Então, olhei seu rosto, e vi dois olhos muito azuis, lembrando as flores de um jardim de verão. Ele me olhou sério. Eu cheguei mais perto da cama e observei seu rosto bronzeado. Ele, obviamente, era um homem que vivia ao ar livre e, naquele momento, parecia muito infeliz obrigado a permanecer deitado.
— Olá, senhor Larkham. Sou a enfermeira Page. O que lhe aconteceu?
— Inicialmente… fui tirar um pônei de um pântano.
— Compreendo. E depois?
— Ficou pior. Não consegui ficar em pé. Ainda não consigo. Mesmo depois de várias semanas deitado de costas. E será que a tração vai provocar algum tipo de milagre? Duvido. — Seu maxilar ficou tenso e eu não respondi. A nova garota aproximou-se.
— Então, trabalha com cavalos, senhor Larkham? — Tentava distraí-lo, pois percebi que sua tensão aumentara. Ele se sentia inválido por não conseguir se mover. Não estava acostumado com os cuidados de uma enfermeira e nunca conseguira aceitar este fato.
-— Relaxe. Eu farei o resto — disse firmemente, mas com gentileza, virando-o de lado. Enquanto o segurava, a outra moça virou o travesseiro. Ele gemeu e eu o deitei de costas. Ele fechou os olhos, de modo que não pude ver sua angústia.
— Esse tratamento vai ajudar em alguma coisa? — perguntou ele desesperado, olhando para mim, enquanto eu esticava as cobertas.
— Pensamento positivo, senhor Larkham. É o melhor que podemos fazer para colocar suas costas no lugar. É vagaroso, eu sei… mas, sim, funciona na maior parte dos casos.
— Eu… não tenho tempo para esperar, enfermeira.
— Por quê? É artista de circo ou alguma coisa assim? — Pela primeira vez eu o vi sorrir, mostrando dentes branquíssimos e bonitos.
— Oh, Deus… não! Eu trabalho para a Comissão Florestal… com cavalos e manadas. Mas tenho meus próprios cavalos, naturalmente, e agora preciso deixá-los aos cuidados de estranhos. As vacas precisam ser ordenhadas; as galinhas alimentadas... isto é um inferno. É como estar em um outro mundo. Ninguém me diz nada… se vou conseguir andar ou não… Claro que este é o problema. Não sei se vou poder andar novamente! Me diga! Vou poder andar?
Senti o profundo desespero da sua voz e percebi que não devia dizer nada, apesar de sentir uma vontade enorme de ajudá-lo. Ele era o tipo de homem que geralmente não se entrega ao medo, nem admite a sua existência. Seus olhos azuis estudaram ansiosamente meu rosto, esperando resposta à sua pergunta.
Falei gentilmente:
— O cirurgião logo aparecerá por aqui. Pergunte a ele. Não se importará em responder. Agora… estou um pouquinho atrasada. Eu lhe sorri, mas ele não respondeu ao sorriso. Apressei-me em terminar e fui falar com a outra enfermeira.
— Ótimo, menina. Qual é o seu nome?
— Branda Jackson.
— Eu sou Nicole Page. Agora acho melhor nos apressarmos. Dali em diante trabalhamos sem parar. Chris tinha as suas tarefas e eu, as minhas. Ao preparar o carrinho para a ronda do doutor McReith, lembrei-me do jeito especial com que ele apreciava tudo, observando os arquivos de chapas dos pacientes e vendo se estavam em ordem. A Irmã George deu-me uma olhada quando peguei o arquivo e entrei na enfermaria. Perguntou por que eu me atrasei naquela manhã.
— Qualquer que seja o motivo, sei que só será uma desculpa. E não há desculpas convincentes para atrasar no serviço — disse ela, sem esperar minha resposta.
— Sim, Irmã.
— Vá e arrume tudo. Já são quase dez horas.
Poucos minutos mais tarde, Chris esgueirou-se pela porta e disse:
— Eles estão a caminho.
— Certo. Estou pronta.
Afastei o cabelo da testa, ainda sentindo que ele estava molhado da chuva da manhã, e fui me juntar ao grupo. Fiquei em pé atrás do doutor Gray, que como eu, ouvia atentamente tudo que aquele grande homem dizia. Observava tudo o que ele fazia. Como sempre, um pensamento me passou pela mente: Quanto mais os homens subiam no campo da medicina, mais humanos eles pareciam. Talvez ele tivesse treinado um grande auto-controle sobre seus pensamentos, sua expressão facial, sua calma. Acho que era isso. Porque havia uma espécie de aura ao redor do doutor McReith. Um paciente dera uma boa definição dele, quando falou baixinho:
— Ele é um gentleman, enfermeira. Um grande gentleman.
