o peso dos olhos

A noite no morro tinha um som próprio. Não era o silêncio absoluto, tampouco o barulho incessante da cidade grande. Era um misto de vozes, música vinda de rádios espalhados, passos apressados e o eco distante de conversas em tom baixo. Marina, sentada em um colchão improvisado no pequeno quarto dos fundos da mercearia de Catarina, tentava assimilar o que havia acontecido naquele dia. A sensação era de estar em um lugar onde cada olhar carregava julgamento, curiosidade ou desconfiança.

Catarina apareceu na porta com uma xícara de chá fumegante.

— Toma, filha. Vai te ajudar a descansar. Sei que não deve estar sendo fácil.

Marina agradeceu com um sorriso tímido. Aquela mulher, mesmo cansada pela rotina, tinha uma força silenciosa que transmitia confiança.

— Eu não quero incomodar. Posso ajudar na mercearia, se a senhora deixar.

Catarina riu de leve.

— Aqui ninguém sobrevive sozinho. Se você tiver disposição, sempre vai ter como ajudar.

Enquanto conversavam, passos apressados soaram do lado de fora. RL entrou, ainda com o caderno debaixo do braço.

— Tá tudo bem aqui? — perguntou, o olhar atento para Marina.

— Tá sim, Rafael. — Catarina respondeu, ajeitando o avental. — A menina só precisa de descanso.

RL se aproximou, encostando-se na parede.

— O morro pode assustar no começo. Mas se você aprender a andar, logo vai saber quem confiar e quem evitar.

Marina ergueu os olhos, curiosa.

— E você? Em qual desses eu devo te colocar?

Um leve sorriso surgiu no canto da boca dele.

— Isso você vai ter que descobrir.

O clima leve foi interrompido quando um barulho forte ecoou pela rua. Gritos se espalharam, e a tensão invadiu o ar como um vento frio. Catarina fechou a janela rapidamente.

— Fiquem aqui. — ordenou, com firmeza.

Do lado de fora, passos pesados ecoaram. Dinho apareceu na calçada, acompanhado de outros dois rapazes armados.

— RL! — chamou em voz alta. — Vem cá rapidinho.

RL olhou para Catarina e depois para Marina.

— Fica tranquila, já volto. — disse, saindo pela porta.

Do lado de fora, o clima era outro. Dinho se aproximou com o semblante fechado.

— O Zeca quer saber mais sobre essa garota. Ninguém aparece do nada aqui. Acha mesmo que dá pra confiar?

RL cruzou os braços, firme.

— Ela não parece problema. Só tá perdida.

Dinho bufou, impaciente.

— No morro, até quem parece inocente pode ser perigo. Não esquece isso.

Enquanto isso, dentro da mercearia, Marina tentava disfarçar o medo.

— Eles não confiam em mim, né? — perguntou em voz baixa.

Catarina suspirou, puxando uma cadeira para sentar-se.

— Aqui confiança se conquista. Todo mundo já sofreu demais para acreditar de primeira. Mas não se preocupe, você tem jeito de quem não tá aqui pra fazer mal. Só precisa de tempo.

Do lado de fora, a conversa terminou com RL acenando positivamente para Dinho, mas seu olhar estava carregado de tensão. Ao entrar novamente, tentou disfarçar.

— Tá tudo certo. — disse, embora sua voz revelasse o peso das palavras que ouvira.

Naquela noite, Marina demorou a dormir. O colchão era simples, mas o que realmente tirava seu sono era a sensação de estar sendo testada a cada minuto. Sentia que, de alguma forma, já estava envolvida em algo maior do que apenas buscar abrigo.

RL, do outro lado da rua, também encarava o teto de seu quarto, sem conseguir dormir. Pensava na garota de olhos grandes que apareceu de repente, trazendo mistério e vulnerabilidade. No fundo, sabia que a presença dela podia mudar muita coisa no equilíbrio frágil do morro.

E, enquanto a madrugada avançava, Zeca observava tudo do alto da laje de sua casa, fumando em silêncio. Para ele, cada novo rosto era uma peça em um tabuleiro perigoso. E Marina… bem, Marina ainda era um enigma a ser decifrado.

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Comments

Leitora compulsiva

Leitora compulsiva

é complicado né ela chega assim do nada 🤔

2025-09-11

0

Izabel Cruz

Izabel Cruz

/CoolGuy//CoolGuy//CoolGuy//CoolGuy//CoolGuy//CoolGuy/

2025-09-17

0

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