Cap-2 Um Homem Misterioso

Yara Suaçuna, 19 anos

Hoje, a tribo Paiacã está mais alvoroçada que o normal, todos comentam a queda de um jato luxuoso a alguns km daqui. Onde todos os passageiros foram encontrados mortos, uma tragédia.

Esses acontecimentos são raros para uma cidade grande, que dirá para uma comunidade indígena afastada como essa! Todos comentam o tempo todo, discutindo possíveis motivos da queda.

Entro na minha tenda, o dia só amanheceu e toda essa agitação. Olho meu papagaio que fala sem parar:

— Pega o Cauã! Yara! Pega o Cauã!

Sorrio para ave de penas verdes.

— Oh... quer dar o seu passeio matinal?— falei, estendendo a mão para Cauã subir no meu ombro.

Antes que minha mãe voltasse à tenda, me enchendo de afazeres, saio sorrateiramente. A conversa está tão atrativa entre as mulheres, que nem me veem afastar da tribo.

Já dentro da floresta, suspiro aliviada, ninguém me viu. Me viro para adentrar a mata e dou de cara com meu irmãozinho caçula de dez anos.

— Ai?! Poá!— exclamei assustada— O que faz aqui?

— Estou caçando!— Poá diz orgulhoso.

O menino está com um estilingue pendurado no pescoço.

— E você? O que vai fazer, Yara?— ele me encarou desconfiado.

— Vou dar um passeio com o Cauã. Volto logo.

Ele assentiu e voltou para a tribo. Suspirei e corri pelas árvores, poderia fechar os olhos e não esbarrar em árvore alguma. Conheço essa parte da floresta como a palma da minha mão. Aproveitei que a nova fofoca manteria as mulheres distraídas e fui mais longe; gostaria de ir até um braço do Rio Amazonas, próximo daqui. Bom, pelo menos para mim é perto, mas é mais de quarenta minutos andando, isso não me importa, na verdade, eu gosto disso, andar pelas matas úmidas e abafadas, sentir o cheiro de flores, da terra molhada...

Próximo ao rio, coloquei Cauã numa árvore e já ia me despir, quando ouvi um barulho estranho.

Fiquei parada, tentando ouvir mais atentamente, mas tudo que ouvi foram os gritos do louro e a resposta de várias espécies de pássaros.

Sem perder tempo, entrei na água fria sentindo aquela sensação de choque, para logo depois, meu corpo nu se acostumar com a temperatura da água. Nadei, boiei, fiquei horas olhando o céu límpido e com um sol brilhante.

Sorri para a mãe natureza; minha vida é perfeita!

Saí da água e deixei que o sol me secasse, deitada no chão, fiquei mais alguns minutos olhando um casal de periquitos alimentando seus filhotes em seu ninho no galho de uma árvore alta, e ao longe alguns micos pulavam de galho em galho.

Mais uma vez, um som esquisito me tira a atenção dos animais.

"Seria um gemido humano?!"

Me levantei rapidamente e, temendo ser algum homem da tribo, que saiu para caçar e acabou ferido, saí numa busca minuciosa com os ouvidos atentos para o som de lamúria.

Alguns minutos andando e prestes a desistir, o lamento soou mais perto, e com alguns passos a mais, avistei um homem branco, o que me fez recuar a princípio, não fazia parte do meu povo.

Dei mais dois passos lentos e vislumbrei cabelos loiros escuros, bagunçados e sujos de sangue. As roupas rasgadas denunciavam ser de alguém da cidade. Me aproximando mais, fiquei chocada com as escoriações do corpo, uma ferida aberta no braço direito. Sem mais receio, fiquei perto do homem e percebi que um corte na testa revelava uma pancada forte na cabeça. Estava coberto de folhas e galhos de árvore, o rosto tampado pelo sangue que escorreu. Me ajoelhei e procurei algum sinal de vida no homem. Ele ainda respirava, mas bem devagar.

Retirei todos os galhos do corpo, tirei o único sapato que parecia ser de uma marca famosa que só um homem rico usaria.

Achei uma pedra pontiaguda e cortei o terno esfarrapado, mas de um bom tecido, cortei a camisa que, apesar de suja, dava para ver que era branca, e deixei o tronco despido, muitas escoriações, mas eu tenho que admitir, lindos músculos definidos. Com um pedaço da camisa dele, eu fui até o rio e molhei o tecido, voltei para o homem e me ajoelhei novamente, limpei a ferida da testa, enquanto observava o rosto sereno, a sobrancelha grossa e castanha, a barba bem feita e curta. Uma pele tão suave, um rosto com um maxilar perfeito. Com muito cuidado, fui limpando o rosto, até que tivesse uma aparência mais branda. Voltei ao rio, repeti esse caminho por várias vezes, até limpar todas as feridas e escoriações. A mão esquerda parece estar quebrada, está inchada e retorcida. Toquei os cabelos loiros escuros e, deslizando os dedos por eles, retirei alguns fragmentos de folhas e os penteei.

