Capítulo 4 — As Fendas da Resistência

Os dias que se seguiram foram um borrão de dor e silêncio. Meu corpo estava coberto de hematomas, a pele marcada como se cada golpe tivesse deixado uma lembrança gravada para sempre. Eu não conseguia me olhar no espelho sem sentir um nó na garganta. Cada respiração lembrava a costela dolorida, cada passo vacilante me lembrava de que estive à beira da morte.

Mas, ao mesmo tempo, havia sempre alguém ali. Ele.

Não importava a hora do dia ou da noite, quando eu abria os olhos, encontrava sua presença próxima. Às vezes sentado numa poltrona, observando-me em silêncio; outras, apenas entrando no quarto para se certificar de que eu estava bem. Nunca sorria, nunca se mostrava vulnerável, mas também nunca me deixou sozinha.

Eu tentava odiá-lo. Tentava me lembrar do motivo da minha fuga, da vida que eu havia escolhido ao lado de Samuel, da liberdade que pensei ter conquistado. Mas cada vez que a lembrança da ligação vinha à tona — a voz de Samuel rindo, duvidando, desligando — uma parte de mim se despedaçava. E, nos pedaços restantes, era ele quem estava lá, juntando-os sem dizer palavra.

Numa manhã chuvosa, consegui levantar da cama com esforço. Minhas pernas tremiam, mas eu queria provar a mim mesma que ainda tinha força. Apoiei-me na parede, caminhando devagar pelo quarto até alcançar a janela. A cidade se estendia adiante, suas luzes distantes parecendo um mundo ao qual eu não pertencia mais.

— Você não deveria estar de pé ainda. — a voz dele soou atrás de mim.

Virei lentamente, encontrando-o encostado no batente da porta, braços cruzados. A presença dele era tão marcante que o quarto parecia encolher.

— Não vou passar o resto da vida nessa cama. — murmurei, tentando soar firme, mesmo que meu corpo tremesse.

Ele se aproximou, passo após passo, até estar perto o bastante para que eu sentisse o calor que emanava dele. Segurou meu braço com firmeza, mas sem brutalidade, sustentando meu peso quando minhas pernas quase cederam.

— Você precisa de tempo para se recuperar. — disse, olhando-me nos olhos. — Não tente provar nada para ninguém.

Meu coração acelerou. Havia uma estranha ternura escondida em sua voz, algo que eu não esperava. Engoli em seco, afastando o olhar.

— Não sou fraca.

— Eu sei que não é. — respondeu, quase num sussurro.

Ele me ajudou a voltar para a cama, ajeitando os travesseiros atrás de mim. Eu o observei em silêncio, notando detalhes que antes me recusava a ver: a precisão de seus gestos, a paciência inesperada, a forma como parecia carregar uma fúria contida no olhar, mas jamais a deixava cair sobre mim. Era como se fosse feito de aço por fora, mas carregasse algo mais profundo que não ousava mostrar.

Nos dias seguintes, pequenas coisas começaram a acontecer. Uma xícara de chá deixada ao lado da cama. Um cobertor ajustado em meu corpo quando eu adormecia sem perceber. Livros escolhidos e empilhados na mesa, como se soubesse que eu precisava distrair a mente. Ele nunca admitia ter feito nada disso, apenas surgia quando eu notava.

E, contra a minha vontade, aquilo começou a me tocar.

Uma noite, acordei assustada após um pesadelo. Samuel estava no sonho, rindo de mim enquanto eu sangrava, e acordei com o coração disparado, a respiração presa na garganta. Antes que pudesse me recompor, a porta se abriu e ele entrou.

— O que foi? — perguntou, sério, aproximando-se.

Sacudi a cabeça, mas as lágrimas já escorriam.

— Nada… foi só um sonho.

