parado tempo, não existiam prédios, fábricas poluentes, a arquitetura era colonial e nas ruas havia pouca movimentação de pessoas.
— Diferente de você, eu gosto de lugares assim. — Daren reparou no homem de fios escuros, andando apressado e sorriu malicioso. — Não é apenas a cidade que é bonita.
As vistas de Kalel seguiram as de Daren, cravando no homem pálido, com cerca de 1,80 de altura, magro, braços e pernas finas, cabelo castanho escuro com fios rebeldes caídos na testa.
“Qual é o motivo da pressa? Será que ele está indo encontrar a namorada?”
Por algum motivo inexplicável o pensamento lhe incomodou. ‘Porra. Por que diabos sentia um arranhar de ciúmes por um completo desconhecido?
— Olha, pensando bem, ‘tô começando a mudar de ideia, acredito que gosto de cidades do interior — brincou sem desviar os olhos do homem.
Quando o homem atravessou a rua, dobrou a esquina, desaparecendo do campo de visão de Kalel, os instintos dele se agitaram e o seu lobo grunhiu, inesperadamente desejando sair e perseguir o desconhecido. O que estava acontecendo? Por que a sua besta se interessava pelo estranho?
— Kalel? O que está havendo?
O tom confuso arrancou Kalel dos pensamentos e sentimentos sinuosos, ele encarou Daren.
— Nada — respondeu, confuso com o questionamento.
— Olhe ‘pras suas mãos.
Espanto desenhou na face de Kalel ao baixar os olhos a e ver as garras estendidas, pressionadas com força no volante e o perfurando.
— ‘Porra. — Ele tirou as mãos do volante, roçou a ponta do indicador nos dentes caninos, que estavam mais longos e pontiagudos. Não era necessário verificar no retrovisor interno para saber que os olhos haviam mudado de cor, saindo do jaspe preto para um amarelo-alaranjado.
“O que está acontecendo comigo? Merda, nunca tive problemas em controlar o meu lobo.” — Cerrou as vistas, respirou fundo e recolheu os caninos e as garras.
— Consegue explicar o que acabou de acontecer? — indagou Daren, curioso.
— Não sei — Kalel confessou. — Deve ser o estresse da viagem.
— Não acho que seja isso...
No fundo, Kalel também não acreditava ser o estresse, mas preferia não desperdiçar tempo e neurônios tentando entender o pequeno descontrole.
— Não foi nada, não precisa se preocupar — interrompeu a fala do amigo. — Então, vamos aguardar o lobo aqui no carro mesmo?
— Não, vamos sair, estou cansado de ficar sentado. — Daren conhecia muito bem o mais velho, cresceram juntos, então percebeu que ele cortou de propósito o assunto, mas preferiu não insistir.
Eles desceram do carro, subiram para a calçada e ficaram calados, cada um perdido na sua própria mente.
Daren pensava se era realmente uma boa ideia ficarem na casa do alfa depois do comportamento inesperado de Kalel, queria evitar problemas. Colocar um lobo extremamente dominante com dificuldade de se controlar na frente de um alfa não era uma ideia inteligente, ele priorizava evitar o caos.
Kalel também estava preocupado, a última coisa que ele necessitava era demonstrar descontrole na frente do alfa William e fazê-lo se sentir desafiado.
Cinco minutos se passaram, uma caminhonete parou atrás do carro deles e um homem moreno, de aparência jovem como eles, desceu e caminhou até os dois.
— Kalel e Daren?
— Sim, eu sou o Kalel e esse ao meu lado é o Daren.
— Pedro, beta da alcateia. O alfa William me pediu para buscá-los. — Sorriu e olhou para a caminhonete Nissan frontier preta. — Bela caminhonete.
— É o meu bebê — falou Daren, sorrindo.
— Então vamos? Vocês me seguem no carro de vocês, ok?
— Dá aproximadamente quanto tempo até a fazenda? — indagou Kalel.
— Uns trinta minutos, no máximo. — O beta andou para o veículo dele. — Vamos logo, o alfa está ansioso para conhecê-los.
Eles também se moveram e entraram na caminhonete, dessa vez Daren ocupou o banco do motorista. Assim que o beta saiu, ele o seguiu, mantendo distância segura.
Minutos depois entraram em uma estrada de via dupla, que os levaria para a fazenda. A paisagem por onde passavam era bonita, com bastante verde em ambos os lados da pista, cheio de árvores grandes, velhas e imponentes... definitivamente um lugar ideal para shifters viverem.
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Atualizado até capítulo 12
Comments
Anônima💜💖
Eu também prefiro lugares movimentados cidades pequenas me dão arrepios
2023-01-26
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