Da Coreia para o Morro

Da Coreia para o Morro

Terror

terror/ Guilherme

Japinha/ Daniel

kim naerin

Abel

Lopes

Fernanda

O sol ardia na laje como se quisesse derreter a favela inteira. A vista do alto da Penha era bonita, mas também era território proibido pra muita gente. Quem mandava ali não era polícia, não era político, não era pastor. Era ele. Terror.

Só que quem chamava ele de Terror eram os de fora, os que tremiam só de ouvir o nome. No papel de batismo, era Guilherme. Mas quase ninguém ousava usar esse nome. Só duas pessoas: Dona Gisele, a mãe do Japinha, e Dona Maria, que cuidava dele como se fosse filho desde moleque.

No beco estreito, dois moleques tinham sido pegos na covardia: um tentando meter o salveem um trabalhador voltando do serviço. Os vapores cercaram e levaram os dois até a salinha o quartinho abafado onde Terror resolvia as paradas.

Ele entrou devagar, com a calma de quem não precisava levantar a voz pra botar medo. Usava uma bermuda da Lacoste, chinelo Rider, corrente grossa no pescoço. Acendeu um cigarro, deu uma tragada e encarou os dois.

— E aí, vacilão… cês acham que o bagulho aqui é zona? — soltou a fumaça devagar, olhando nos olhos do mais novo.

— N-não, chefe… foi mal… — o moleque tremia.

— Foi mal, nada. Cês tão manchando meu morro, porra. Aqui, trabalhador passa em paz. Quem rouba morador vai direto pro microondas. — Terror falou baixo, mas cada palavra cortava como faca.

Ele fez sinal. Um dos vapores trouxe o celular do trabalhador, ainda com as mãos do moleque marcadas de suor.

— Devolve. — Terror ordenou.

O garoto obedeceu, gaguejando desculpas.

— Agora, vamo fazer assim. Vocês vão trabalhar pro morro. Vão catar lixo, pintar muro, ajudar no campinho. Se eu ver vocês de gracinha de novo… — ele deu um sorriso gelado — vai ter churrasco de vocês.

Os meninos balançaram a cabeça, aliviados de escapar do pior. Terror bateu na mesa, encerrando a audiência.

Na porta, Japinha apareceu, com aquele jeito leve, mesmo sendo cria também. Moreno de traços puxados, cabelo liso e olhar sagaz. O apelido colou desde moleque, ninguém chamava ele de outra coisa.

— Fala tu, Gui… — Japinha sempre chamava pelo nome de batismo, sem medo.

— Fala, Japa. Que que houve? — Terror puxou mais uma tragada.

— Vou ter que dar um rolê amanhã no aeroporto.

— Pegar “mercadoria”? — Terror levantou a sobrancelha.

Japinha riu.

— Que nada, irmão. É minha irmã… quer dizer, meio-irmã. Tá vindo da Coreia.

— Coreia? — Terror gargalhou alto. — Papo reto, uma coreana no meu morro? Isso não combina não, Japa.

— Eu também tô achando viagem… — ele coçou a nuca. — Mas é real. O coroa morreu lá e ela não tem pra onde ir. Tá vindo morar com a gente.

Terror deu outro gole no cigarro, pensativo.

— Ih… então o bagulho vai ficar interessante. Quero só ver essa mina coreana andando de chinelo na laje. — riu, debochado.

Japinha sorriu, mas no fundo estava ansioso. Ele nem conhecia a irmã direito, só de foto antiga do pai.

No fim do dia, Terror voltou pra casa. Só que a casa dele não era qualquer barraquinho. Era uma mansão no meio do morro. Um contraste que deixava todo mundo de boca aberta: piscina, carro importado, mas cercado pelos becos e vielas.

Quando entrou, encontrou Dona Maria, a empregada que praticamente tinha sido mãe dele depois que a verdadeira se foi. Ela já veio de dedo em riste:

— Guilherme! — o tom dela fazia ele lembrar dos tempos de moleque. — Eu já falei mil vezes: para de deixar a toalha molhada em cima da cama! Tá achando que aqui é lavanderia?

Terror soltou uma risada.

— Aí, Dona Maria… relaxa, pô. É só uma toalha.

— Relaxa nada! — ela bufou. — Vai querer criar mofo naquela cama caríssima que tu comprou? Se tu fosse meu filho mesmo, já tinha levado umas chineladas.

Ele deu um beijo na testa dela, rindo.

— A senhora é braba demais, Dona Maria. Mas eu te respeito, tu sabe.

Ela revirou os olhos, mas não conseguiu segurar o sorriso.

Terror subiu pro quarto, largou o cordão em cima da cômoda, tirou o chinelo e deitou. Mas o sono não vinha fácil. A mente dele sempre tava ocupada: o morro, os negócios, a responsabilidade. Desde moleque tinha aprendido que pra sobreviver ali precisava ser mais frio que o gelo.

Mas, no fundo, ele carregava um peso que ninguém via. Não era só o dono do morro. Ele era filho da mulher que tinha comandado aquilo antes, e herdou não só o poder, mas a missão de manter o povo do morro protegido. As idosas, as crianças, os trabalhadores todos viam nele uma espécie de justiceiro.

O celular vibrou. Era mensagem de Japinha:

“Amanhã chego com ela no morro. Se prepara, que vai ser novidade até pra mim.”

Terror soltou uma risadinha, jogou o celular de lado e murmurou:

— Uma coreana no meu morro… essa eu quero ver.

Do lado de fora, o som ecoava alto, o funk dominava a noite, e o cheiro de churrasco subia das lajes. O morro estava vivo, e no centro dele, o Terror, o homem que todos respeitavam, mas que ninguém entendia de verdade.

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@Fake_evyx

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Comments

Thay

Thay

começando a ler dia 04/10/25 bora ver se está história é boa 😉💋

2025-10-05

1

Sandra Cristina Melo

Sandra Cristina Melo

Começando hoje

2025-10-05

1

Ver todos

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