Ele não insistiu. Apenas sentou-se na beira da cama e, com um gesto inesperado, segurou minha mão. Sua pele era quente, firme, e por um momento me senti ancorada. Fechei os olhos, permitindo que aquele contato me acalmasse, mesmo sabendo que não deveria.

— Você não precisa ter medo. — disse ele, baixo, quase como se fosse um segredo. — Enquanto eu estiver aqui, ninguém vai encostar em você de novo.

Minha garganta se apertou. Quis responder que não acreditava, que não precisava dele, mas a verdade era cruel demais: eu acreditava. Pela primeira vez em semanas, senti que talvez pudesse realmente dormir em paz.

E foi o que fiz. Adormeci ainda com sua mão segurando a minha, e pela manhã, quando acordei, ele não estava mais lá — mas o cobertor sobre meu corpo denunciava que havia permanecido a noite inteira, velando meu sono.

Aos poucos, minhas defesas começaram a ruir. Eu ainda dizia a mim mesma que era orgulho, que não cederia, que jamais aceitaria ser a noiva de alguém escolhido pelo meu pai. Mas a cada gesto, a cada olhar silencioso, a cada vez que ele estava ali quando o mundo parecia desmoronar, eu sentia algo dentro de mim ceder.

Não era amor. Ainda não.

Era sobrevivência.

Era gratidão.

Era o começo de algo que eu não tinha coragem de nomear.

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Comments

Glaucia Marques Gomes

Glaucia Marques Gomes

o orgulho é um péssimo conselheiro,ela tem que perceber que foi enganada por Samuel.... se brincar foi ele que armou o sequestro dela.... ansiosa por mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais

2025-09-11

2

Maria Luísa de Almeida franca Almeida franca

Maria Luísa de Almeida franca Almeida franca

adorando cada capítulo da história vc está de parabéns autora mais atualização por favor

2025-09-11

0

Dulce Gama

Dulce Gama

É minha linda orgulho ferido de uma péssima escolha pensou que estaria feliz com sua escolha coitada dançou feio 🌟🌟🌟🌟🌟🌹🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁❤️❤️❤️❤️❤️👍👍👍👍👍

2025-09-11

0

Ver todos
Capítulos
1 Prólogo — O Retorno da Noiva do Chefão
2 Capítulo 1 — A Liberdade que Eu Escolhi
3 Capítulo 2 — O Preço da Escolha
4 Capítulo 3 — Nos Braços do Inimigo
5 Capítulo 4 — As Fendas da Resistência
6 Capítulo 5 — Entre Dois Mundos
7 Capítulo 6 — Frestas no Concreto
8 Capítulo 7 — Entre a Resistência e o Desejo
9 Capítulo 8 — O Peso da Noite
10 Capítulo 9 — A Fenda na Fortaleza
11 Capítulo 10 — Entre Chamas e Silêncios
12 Capítulo 11 — A Corrente Invisível
13 Capítulo 12 — Entre Correntes e Chamas
14 Capítulo 13 — O Jogo das Sombras
15 Capítulo 14 — Vozes no Salão
16 Capítulo 15 — O Inimigo de Dentro
17 Capítulo 16 — Nas Sombras da Desconfiança
18 Capítulo 17 — O Veneno no Silêncio
19 Capítulo 18 — O Peso das Provas
20 Capítulo 19 — À Beira do Abismo
21 Capítulo 20 — O Jogo das Sombras
22 Capítulo 21 — O Peso da Armadilha
23 Capítulo 22 — O Contra-ataque
24 Capítulo 23 — Entre a Verdade e a Sombra
25 Capítulo 24 — Entre Verdades e Corações
26 Capítulo 25 — Entre o Veneno e o Desejo
27 Capítulo 26 — Segredos Entre Sombras
28 Capítulo 27 — O Preço dos Segredos
29 Capítulo 28 — O Veneno das Insinuações
30 Capítulo 29 — A Armadilha do Silêncio
31 Capítulo 30 — O Jogo da Verdade
32 Capítulo 31 — O Fio da Lâmina
33 Capítulo 32 — Entre Armadilhas e Promessas
34 Capítulo 33 — Entre Estratégias e Promessas
35 Capítulo 34 — A Isca
36 Capítulo 35 — O Veneno Revelado
37 Capítulo 36 — Antes da Tempestade
38 Capítulo 37 — Emboscada
39 Capítulo 38 — As Fissuras da Verdade
40 Capítulo 39 — O Último Veneno
41 Capítulo 40 — Entre Mentiras e Verdades
42 Capítulo 41 — A Última Lâmina do Conselho
43 Capítulo 42 — Entre Paz e Sombras
44 Capítulo 43 — A Tempestade que se Anuncia
45 Capítulo 44 — O Último Cerco
46 Capítulo 45 — O Confronto
47 Capítulo 46 — Depois do Trovão
48 Capítulo 47 — A Mesa Prometida
49 Capítulo 48 — O Peso e a Promessa
50 Epílogo — A Vida Depois da Tempestade
51 Nota da Autora
Capítulos

