Jared Cortez
O clima na sala de terapia ficou pesado, o ar antes neutro agora carregado de uma eletricidade hostil.
O homem na poltrona de couro, Dr. Alencar, engoliu em seco ao ouvir aquele nome. Era mais do que um nome; era uma chave que abria portas que deveriam permanecer trancadas para sempre.
— Ele? — repetiu, a voz vacilando, uma traição à sua postura profissional. — Não. Eu... eu recomendo que se afastem dele. Sério. Não façam nada... não por ele, mas por vocês mesmos.
O líder do grupo, um homem corpulento com olhos pequenos e cruéis, arqueou uma sobrancelha. Ele se inclinou sobre a mesa do psicólogo, o cheiro de tabaco barato invadindo o espaço.
— Por que tanto drama, doutor? Ele é só um homem, não é?
Os outros capangas, espalhados pelo consultório como lobos em um cercado, se aproximaram, alguns rindo com escárnio. O Dr. Alencar olhou para cada um deles e percebeu, com um calafrio, que ninguém ali fazia a menor ideia do perigo em que estavam se metendo. Ele respirou fundo, o medo lutando contra décadas de ética profissional.
— Eu não posso... O sigilo...
O líder não teve paciência. Com um movimento rápido, ele sacou um tablet e o virou para o doutor. A tela mostrava uma transmissão ao vivo, granulada, de uma câmera de segurança. Uma mulher e uma menina pequena, sua esposa e filha, saíam de uma escola.
— Colégio Central. Fica a dez minutos daqui, não é? — disse o líder, a voz baixa e venenosa. — Elas estão seguras. Por enquanto. Mas o trânsito anda tão perigoso hoje em dia, doutor. Um carro desgovernado, um assalto que deu errado... Seria uma pena. Tudo que você precisa fazer é falar.
O mundo do Dr. Alencar encolheu até caber naquela tela. A ética, os juramentos, tudo se desfez diante da ameaça primal à sua família. Derrotado, ele sussurrou o nome como se fosse uma maldição.
— Jared... Cortez...
O nome soou como uma sentença. O silêncio que se seguiu parecia vivo, as risadas presas na garganta dos capangas.
— Ele é... elegante. Discreto. E capaz de matar qualquer um, a qualquer momento. E o pior... só segue as próprias regras.
As risadas cessaram completamente. O líder, impaciente, mas agora com um pingo de curiosidade mórbida, deu um passo à frente.
— Que diabos isso quer dizer? Por que ele é tão perigoso? Fala logo, doutor!
O psicólogo hesitou, não mais por ética, mas por um medo visceral do homem sobre quem falaria. Mesmo assim, abriu o notebook sobre a mesa e puxou a ficha digital do paciente, a única cópia que existia, mantida offline.
— Jared Cortez. Quarenta anos. Filho de brasileiro com mexicana. Nascido nos Estados Unidos. Fala fluentemente português, espanhol, inglês e japonês... e ainda se arrisca em russo e italiano. Calma que tem mais. Campeão estudantil de wrestling, boxeador amador, cartel perfeito, faixa preta de jiu-jitsu. Vencedor de provas de resistência: Ironman, triatlo, pentatlo...
Pausou, a boca seca.
— Já serviu ao exército. Já esteve em guerras reais. Sabe pilotar qualquer veículo, armar e desarmar explosivos, lutar com qualquer coisa que encontrar nas mãos. Não bebe. Não fuma. E tem sua própria moral, sua própria conduta e forma de pensar. Isso é o que o torna perigoso de verdade. Ele é... Imprevisível.
O líder o interrompeu, incrédulo:
— Ele deve ter se esforçado muito nesse tempo. Mas no fim ele é só um homem!
— Olha... o Q.I. dele deu cento e trinta e cinco. E isso depois de um dia inteiro sem dormir. A determinação... Tudo que ele já fez com as próprias mãos, ou com armas...
O silêncio voltou, mais pesado desta vez.
— Seja lá o que forem fazer... não queiram se meter com ele.
O líder soltou uma risada seca, forçada, tentando reafirmar sua autoridade.
— Esse Cortez... É só um lunático. É só isso. E ele vai pagar por ter destruído nosso depósito. Vamos, homens!
Os capangas o seguiram para fora, deixando para trás um silêncio ensurdecedor e o cheiro de medo. O Dr. Alencar permaneceu sentado, imóvel, o peso esmagador da culpa o sufocando. Ele havia traído o sigilo de seu paciente mais enigmático. Pensou em avisar Jared, mas sabia que era impossível — aquele homem não tinha telefone, endereço ou rastros digitais. Quem quisesse falar com ele... teria que encará-lo pessoalmente.
Enquanto o psicólogo se afundava em seu próprio inferno de culpa e alívio, a centenas de quilômetros dali, o objeto de sua traição não poderia estar mais em paz.
No coração da Amazônia, a noite caía devagar, um manto de veludo escuro salpicado de estrelas. O ar cheirava a terra úmida, folhas em decomposição e a fumaça de madeira queimada.
Jared terminava sua refeição simples, sentado à beira de uma fogueira que estalava suavemente. O acampamento estava em ordem; o corpo, em paz; a mente, em vigília.
Conversou com Deus — como sempre fazia antes de dormir. Mais agradecia do que pedia.
E então dormiu. Tão profundamente quanto alguém como ele poderia dormir.
O amanhecer o despertou junto com o som da primeira explosão.
Ele abriu os olhos... e sorriu.
Sabia que o dia havia chegado.
Sabia que teria que lidar com os homens que vinham atrás dele — os mesmos que perderam a fábrica de drogas que ele destruíra no dia anterior.
Não era seu plano interferir... mas diante daquilo, não teve escolha.
Fez o que acreditava ser certo.
Agora, viria o acerto de contas.
E, depois disso, finalmente poderia seguir para sua missão principal.
Continua...
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Atualizado até capítulo 20
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