Rafael passou o sábado inteiro sem conseguir tirar a cena da igreja da cabeça.
O toque de Gabriel ainda queimava em sua pele, como se tivesse deixado uma cicatriz invisível. Era mais do que fascínio, mais do que desejo — era um vínculo, uma prisão, e ele sentia que quanto mais lutasse contra, mais se enrolaria nas correntes.
No fim da tarde, decidiu sair. Precisava de ar.
A cidade estava viva, cheia de gente apressada, risos em bares lotados, música escapando de janelas abertas. Era quase reconfortante se perder no meio da multidão, fingir que era só mais um.
Mas então notou.
Do outro lado da rua, parado sob um toldo, um homem o observava.
Não era Gabriel. O olhar não tinha nada de prateado, mas era tão penetrante que gelou Rafael por dentro.
O estranho vestia um sobretudo escuro, o rosto parcialmente escondido pela sombra. Quando percebeu que Rafael o encarava, sorriu — um sorriso lento, que não tinha nada de humano.
Rafael apressou o passo.
Foi na livraria, minutos depois, que tudo piorou.
Ele entrou para se esconder, fingindo olhar títulos nas prateleiras. Mas, quando se virou, lá estava o homem do sobretudo, parado no corredor, como se já o esperasse.
— Você tem cheiro dele. — A voz saiu rouca, arrastada, com um sotaque que Rafael não conseguiu identificar.
O coração disparou.
— Quem é você? — perguntou, tentando soar firme.
O homem riu, baixo, sacudindo a cabeça.
— Eu? Eu sou só alguém que reconhece quando um anjo decide brincar com fogo.
Rafael sentiu o estômago afundar. O homem deu um passo à frente, e o ar ao redor pareceu pesar, como se o espaço se encolhesse.
— Ele marcou você, não marcou? — perguntou, os olhos fixos no braço de Rafael. — Pobrezinho… Não faz ideia do que isso significa.
Rafael recuou até bater contra a estante. A respiração ficou curta, e pela primeira vez, o medo superou a atração que sentia desde o início.
— Se afasta de mim.
O homem inclinou a cabeça, curioso. O sorriso desapareceu, e algo cruel brilhou em seus olhos.
— Não vai ter como se afastar do que está vindo. — disse, quase num sussurro. — Os caídos não são os únicos a vagar por aqui.
Antes que pudesse reagir, um vento forte atravessou a livraria, derrubando livros pelo chão. As luzes piscaram. Rafael protegeu o rosto com os braços, e quando olhou de novo… o homem havia sumido.
No lugar dele, entre as páginas espalhadas, uma pena negra repousava no chão. Diferente da que Gabriel havia deixado — não queimava em luz, mas parecia absorver toda a claridade ao redor, como se fosse feita de sombra.
Rafael se ajoelhou, sem coragem de tocar nela.
E foi nesse instante que sentiu.
Uma presença atrás dele.
— Não devia estar sozinho. — A voz de Gabriel soou grave, firme, carregada de algo que beirava a fúria.
Rafael se virou. Gabriel estava ali, os olhos prateados faiscando, o peito arfando como se tivesse chegado correndo de um lugar distante.
Rafael apontou para a pena no chão, a voz trêmula:
— Quem era ele?
Gabriel se aproximou, olhando para a pena com nojo, quase com ódio.
— Sombra. — disse, baixo. — Um dos que se alimentam do vazio deixado pelos anjos que caíram. Eles não deviam estar aqui.
— Mas estavam — rebateu Rafael, a raiva e o medo se misturando. — Eles me viram. Me tocaram com os olhos como se eu fosse deles também!
Gabriel ergueu o olhar, e por um instante, toda a sua máscara de frieza caiu.
Havia desespero em seus olhos.
— Porque agora você é. —
Rafael sentiu o chão sumir sob seus pés.
Gabriel fechou os punhos, como se lutasse contra si mesmo, e completou, em voz baixa:
— Você está no meio da guerra.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 40
Comments