Rafael acordou suando frio. O quarto estava mergulhado na penumbra, mas o corpo ainda latejava com o eco do sonho — ou do que quer que tivesse sido. As asas, os olhos prateados, a frase que não saía da cabeça: “Eu escolhi você.”
Era madrugada. O silêncio era quebrado apenas pelo tique-taque irritante do relógio. Ele se sentou na cama, respirando fundo, tentando convencer a si mesmo de que podia voltar à normalidade. Mas não podia.
Desde que o homem — se é que ainda podia chamá-lo assim — aparecera, nada em sua vida fazia sentido. O trabalho parecia distante, os amigos, irreais, as conversas do dia a dia soavam banais. A única coisa que pulsava em sua mente era ele.
Gabriel.
Não sabia o nome, mas no íntimo já o chamava assim. Era como se a palavra tivesse sido gravada dentro dele junto com a marca.
Durante o dia, Rafael tentava ignorar a obsessão. Mas cada reflexo no vidro, cada sombra no canto da sala, cada clarão de luz lhe dava a sensação de que Gabriel estava perto, observando.
À noite, a marca queimava mais. E era sempre quando a solidão batia que a dúvida surgia: aquilo era escolha sua ou uma imposição?
Será que queria vê-lo porque algo nele, em sua alma, desejava?
Ou porque Gabriel o havia marcado como um caçador marca a presa?
O medo e o desejo se confundiam em uma mistura insuportável.
Na quinta noite, Rafael não aguentou mais.
Saiu andando pela cidade sem rumo, como se os pés fossem guiados por uma força maior. A chuva fina escorria pelo rosto, o frio da madrugada cortava, mas ele não parava.
E, sem perceber, chegou à mesma praça em que vira Gabriel pela segunda vez.
O espaço estava vazio, exceto por uma figura parada sob o mesmo poste apagado.
Rafael parou, o coração disparando.
Gabriel estava lá.
Dessa vez não tentou fugir. Não se escondeu. Apenas ergueu os olhos prateados e o fitou, como se esperasse aquele encontro.
Rafael respirou fundo, caminhou até ele, e cada passo parecia arrastar o peso do mundo. Quando ficou a poucos metros, parou.
— Eu não sei mais o que é real — confessou, a voz embargada. — Só sei que penso em você o tempo todo. Que sinto isso queimando em mim… — ergueu a manga, revelando a marca em brasa. — E não sei se é desejo ou se é maldição.
Gabriel deu um passo à frente. A distância entre eles agora era mínima, e Rafael podia sentir o calor que emanava dele, como uma chama viva.
— É os dois — respondeu, em voz baixa, quase íntima.
O coração de Rafael falhou uma batida. O medo se misturava ao fascínio, e antes que pudesse reagir, Gabriel ergueu a mão. Não o tocou — apenas deixou os dedos pairarem a centímetros de seu rosto.
Rafael fechou os olhos, e nesse instante, sentiu o sopro quente de asas invisíveis envolver-lhe o corpo, como um abraço feito de vento e eletricidade. O desejo explodiu nele, tão forte quanto o pavor.
Quando abriu os olhos de novo, Gabriel já havia recuado.
— Ainda não está pronto — disse, a voz carregada de algo que parecia pesar séculos. — Mas vai estar.
E desapareceu, deixando o ar vibrando e Rafael em pedaços, dividido entre querer correr e querer segui-lo até o fim.
Sozinho na praça, Rafael percebeu: estava perdido.
Não importava se era amor, desejo ou condenação. Ele já não podia escapar.
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Atualizado até capítulo 40
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