Entrevista de emprego

Maria Alice encostou o carro em frente ao prédio de fachada espelhada e olhou para Ana com aquele sorriso que dizia: “Você vai sobreviver — ou pelo menos vai ter histórias pra contar.”

— Respira fundo — murmurou ela, pegando a mão da amiga. — É só uma entrevista, chega lá mostra seu melhor sorriso e conquista sua vaga.

Ana sorriu, mas por dentro estava um caos, entrou no saguão que cheirava a limpeza e nomes importantes. Cada passo era um lembrete do que deixara para trás — e também um passo em direção ao que, pela primeira vez, ela escolhia sozinha.

Na recepção, Doutor Felipe, um dos advogados do escritório, já esperava com um sorriso fácil e um humor que parecia desafiar qualquer mau humor matinal.

— Então é você, a próxima copeira? — ele provocou, lendo o crachá improvisado que Maria pendurou no casaco dela. — Cuidado: aqui o pessoal tem paixão por café e desprezo por manhãs mal feitas.

Ana riu, descontraindo só um pouco. A conversa fluiu, a recepção foi gentil, e ela começou a pensar que talvez — só talvez — conseguisse mesmo.

E foi nesse instante que a porta do escritório se abriu com um estalo seco.

Sebastian Alencar entrou com o ar de quem não pretendia ser interrompido. Havia gotas de chuva no paletó, uma pequena ruga na camisa, meio descabelado, o dia não começou como ele gostava, organizado e com tudo no lugar.

Desde o não de sua noiva sua vida parecia não voltar ao eixo, mas ele ia resolver de um jeito ou de outro.

Ia ter que resolver, agora tinha uma esposa e nem sabia onde andava ou o que fazia.

Merda...isso o estava enlouquecendo.

Quando o olhar dele encontrou os olhos azuis da moça na recepção, algo aqueceu no centro do peito.

Que mulher linda, parece que a conheço.

E o pensamento seguinte veio rápido: o que uma mulher assim quer no meu escritório às sete da manhã?

Passou por ela sentindo o perfume suave, uma mistura de flor e desafio. Forçou-se a voltar à realidade, chamando Felipe, um dos estagiários do escritório:

— Chame o seguro e mande buscar meu carro. O pneu furou a três quadras daqui.

Entrou no gabinete e fechou a porta com a mesma intenção com que se encerra um assunto.

Do lado de fora, Ana sentiu o peso do silêncio repentino.

Maria, sempre pronta para aliviar o clima, sussurrou com malícia:

— Esse é o patrão.

— Ele é… — Ana começou, mas Maria a cortou:

— Lindo, gostoso e um perigo com terno e covinhas que fazem a gente pensar besteira.

— Não era isso que eu ia dizer — resmungou Ana, cruzando os braços. — Eu ia dizer arrogante, mandão e convencido, passou por nós e nem nos deu um bom dia.

Maria deu um sorrisinho:

— Só você para ver um homem desses pela primeira vez e só conseguir ver a arrogância dele.

Quando a secretária a chamou, Ana ajeitou o cabelo e caminhou até o gabinete com o mesmo ar altivo que usava para enfrentar a sociedade. Cada passo era uma afirmação: eu posso.

Sebastian ergueu o olhar assim que leu o nome no currículo: Ana Laura Maciel.

A expressão dele se endureceu. O sangue subiu, quente.

Ela veio me provocar? Pensou. Ou o pai dela a mandou aqui para me testar? Minha esposa querida.

Olhou pelo vidro e viu a moça com a cabeça erguida e pose de quem sabe lidar com os ambientes.

A mistura de orgulho ferido e irritação virou plano. Ele iria quebrar aquela pose de rainha com uma entrevista que ela jamais esqueceria.

Quando ela entrou, ele ficou olhando seus olhos azuis e a postura de quem sabe lidar com qualquer tipo de pessoa. Vamos ver até onde você consegue suportar.

— Senhorita Maciel — disse, a voz controlada, o sarcasmo aparente. — Bom dia. Então... a que devo a honra de tão nobre visita? Para servir café é que você não veio.