Ele se mexeu, o que me fez assustar um pouco e temer a reação dele.

— Hum... Water...— O homem gemeu.

Imaginei que fosse um brasileiro, mas pela palavra, fala inglês, o que complica a comunicação.

— Senhor... eu vou te ajudar… espere aqui...

"Como se ele pudesse ir a algum lugar!"

— Water... please...— balbuciou o homem.

Confirmei a língua inglesa, mas só entendi o "please". Raciocinei, pensei o que ele poderia estar pedindo.

Ele abriu os olhos, revelando uma linda cor verde, que fez meu coração aquecer no peito. A intensidade do olhar me penetrou a alma, parecia me enfeitiçar.

— Water...— balbuciou sem força.

— Água? O senhor está com sede! É claro!

Levantei rapidamente e fui até o rio novamente, peguei um "copo" de bambu e, com cuidado, peguei a água do rio, não é a melhor água a se tomar, mas é tudo que tenho para o momento.

Voltei e, colocando minha mão direita em sua nuca, ajudei o homem a beber a água. Ele bebeu tudo, com muita sede.

— Qual é o seu nome, senhor?

Ele me fitou com os olhos tristes e vazios.

— I do not...

— Você não sabe?— perguntei como se ele pudesse me entender.

— No...

Olhei assustada para ele.

— Está me entendendo?— perguntei curiosa.

— Yes — ele respondeu assentindo com a cabeça, e acabou gemendo de dor.

— Você fala português ou inglês?

Vendo ele me olhar confuso e aflito de dor, me levantei rapidamente e já ia correr para buscar ajuda, quando voltei para ele e disse:

— Vou buscar ajuda! Eu prometo que vou voltar!

Saí em disparada e até me esqueci do Cauã, só quando estava próxima à tribo que me lembrei da ave.

"Espero que não se desespere, Cauã!"

Sem parar de correr, vou até a tenda da família e, ofegante, encontro somente a minha avó materna, Guaiane Tomoio.

— Vovó, preciso de ajuda, os homens já saíram para caçar?

— Calma, menina!

A velha de cabelos brancos e colares do pescoço me encara desconfiada.

— Onde esteve? Sua mãe estava te procurando.

— Depois eu digo...

Saio da tenda e procuro o mutirão de homens, e por sorte ainda não haviam saído. Estavam se preparando próximo à tenda do cacique Ecomonhanga Paiacã.

Cumprimento a todos os homens e meu pai logo me olha assustado.

— O que foi, Yara? Parece que viu um espírito ancestral!

— Tem um homem branco ferido perto do rio, ele precisa de ajuda. — Sem dar atenção para os olhos reprovadores de Iberê, continuei a falar— Me acompanhem!

Saí em disparada, meu pai Jurandir, o filho do cacique Iberê e mais dois homens tentaram me acompanhar.

Mesmo sendo caçadores experientes, percebi a dificuldade deles de correr pela floresta como eu, afinal, essa parte da mata, ninguém nessa tribo conhece como eu.

Em vinte minutos, estava de frente para o homem misterioso, que parecia dormir tranquilamente.

Enquanto Iberê e meu pai se preparavam para carregar o forasteiro, corri à procura do meu papagaio.

— Cauã?

Para o meu alívio, avistei a ave.

— Pega o Cauã!

Peguei o louro e, correndo, logo alcancei os homens. No caminho, ele abriu os olhos atordoados, segurei a mão sã, tentando transmitir algum conforto.

— Vai ficar tudo bem.

Ele suspirou e pude sentir um sutil aperto da sua mão na minha, que fez meu coração bater ligeiramente apertado.

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Comments

Lú Neri

Lú Neri

Essa história promete ser muito boa. Gosto dessa mistura de cultura, raça, valores...li um livro de outra outora que é sobre uma índia que foi morar no morro. Pense em uma história maravilhosa! Espero que este seja tbm

2024-05-06

6

Jucileide Gonçalves

Jucileide Gonçalves

A diferença social, diferença de raça, cor , tudo isso vai dar um toque de realidade que o amor acontece onde menos se espera.

2024-04-22

0

Renascida das cinzas

Renascida das cinzas

"...ligeiramente machucado. Caiu tão fundo nessa ilusão..."😅🤭 Sandy&Jr

2024-01-13

2

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