A chuva caía fina naquela noite, molhando as ruas estreitas do bairro em que vivíamos. Samuel tinha saído mais cedo do trabalho e prometera trazer vinho e pizza para celebrarmos nosso “mês de liberdade”, como ele chamava o tempo que estávamos longe da influência do meu pai. Eu me sentia inquieta desde cedo, como se algo pesado estivesse prestes a acontecer, mas ignorei. Coloquei um vestido simples, deixei o cabelo solto e tentei me convencer de que tudo ficaria bem.
O relógio marcou nove horas, depois dez, e Samuel não voltou. Mandei mensagens, liguei duas vezes, sem resposta. A cada minuto que passava, a sensação em meu peito se tornava mais sufocante. Resolvi descer até a pequena mercearia da esquina para comprar algo, distraindo minha mente. Mal fechei a porta do apartamento e comecei a andar pela calçada molhada, quando um carro preto encostou bruscamente ao meu lado.
Antes que pudesse reagir, uma porta se abriu e mãos ásperas me agarraram pelos braços. Gritei, mas a rua estava deserta, a chuva abafava meu pedido de socorro. Tentei lutar, mas o golpe seco contra minha cabeça me fez perder o fôlego. Fui arrastada para dentro do carro, o cheiro de couro e gasolina me sufocando, e um capuz escuro foi enfiado sobre meu rosto.
— Cala a boca, princesa. — A voz grave e debochada de um dos homens me fez gelar. Eles sabiam quem eu era.
Meu corpo inteiro tremia enquanto o carro arrancava em alta velocidade. Cada curva parecia me arremessar contra os bancos, e as risadas abafadas dos sequestradores faziam meu estômago revirar. Eu tentava controlar o pânico, lembrar de qualquer ensinamento de sobrevivência que ouvira em conversas pela metade na mansão do meu pai, mas o medo me paralisava.
Quando finalmente me arrastaram para fora, meus joelhos bateram contra o chão áspero. O capuz foi arrancado e a luz crua de uma lâmpada pendurada iluminou o espaço. Era um galpão abandonado, cheirando a ferrugem e óleo queimado. Havia quatro homens, todos armados, com olhos que brilhavam de crueldade.
— Olhem só para ela. — Um deles riu, puxando meu cabelo para trás com violência. — A filhinha do chefão, tentando brincar de vida normal.
Mordi os lábios, tentando não chorar. Sabia que mostrar fraqueza só os divertiria mais. Mas quando o primeiro soco veio, atravessando meu rosto com a força de um martelo, não consegui segurar o grito. O gosto metálico de sangue escorreu por minha boca.
Eles não pararam. Chutes, tapas, puxões de cabelo. Cada golpe parecia um recado enviado diretamente ao meu pai: “Podemos tocar no que você mais ama. Podemos quebrar seu bem mais precioso.”
— Vamos ligar para o namorado dela. — Um deles disse, rindo, enquanto mexia no celular. — Quero ver quanto vale essa bonequinha para ele.
Meu coração bateu acelerado. Samuel. Ele viria. Ele tinha que vir.
Colocaram o celular no viva-voz, e eu ouvi o tom de chamada até a voz dele soar.
— Alô?
— Temos sua namoradinha. — A voz do sequestrador era carregada de sarcasmo. — Se quiser vê-la viva, prepare dinheiro.
Houve um silêncio breve do outro lado, antes de Samuel rir. Rir.
— Isso é algum tipo de piada?
Meu peito se apertou.
— Samuel, é verdade! Eles me pegaram! Por favor, me ajuda! — gritei, a voz embargada pelo desespero.
Mas a resposta dele foi um suspiro entediado.
— Vocês acham mesmo que vou cair nesse joguinho? Ela está aí do lado de vocês rindo agora, não é?
— Não estamos brincando. — O homem insistiu, segurando meus cabelos para trás e me mostrando para a câmera ligada. — Olha bem, idiota.
Ouvi Samuel resmungar, impaciente.
— Não vou cair nessa. Ela sabe muito bem como me manipular. Adeus.
A ligação foi encerrada, e o som seco da chamada terminada foi como uma lâmina atravessando meu coração. Eu fiquei imóvel, paralisada, sem acreditar no que acabara de ouvir. Samuel… não acreditou em mim. Samuel me deixou para morrer.
As lágrimas finalmente transbordaram, quentes, misturando-se ao sangue em meu rosto. Os sequestradores gargalharam, divertidos com meu desespero.
— Parece que você não vale nada nem para o amante. — Um deles disse, antes de me dar mais um chute no estômago.
A dor me fez dobrar, arquejando no chão frio. Tentei me proteger com os braços, mas eles me arrastaram como um saco de lixo, amarrando meus pulsos atrás das costas.
As horas seguintes foram um borrão de dor e humilhação. Eles me deixavam ali, sem água, sem comida, entre golpes e insultos. A cada instante, eu me perguntava se meu pai já sabia, se estava vindo, se alguém se importava. Mas a lembrança mais dolorosa, que insistia em se repetir dentro da minha mente, era a voz de Samuel rindo, duvidando, desligando.
O tempo perdeu sentido. Minha boca estava seca, meu corpo latejava em feridas, e cada respiração parecia ser o último fio de vida que eu conseguia segurar. Em algum momento, a escuridão ameaçou me engolir, e eu desejei que fosse rápido, que acabasse logo.
Mas foi nesse instante que o som seco de tiros ecoou no galpão. Um, dois, três. O estilhaço de vidros quebrados, gritos abafados e passos firmes cortando o silêncio. Eu mal consegui erguer a cabeça, mas vi quando a porta foi arrombada e uma sombra alta, vestida de preto, surgiu.
Não era Samuel.
Os olhos frios e implacáveis daquele homem encontraram os meus, e mesmo à beira da morte, reconheci quem era. O noivo que meu pai havia escolhido. O homem que rejeitei.
Ele caminhou até mim com passos calculados, o cheiro de pólvora impregnando o ar. Atirou em mais um dos sequestradores sem hesitar, e quando o último caiu, o silêncio se fez.
Ajoelhou-se diante de mim, cortando as cordas que prendiam meus pulsos. Eu tremia, incapaz de entender se era salvação ou condenação.
— Eu disse que você não poderia fugir de mim. — Sua voz era grave, fria, mas havia algo mais. Um traço de fúria. De posse.
Me ergueu nos braços como se meu corpo ferido não pesasse nada. Apoiei a cabeça em seu peito, as lágrimas silenciosas molhando sua camisa.
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Atualizado até capítulo 51
Comments
Sandra Camilo
ainda bem que salvou ela, espero que ela se apaixone por ele
2025-09-11
1
bete 💗
que ela reaja e se torne firme
❤️❤️❤️❤️❤️
2025-09-11
0
Dulce Gama
será que ele gosta dela desde de sempre 🌟🌟🌟🌟🌟🌹🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁❤️❤️❤️❤️❤️👍👍👍👍👍
2025-09-11
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