Era verdade e eu o admirava, juntamente com todos os membros da equipe. Sentia-me, às vezes, recompensada com um dos seus sorrisos, e então o dia se tornava muito especial para mim. Quando ele se aproximou do leito de Robert Larkham, prestei mais atenção. Enquanto ele passava os dedos pelas vértebras deslocadas, ouvia todas as perguntas de Robert. E, depois de examinar as chapas, pediu que fossem tiradas outras. Saiu, então, sem nenhuma promessa de uma recuperação rápida, mas dando esperanças e um sorriso animador.
No fim do dia percebi que estava profundamente interessada naquele paciente, cujos olhos azuis seguiam-me sempre. Havia, entretanto, uma regra sutil e não escrita, de que nunca devíamos nos envolver com os pacientes. Algumas vezes, alguém se deixava envolver, mas isso nunca era admitido, nem revelado. Essa era uma das coisas que as Irmãs não gostavam e sempre havia uma prestando especial atenção ao fato. Além do mais, isso era parte de meu treinamento. De modo que precisava manter esse novo interesse completamente sob controle. Falei a meus sobre ele, certa noite, depois de sua permanência no hospital há duas semanas.
— E isso pode parecer um tempo terrivelmente longo, numa cama de hospital, para quem nunca esteve imobilizado antes — disse.
Minha mãe é francesa e muito direta. Olhando-a, é difícil acreditar que já esteja nos quarenta anos. Seu cabelo é escuro como o meu, curto. O meu é crespo e o dela é liso e suave, caindo ao redor do rosto. Meu pai a adora, é doido por ela.
— Robert Larkham é casado? — Perguntou meu pai.
— Eu… não sei. Sim, talvez. Chris disse que ele recebe uma visita à tarde, de vez em quando. Pode ser sua esposa. Ele lê muito, principalmente livros sobre a vida rural. Já percebi isso. É surpreendente como se pode saber coisas sobre as pessoas, analisando o que elas lêem.
— Então é um homem do meu tipo — interrompeu papai, mostrando suas imensas pilhas de livros rurais e revistas especializadas.
Minha mãe sorriu para mim e levantou as sobrancelhas. Nós duas sabíamos do sonho dele de se mudar para o campo, cuidar de abelhas e de galinhas, cultivar um jardim. Esta era a sua idéia do paraíso.
— Vamos morar em algum lugar, perto de um vilarejo, Anne Marie… — ele murmurou, segurando seu cachimbo, com os olhos cheios de sonhos. — Estou economizando…
Enquanto isso, vivíamos num sobrado que um dia seria vendido. Mas, mesmo ali, o nosso jardim já existia. Era pequeno e no verão ficava muito colorido. Papai cultivava alfaces e tomates.
— Oh, papai merece o seu bangalô — disse eu, olhando as flores que já brotavam na jardineira da janela.
— Espero que ele tenha uma boa chácara quando chegar a hora — disse mamãe alegremente. — Agora, conte-me mais sobre o senhor Larkham. Ele é louro ou moreno? Alto ou baixo? Você está querendo saber também, não querido?
— Você está caçoando de mim.
— Não — disse mamãe inocentemente. — Continue. Estou interessada. Ele mora na floresta, Nicole? Que lugar lindo para morar. E trabalha lá, e não em alguma cidade?
— Sim. Os olhos dele brilham ao falar sobre sua casa. Acho que está com muitas saudades, apesar de ele não admitir isso, naturalmente. Cavalos e ar livre… isso é que é vida. Seria trágico se Robert Larkham não pudesse cavalgar nunca mais. Se puder ao menos andar…
— Há esta possibilidade?
— Eu não sei. Sim… acho que sim. O doutor McReith não afirmou nada. O senhor Larkham ainda continua deitado de costas. Oh. Você sabe, não devo discutir o estado dos pacientes.
— Bem, geralmente você não discute. Este deve ser um caso especial, penso eu.
— Oh! — Levantei-me — quero lavar o cabelo e preciso passar um vestido. Vou a um show no Bournemouth amanhã à noite, com o doutor Gray. Não lhe contei?
— Não… não contou. E quem é este doutor Gray?
— Ele é novo lá. É muito gentil. Honestamente, acho que este é o seu primeiro encontro. O que acha disso? Convidou-me esta manhã. Ele quase me pegou num dia errado, mas não consegui pensar em nenhum bom motivo para recusar. E, já lhe disse, ele é muito gentil. Estou bem animada.
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Comments
Rayssa
…………..
2023-09-14
1
Rayssa
……
2023-09-14
0
Marcia Valéria
estou gostando sim
2023-07-31
0