Yara
Quando amanheceu, não pude me manter deitada, levantei apressada e fiz minha higiene matinal, e antes que saísse da tenda, ouvi Cauã me chamar.
Voltei até o seu poleiro e deixei que subisse em mim, dei "bom dia" a todos e peguei um pedaço de coco e uma banana e saí, ouvindo minha mãe:
— Não demore!
Ao invés de caminhar na floresta, meus passos me levaram ligeiramente à tenda de Magé. O chamei antes de entrar, e logo ele respondeu para eu entrar.
Me surpreendi ao ver Essoby sentado na cama. Logo que ele me viu, sorriu mostrando os dentes alvos e alinhados, num sorriso perfeito.
Mal olhei o Magé, fui direto para a cama que Essoby estava sentado, sorrindo de felicidade.
— Como se sente?— perguntei.
— Melhor...— ele disse um pouco hesitante.
— Sabe falar português?
— Acho que sim...
— Se lembra do que aconteceu? Do seu nome?
Ele baixa os olhos tristes e balança a cabeça em negação.
— Tudo bem... O importante é que se sente melhor. Conseguiu andar?
— Sim.
— Ótimo! Logo vou poder te mostrar esse lugar... quem sabe a vista te traga lembranças!
Encarei os olhos verdes empolgada.
— Não quero ser chata... mas não se lembra de nadinha, nadinha?
— Não entendi...— ele me respondeu confuso.
— Eu perguntei se, realmente, não se lembra de nada, tipo, nenhuma lembrança, memória?
Ele balançou a cabeça em sinal positivo.
— Sim... tenho algumas lembranças de quando era criança... mas tudo muito vago... lembro de um prédio alto e bonito, uma mulher, um homem da minha idade, outro mais velho... mas tudo é uma confusão ainda...
Quando ele disse "mulher", eu senti meu coração ficar triste, como se tivesse ficado decepcionado.
E se ele fosse casado? Se tivesse filhos, família em algum lugar com esperança de encontrá-lo?
E eu aqui, querendo mantê-lo preso a esse fim de mundo.
Sinto os olhos de Magé, me observar de longe.
— Essoby... podemos te levar para a cidade... A Polícia pode descobrir quem você é... — falei cabisbaixa.
Não tive coragem de encará-lo, não suportaria ouvi-lo dizer que preferia ir embora daqui.
— Está me expulsando? — ele perguntou sorrindo.
— Não! — Protestei e voltei a encará-lo — eu só estou mostrando suas opções...
— Magé já me disse isso, se não for incômodo, vou preferir ficar aqui, por enquanto.
Voltei a sorrir, com o coração saltando no peito. A voz e o sotaque dele são tão atraentes e, ao mesmo tempo, engraçados.
— Sabe falar outras línguas? — perguntei me aproximando mais dele.
— Sim... na minha mente tem pelo menos outras três línguas diferentes, além da que eu me sinto mais à vontade para falar.
— Será que é um poliglota?
— Não sei... — respondeu sorrindo.
— O que lembra que sabe fazer? Uma música, talvez uma dança? Talvez algo com que trabalhe?
— Yara, vai assustar o homem com tantas perguntas, que ele não sabe responder.— Magé me repreendeu.
Me calei então e fiquei olhando para Essoby, que encarava o papagaio no meu ombro.
— Qual o nome dele?— finalmente criou coragem para perguntar.
— Cauã.— respondi.
Coloquei o dedo para que a ave viesse, logo Cauã subiu no meu dedo.
— Pega o Cauã! Yara! Pega o Cauã!
— Nossa! Ele fala!
Dei risada da surpresa dele.
— Se ficar entediado, podemos andar lá fora, um pouquinho. É só pedir para me chamar.— falei me levantando da cama.
— Pode ser agora?
— Claro!
Respondi positivo, mesmo sabendo que minha mãe me mataria por demorar a voltar para casa. Mais uma vez.
Cauã voltou para o meu ombro, e eu estendi as mãos para que ele se apoiasse em mim para levantar. Com dificuldade e com dor, ele se levantou, mas tentou demonstrar que estava bem.
— Se não estiver se sentindo bem, é só dizer... A pancada que sofreu na cabeça foi muito forte...
— Tudo bem... só uma volta.
Ele se equilibrou bem, e conseguiu andar a passos lentos, se apoiando em um dos meus braços. Fora da tenda, os que estavam passando nos olhavam com curiosidade.
— Provavelmente, deve ter vindo de alguma cidade, e com certeza olhar essa aldeia indígena, não vai ser familiar.
— Pode ser... mas estou gostando do ar desse lugar... tão puro, que chega a ser mais gostoso respirar.
— Não viu nada, você vai ver quando entramos na floresta, é tão mágico! O cheiro das flores, de terra úmida, da decomposição da natureza...
Ele me olhou de soslaio.
— Pelo jeito a senhorita é apaixonada pela mata.— afirmou.
— Sou... quase todas as manhãs eu percorro essa floresta, poderia andar de olhos fechados!
— Já foi hoje?
— Não... eu vim ver como você estava.
Ele sorriu e continuamos a andar a passos lentos, sob o olhar das mulheres fofoqueiras.
— Porque todos me olham tanto? — ele perguntou intrigado.
— É a novidade da aldeia! — dei risada — Quer voltar?
Ele assentiu e então voltamos para a tenda de Magé. O ajudei sentar na cama, ele se deitou e eu arrumei os travesseiros de palha debaixo da sua cabeça.
O impacto dos olhos verdes que me fitam, fazem meu coração acelerar.
— Volto depois do almoço. Descanse.
Cobri o corpo musculoso com um lençol, ele segurou a minha mão, me deixando paralisada com seu toque.
— Obrigado Yara, por ter me encontrado. Salvou a minha vida.
Tentei ignorar meu coração palpitante, os olhos que expressam uma gratidão sincera, mas tudo isso, abalou minha estrutura num misto de sentimentos confusos que nunca havia sentido.
Sorri ternamente e assenti com a cabeça, não saberia o que dizer. Me afastei dele e saí da tenda com o coração disparado, como se estivesse prestes a ter um infarto.
"Meu Deus! O quê é isso?"
Voltei a tenda e logo fui encontrar minha mãe na plantação, mexi na terra, cuidei das plantações, com meus pensamentos presos nos meus sentimentos e no efeito que aquele homem causava em mim.
Minha mãe estranhou o meu silêncio, mas eu disse que estava tudo bem.
Voltamos para a tenda, ajudei com o almoço e percebi que uma chuva se aproximava. Almocei rapidamente, para poder passar a tarde com Essoby e descobrir o que está acontecendo comigo.
Mal deu tempo de entrar na tenda de Magé e a chuva caiu em grande volume. Essoby estava dormindo, mas logo acordou com o barulho.
— Chuva. — disse, me aproximando dele.
Ele quis se levantar, e eu o ajudei.
— Seria bom tomar outro banho de ervas para ajudar na cicatrização dos ferimentos.— Magé falou.
— Consegue se levantar?— perguntei, encarando os olhos verdes.
— Sim... me sinto bem.
Estendi as mãos e ele, se apoiando, levantou, retirei sua camisa, o que o fez arregalar os olhos.
— A água da chuva é um excelente banho, disse sorrindo.
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Atualizado até capítulo 89
Comments
Jucileide Gonçalves
Acho que ele vai se apaixonar por ela duas vezes, sem memória e depois que recuperar a memória também.💕💕💕💕
2024-04-22
6
Isabel Esteves Lima
Será que ele vai se apaixonar por ela
2023-10-21
11
Elina Luzia Santos
tomara que ele ame ela
2023-07-21
3