O sol já estava alto quando saímos da casa em ruínas, os pés ainda sujos de poeira e cinzas da batalha. Ravaryn estava em silêncio agora, mas não havia paz. O cheiro de fumaça e madeira queimada ainda persistia, e os moradores olhavam desconfiados uns para os outros, tentando entender o que havia acontecido.
Arlen me puxou pela mão, desviando de destroços e barracas destruídas.
— Lyra… precisamos verificar se todos estão bem. — Ele falava baixo, mas o tremor na voz denunciava o medo que ainda carregava.
Eu mal conseguia pensar. Cada passo que eu dava me lembrava do que vi na batalha: Kaelron avançando entre as criaturas como se tivesse nascido para lutar, os olhos claros fixos em cada movimento, a confiança e a precisão de um guerreiro experiente. E mesmo sem nos conhecermos, algo nele me fez tremer, como se algo em mim o reconhecesse — embora eu não soubesse o quê.
Nos aproximamos da praça central, onde o príncipe ainda estava. Ele desmontava do cavalo, ajudando os aldeões a se levantar, avaliando os danos. Quando finalmente nossos olhares se cruzaram, meu corpo inteiro gelou.
— Lyra? — Arlen murmurou surpreso, mas eu não ouvi. Eu só conseguia olhar para ele.
Kaelron parou e me fitou com atenção intensa. Não havia hostilidade em seus olhos, mas havia algo estranho, quase como se ele estivesse tentando me ler sem palavras. Por um instante, o mundo desapareceu ao redor.
— Quem é você? — eu finalmente consegui perguntar, a voz quase um sussurro.
— Eu sou Kaelron. — Ele respondeu firme, mas não agressivo. — Príncipe herdeiro de Elíndar. E você é…?
— Lyra. Lyra de Ravaryn. — A palavra “Ravaryn” saiu com um fio de hesitação. — Mas você… por que está aqui?
Ele olhou ao redor, avaliando a vila.
— Recebi notícias do ataque. Vim assim que pude. — Ele se aproximou, mantendo distância respeitosa, mas havia determinação na forma como falava. — Parece que chegamos tarde para alguns, mas conseguimos impedir que fosse pior.
Eu não consegui esconder o espanto.
— Você chegou sozinho com seus cavaleiros e… salvou a vila. — A incredulidade soava na minha voz.
Kaelron desviou o olhar, os lábios se curvando em um sorriso discreto.
— Não sozinho. Mas… talvez tenha sido o suficiente. — Então olhou diretamente para mim novamente, e senti o calor subir às minhas bochechas. — Você está bem?
— Estou… — respondi, hesitando. Havia algo na forma como ele olhava, algo que parecia ver mais do que eu mostrava. — Ainda… não consigo acreditar no que aconteceu.
— É normal. — Ele respondeu com calma. — Aquelas criaturas… não são comuns. E Ravaryn não deveria ter sido o alvo.
Eu engoli em seco. — Então… por que nós?
Ele hesitou. Por um instante, apenas me observou, como se procurasse as palavras certas.
— Eu não sei… ainda. Mas você… estava lá. No meio de tudo. Observando, sem fugir. — Ele me fitou com intensidade, mas sem julgamento. — Há algo em você que não posso explicar.
A confusão tomou conta do meu peito. Sentia uma energia estranha dentro de mim, pulsando e tentando se manifestar, mas eu não conseguia compreender o que era.
— Eu… não sei o que sente — murmurei. — Mas… é como se algo dentro de mim estivesse… reagindo.
Ele franziu a testa, mas não disse nada. Apenas me observava, e algo naquele silêncio dizia que ele também sentia que algo importante estava acontecendo, algo além do ataque.
— Preciso falar com os aldeões — disse por fim, desviando o olhar. — A vila ainda precisa de ajuda.
— Claro. — Kaelron respondeu, recuando um passo, mas ainda mantendo os olhos fixos em mim. — Eu… posso ajudar.
Arlen me olhou, preocupado, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Kaelron se voltou para organizar os cavaleiros que ainda permaneciam nas ruas. A presença dele era imponente, e mesmo sem palavras, transmitia segurança.
Eu sabia que aquela não seria a última vez que o veria. Havia algo inevitável naquele encontro, algo que eu não compreendia, mas que mudaria minha vida para sempre.
Enquanto eu e Arlen ajudávamos os aldeões a reconstruir o que restara, sentia o olhar dele em mim, mesmo de longe. E a sensação dentro do peito crescia, silenciosa, como se estivesse apenas começando a despertar.
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Atualizado até capítulo 36
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