O toque da mão de Miguel ainda ardia na pele de Helena quando ela voltou para a mansão. O coração, antes vazio, agora parecia carregado de tempestades. Cada passo no corredor ecoava como culpa, como se as paredes da casa sussurrassem traição.
Arturo estava na sala de estar, sentado em sua poltrona de couro, um copo de uísque na mão e os olhos fixos no fogo da lareira. Helena conteve a respiração. Não esperava encontrá-lo acordado àquela hora.
— Demorou — disse ele, sem se virar. Sua voz grave cortou o ar.
— Minha mãe não estava bem — respondeu Helena, baixando o olhar. — Fiquei um pouco mais.
O silêncio seguinte foi mais pesado que qualquer acusação. Arturo finalmente a encarou. Seus olhos eram duas lâminas afiadas. Ele não precisava levantar a voz; o simples olhar fazia o sangue dela gelar.
— Espero que não esteja me escondendo nada, Helena. Você sabe… odeio segredos.
A frase ficou suspensa no ar. Helena assentiu, controlando o tremor das mãos. Subiu para o quarto em passos contidos, mas por dentro, sentia-se um campo de batalha.
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Na manhã seguinte, a mansão foi sacudida por um evento inesperado: a chegada de Camila, irmã mais nova de Arturo. Ela era conhecida pela beleza exuberante e pelo gênio incontrolável. Sempre vivera fora, viajando pela Europa, mas agora voltava repentinamente, trazendo consigo mistérios que ninguém ousava perguntar.
— Helena! — exclamou, abraçando a cunhada com intensidade forçada. — Quanto tempo! Como está essa vida de rainha?
Helena sorriu com diplomacia. Sabia que Camila não falava por carinho, mas por provocação. A jovem gostava de testar limites, de jogar palavras como se fossem veneno envolto em mel.
— Como sempre, sob a proteção de Arturo — respondeu Helena, mantendo o tom neutro.
Camila riu, os olhos faiscando. — Proteção ou prisão?
A pergunta pairou entre as duas, carregada de ironia. Arturo apareceu logo depois, interrompendo o momento. Abraçou a irmã com alegria genuína, mas Helena percebeu: havia algo estranho na volta repentina dela.
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Nos dias seguintes, a presença de Camila trouxe turbulência à mansão. Ela questionava as ordens do irmão, insinuava segredos familiares, e seu olhar sobre Helena era de quem enxergava além das máscaras.
— Você não parece feliz, cunhada — disse certa tarde, enquanto observavam o jardim. — Seus olhos gritam por socorro.
Helena desviou, nervosa. — Está imaginando coisas.
— Não. — Camila sorriu de canto. — Eu conheço meu irmão. Sei como ele transforma amor em algemas.
As palavras ecoaram na mente de Helena, como se fossem espelhos refletindo sua própria dor. Mas não respondeu. O risco de confiar em Camila era tão grande quanto o de continuar em silêncio.
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Enquanto isso, Arturo se tornava cada vez mais inquieto. Sentia Helena distante, e sua desconfiança crescia como sombra. Mandou investigar discretamente os passos da esposa, contratando homens de confiança.
Numa noite, enquanto analisava relatórios em seu escritório, encontrou algo que o fez cerrar os punhos: uma foto de Helena na praça, sob um guarda-chuva, ao lado de Miguel. Não estavam próximos demais, mas para Arturo bastava.
A taça em sua mão estilhaçou no chão.
— Quem é ele? — murmurou, a voz carregada de ódio. — Quem ousa tocar o que é meu?
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O destino, sempre cruel, armou o próximo encontro entre Helena e Miguel de forma quase inevitável. Ela fora à igreja acender velas por sua mãe, e ele estava lá, atendendo um morador simples que passara mal.
Quando os olhos se cruzaram, Helena sentiu o peito arder. Miguel caminhou até ela, discreto, a voz baixa:
— Não devia estar aqui sozinha.
— Nem devia estar em lugar algum — respondeu, quase em súplica. — Se Arturo descobrir…
— Ele já sabe — Miguel interrompeu, firme. — Não diretamente, mas está desconfiado. Precisa ter cuidado.
Helena sentiu as pernas fraquejarem. Miguel a segurou pelo braço, firme mas delicado. O toque, ainda que breve, era como fogo proibido.
— Então acabou — ela murmurou, lágrimas contidas. — Preciso me afastar.
— E vai viver como antes? — Miguel encarou-a nos olhos. — Morta por dentro, sorrindo apenas para agradar?
Helena desviou, incapaz de responder.
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Na mansão, Camila assistia de longe à deterioração silenciosa da cunhada. Mas havia algo nela além de curiosidade. Guardava rancor do irmão, rancor antigo, ligado a negócios obscuros da família que haviam destruído o destino de muitas pessoas.
Uma noite, ao ver Helena sozinha no quarto, Camila se aproximou.
— Não precisa fingir comigo — disse em voz baixa. — Sei que você tem alguém.
Helena ficou em choque, os olhos arregalados.
— Não diga isso…
— Calma. — Camila sorriu, quase cúmplice. — Não vou contar a Arturo. Mas saiba… se ele descobrir, não vai sobrar nada de você nem desse homem.
Helena sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.
— Por que está me dizendo isso?
— Porque, talvez, eu queira vê-lo sofrer — Camila respondeu, os olhos faiscando de segredos. — Arturo destruiu tudo o que eu amava. Talvez seja a hora de alguém destruí-lo.
As palavras ficaram gravadas em Helena como fogo. Camila era perigosa, mas talvez fosse a única aliada possível.
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Enquanto isso, Arturo tramava. Pediu aos investigadores que seguissem Miguel, descobrissem tudo sobre ele. E logo veio a revelação: o médico não era apenas um desconhecido. Havia trabalhado em uma cidade onde Arturo fizera negócios escusos, onde muitas famílias haviam perdido tudo por causa de suas ambições.
Para Arturo, isso não era coincidência.
— Esse homem não apareceu por acaso — disse a si mesmo. — Ele veio atrás de mim… e usou Helena como isca.
A fúria o consumiu. Decidiu que iria até o fim para proteger seu poder — e sua honra.
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Naquela madrugada, Helena acordou assustada. Ouviu vozes abafadas no escritório de Arturo. Levantou-se devagar, caminhou pelo corredor e espiou pela fresta da porta.
Arturo falava ao telefone, a voz carregada de ameaça:
— Quero esse Miguel fora da minha cidade. Para sempre. Faça o que for preciso.
Helena recuou, o coração em disparada. Sabia que Arturo era capaz de tudo. O perigo, agora, não era apenas a descoberta. Era a vida de Miguel que estava em jogo.
Correu de volta ao quarto, trancou-se e chorou em silêncio. Pela primeira vez, sentiu que estava em uma encruzilhada sem saída: ou protegia o homem que lhe devolvera a vida, ou se mantinha submissa à prisão dourada que Arturo construíra.
Naquele momento, percebeu algo terrível: o amor que nascera em silêncio estava prestes a se transformar em tragédia.
E os olhos de Arturo, frios e atentos, já buscavam o próximo movimento dela.
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Atualizado até capítulo 80
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