O incenso queimava devagar, espalhando um cheiro forte de flores e madeira. As lanternas de papel balançavam com o vento suave que entrava pelas portas do templo. O velório seguia as tradições coreanas: todos de branco, a foto do pai sorrindo em um quadro grande, cercado de flores brancas.
Naerin estava ajoelhada, com o rosto coberto de lágrimas. Os olhos dela, tão escuros e puxados, pareciam mais fundos do que nunca.
— pai...— a voz dela saiu embargada. — Você disse que nunca ia me deixar… que sempre ia cuidar de mim. por que você foi embora ?
Ela agarrou o retrato como se fosse o próprio corpo do pai. Os monges entoavam cânticos, mas o som que dominava os ouvidos dela era o próprio choro. Sozinha no mundo. Sem mãe, sem pai. Só restava uma lembrança vaga: uma foto antiga, amarelada, que o pai sempre mostrava de um menino moreno, sorridente, no Brasil.
— “Esse é seu irmão, Naerin. Ele mora muito longe, mas é sangue do meu sangue. Se um dia eu não estiver mais aqui, você procura ele. Ele vai cuidar de você.”
Essas palavras ecoavam na cabeça dela como martelo. E agora esse “um dia” tinha chegado.
O avião pousou e Naerin encostou a testa na janelinha. Lá embaixo, a cidade se estendia como um quebra-cabeça caótico: casas pequenas grudadas umas nas outras, coloridas, espalhadas por morros íngremes. O contraste com Seul era brutal. E no meio de tudo, erguia-se o Cristo, braços abertos como se abraçasse a cidade inteira.
Naerin engoliu seco. O coração acelerado. era aqui que ela ia viver agora
Quando saiu com a mala, meio perdida entre as pessoas falando alto, gesticulando, rindo, ela quase não percebeu o rapaz que acenava pra ela. Cabelos lisos, traços que misturavam Ásia e Brasil.
— kim Naerin? — ele falou, sorrindo.
— S-sim… — ela respondeu com sotaque carregado.
— Sou o Daniel. Seu irmão. — Ele abriu os braços, meio desajeitado.
Ela baixou a cabeça, tímida, mas deixou ele abraçá-la.
Do lado dele, uma mulher de meia-idade, cheia de energia no olhar, sorriu largo.
— Seja bem-vinda, menina! Eu sou a dona Gisele Pode me chamar de tia, de mãe, do que você quiser. Aqui você não vai ficar sozinha.
O calor daquele abraço foi diferente. Gisele a apertou como se já conhecesse ela há anos.
Naerin sorriu tímida, ajeitando a franja que caía no rosto.
— Obrigada… eu… muito feliz.
Daniel riu.
— Tá nervosa, né? Relaxe. Tu tá em casa agora.
O caminho foi cheio de surpresas. Naerin olhava pela janela, os olhos arregalados. Pessoas andando de chinelo, crianças correndo de short, mulheres com roupas curtas que encaravam ela de cima a baixo. Algumas até cochichavam.
— Eles… olham muito pra mim… — ela murmurou em português meio embolado.
Daniel riu.
— Esquece isso. É que eles não tão acostumados a ver gente de outro país. Ainda mais uma coreana, né? Relaxa, daqui a pouco ninguém nem estranha.
Quando chegaram, a casa surpreendeu Naerin. Era grande, bem cuidada, até bonita. Nada parecido com as mansões de Seul, mas diferente do que ela imaginava.
— Aqui… é… muito… legal. — Ela tentou, com o português fofo e quebrado.
Dona Gisele riu.
— Ai, meu Deus, que gracinha! Essa menina fala igual boneca!
Naerin, sem graça, ajeitou a saia. Ela usava roupas bem formais, um vestido claro, blazer leve elegante demais pro calor. No portão, uns meninos soltaram risada.
— Olha aí, parece até princesa do K-pop!
Daniel percebeu.
— Mana, essa roupa aqui é… como posso dizer… chique demais. Aqui a galera é mais de shortinho, roupa leve. Mas tu vai pegar o jeito.
Ela sorriu sem graça.
— Eu… vou acostumar… prometo.
No dia seguinte, Gisele a levou até a padaria. O cheiro de pão quente fez Naerin lembrar dos mercados noturnos da Coreia, mas logo ela se perdeu no ritmo: todo mundo falava rápido, palavras atropeladas, barulho demais.
— Meu Deus… eles… falam… tão rápido! — ela sussurrou, nervosa.
Gisele riu.
— É assim mesmo, fia. Tu vai aprender na marra.
Na hora de pagar, a confusão foi tanta que, quando percebeu, ela já tinha se separado de Gisele. Empurrada pela multidão, saiu pela rua errada.
— Ai… onde… estou? — o português dela tropeçava.
Ela começou a andar sem rumo, tentando reconhecer o caminho. Entrou em vielas estreitas, uma diferente da outra, até que se meteu em um beco escuro. Foi aí que o coração dela gelou.
Um homem tatuado segurava outro pelo colarinho, encostando uma arma na cara dele.
— Vai pagar ou não vai, filho da puta?!
Naerin tapou a boca, mas o grito escapou:
— Aaaaah!
O homem armado se virou bruscamente, encarando ela. Os olhos dele brilharam perigosos.
— Que porra é essa?!
O outro aproveitou o susto e correu. O tatuado bufou, irritado. Fez sinal pros vapores que estavam perto:
— Vai atrás dele! —
Então, caminhou até ela devagar, o olhar fixo.
— Pela tua cara… tu não é daqui. — Ele deu um meio sorriso frio. — Deve ser a irmã do Japinha, né?
Naerin gaguejou, o corpo tremendo:
— P-por favor… não… não me… matar… — falou embolado, misturando sotaque.
Ele riu baixo.
— Calma, boneca. Eu não vou fazer nada contigo. Tá perdida, né?
Ela engoliu seco, só conseguiu balançar a cabeça.
Nesse instante, Japinha apareceu correndo, desesperado
— kim ! sua doida,omxe tu foi parar?!— Ele puxou o braço dela. — Tava procurando você igual maluco!
Ele olhou pro terror armado.
— Que rolé foi esse?
terror deu de ombros.
— Ela só se assustou, só isso. — Olhou mais uma vez pra Naerin, como se quisesse guardar o rosto dela na mente. Depois saiu andando, frio, desaparecendo no beco.
kim naerin ainda tremia. Daniel a abraçou forte.
— Não faz isso nunca mais, tá ouvindo? Esse lugar não é pra você andar sozinha.
Ela engoliu em seco, encostando o rosto no peito dele.
— Eu… desculpa… eu… só queria… voltar… casa.
E ali, no meio daquele novo mundo, com medo e curiosidade batendo forte no peito, Naerin começou a entender: a vida dela nunca mais seria a mesma.
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Atualizado até capítulo 46
Comments
Sandra Cristina Melo
Está ficando boa a história 👏👏👏👏👏
2025-10-05
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