Atualizado até capítulo 51

1
Prólogo — O Retorno da Noiva do Chefão
2
Capítulo 1 — A Liberdade que Eu Escolhi
3
Capítulo 2 — O Preço da Escolha
4
Capítulo 3 — Nos Braços do Inimigo
5
Capítulo 4 — As Fendas da Resistência
6
Capítulo 5 — Entre Dois Mundos
7
Capítulo 6 — Frestas no Concreto
8
Capítulo 7 — Entre a Resistência e o Desejo
9
Capítulo 8 — O Peso da Noite
10
Capítulo 9 — A Fenda na Fortaleza
11
Capítulo 10 — Entre Chamas e Silêncios
12
Capítulo 11 — A Corrente Invisível
13
Capítulo 12 — Entre Correntes e Chamas
14
Capítulo 13 — O Jogo das Sombras
15
Capítulo 14 — Vozes no Salão
16
Capítulo 15 — O Inimigo de Dentro
17
Capítulo 16 — Nas Sombras da Desconfiança
18
Capítulo 17 — O Veneno no Silêncio
19
Capítulo 18 — O Peso das Provas
20
Capítulo 19 — À Beira do Abismo
21
Capítulo 20 — O Jogo das Sombras
22
Capítulo 21 — O Peso da Armadilha
23
Capítulo 22 — O Contra-ataque
24
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25
Capítulo 24 — Entre Verdades e Corações
26
Capítulo 25 — Entre o Veneno e o Desejo
27
Capítulo 26 — Segredos Entre Sombras
28
Capítulo 27 — O Preço dos Segredos
29
Capítulo 28 — O Veneno das Insinuações
30
Capítulo 29 — A Armadilha do Silêncio
31
Capítulo 30 — O Jogo da Verdade
32
Capítulo 31 — O Fio da Lâmina
33
Capítulo 32 — Entre Armadilhas e Promessas
34
Capítulo 33 — Entre Estratégias e Promessas
35
Capítulo 34 — A Isca
36
Capítulo 35 — O Veneno Revelado
37
Capítulo 36 — Antes da Tempestade
38
Capítulo 37 — Emboscada
39
Capítulo 38 — As Fissuras da Verdade
40
Capítulo 39 — O Último Veneno
41
Capítulo 40 — Entre Mentiras e Verdades
42
Capítulo 41 — A Última Lâmina do Conselho
43
Capítulo 42 — Entre Paz e Sombras
44
Capítulo 43 — A Tempestade que se Anuncia
45
Capítulo 44 — O Último Cerco
46
Capítulo 45 — O Confronto
47
Capítulo 46 — Depois do Trovão
48
Capítulo 47 — A Mesa Prometida
49
Capítulo 48 — O Peso e a Promessa
50
Epílogo — A Vida Depois da Tempestade
51
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