Ana sentiu o golpe, mas manteve o queixo erguido. Aquele tom superior lhe era familiar — crescera ouvindo variações dele em casa.

— Bom dia, senhor Alencar — respondeu, fria. — Estou aqui porque preciso trabalhar. E, se me permite, meu sobrenome não me representa mais, mas se não pode me contratar porque sou uma Maciel, tudo bem. — Cada sílaba saiu firme, afiada.

Ele apoiou as mãos na mesa, inclinando-se como quem avalia uma obra imperfeita.

— Não disse que não pode trabalhar para mim. Só me surpreende ver certas pessoas dispostas a... descer tão rápido na escala social.

— Eu não desci — retrucou, sem hesitar. — Eu simplesmente escolhi o chão que quero pisar.

O silêncio que seguiu pareceu ganhar peso. Sebastian sorriu — um sorriso lento, quase cruel.

— Vamos ver se sua escolha é prática. Já trabalhou com organização de arquivos? Sabe operar uma máquina de café? Já fez algo na vida além de tomar chá com as madames?

Ana não abaixou a cabeça e não deixou transparecer o medo que sentia, estava acostumada a lidar com este tipo de homem, seu pai lhe ensinou bem.

— Nunca trabalhei formalmente, mas aprendo rápido. E café... posso prometer que ninguém vai reclamar do expresso.

Ela deu uma pausa e completou:

— E, de fato, sei tomar chá.

Ele ergueu a sobrancelha, surpreso com a audácia. Aquilo não era o que esperava. Ele queria vê-la gaguejar, não provocar. Mas ali havia fogo e audácia.

— Seu currículo é... sucinto — provocou. — Nunca trabalhou, trancou a faculdade de direito com dois anos de curso, o que aconteceu? Quebrou uma unha tentando ler um livro?

Ana ficou olhando para o advogado arrogante, deveria dar a resposta que ele merecia, mas se controlou, precisava deste emprego.

— Tranquei a faculdade — respondeu, sem drama. — Motivos pessoais. Pretendo recomeçar mais tarde, quando estiver em pé. Agora preciso pagar minhas contas.

A sinceridade o desarmou por dentro. Mas o orgulho não cedia fácil.

— E acha que vai sobreviver servindo café? — perguntou, desafiando. — Certa vez ouvi dizer que o luxo escondia incompetência.

Ele estava conseguindo tirar Ana do eixo, sua armadura construída há anos estava se rompendo.

— E eu ouvi dizer que quem confunde luxo com caráter está perdido.

A resposta veio como um soco elegante. Ele silenciou por um segundo, sentindo o golpe.

Sebastian inspirou fundo. O plano de humilhação havia falhado. Não tinha medo nos olhos dela — havia coragem, determinação e teimosia.

— Muito bem — disse, enfim, levantando-se. — Começa segunda. Sem atrasos, sem drama, sem favor. Trabalha, faz o que mandam e pronto. Seu sobrenome aqui não vai te ajudar em nada.

Ao acompanhá-la até a porta, chegou perto o bastante para sentir o perfume e ver o brilho teimoso nos olhos dela.

Por um instante, o ar entre os dois pareceu elétrico.

Ele baixou o tom da voz:

— Se você quer brincar de gato e rato, saiba que há gatos bem perigosos por aí.

Ana arqueou um sorriso, sem perceber o duplo sentido.

— Então me prove que é gato — respondeu, encarando-o. — Porque posso ser um lobo escondido em pele de cordeiro.

E saiu, deixando o ar denso de perfume e desafio.

Sebastian ficou parado, olhando para a porta fechada, um sorriso involuntário escapando.

Lobo, é? pensou, divertido e intrigado.

Pois vamos ver quem caça quem, senhorita Maciel.

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Comments

Fabiola Caglio

Fabiola Caglio

Cadê o resto do livro

2025-10-27

2

Luiza Oliveira

Luiza Oliveira

Até agora o livro parece ser bom, espero que venham mais capítulos 😘

2025-10-28

2

lua 🌙

lua 🌙

já amando esse café amargo do casal 🤣🤣🤣🤣🤣🤣

2025-10-29

1

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