A porta do apartamento se fechou com um clique suave, isolando Cipora do barulho da cidade e, ao mesmo tempo, aprisionando-a com sua própria mente. O dia em seu atual emprego havia sido uma cópia exata do anterior: oito horas sob a luz fluorescente, a mente focada em números que não contavam história alguma. Era um trabalho que exigia sua presença, mas não sua alma, e ela se perguntava, não pela primeira vez, se ainda possuía uma.
Ela se despiu da persona que usava para o mundo. O blazer cinza foi pendurado, os sapatos de salto baixo alinhados ao lado da porta. O ato final de libertação, no entanto, era sempre o mais significativo. Em frente ao espelho do banheiro, seus dedos ágeis desfizeram o coque. A cascata de cabelo negro e liso que caiu sobre seus ombros foi como uma expiração longa e contida. Por um momento, o reflexo pareceu menos severo, mais jovem.
Mas então, seu olhar se fixou em seus próprios olhos. Eram a sua traição. Em um rosto pálido e controlado, aqueles olhos de um verde profundo eram duas piscinas de emoção pura e não filtrada. Eram os olhos de sua mãe, uma mulher que sentia tudo com a força de um furacão e que a ensinou, sem palavras, que emoções intensas eram perigosas. "Contenha-se, menina", era o que o olhar reprovador de seu pai costumava dizer. E ela aprendeu a lição bem demais.
O espelho não mentia. Ele mostrava a fratura em sua existência. De um lado, a mulher que ela se esforçava para ser: lógica, eficiente, serena. A mulher que analisava riscos e escolhia sempre o caminho mais seguro. Do outro, a criatura que vivia em seus olhos, uma mulher instintiva, faminta por paixão, por cor, por vida. Uma mulher que ela temia mais do que qualquer outra coisa no mundo.
Uma lembrança incômoda borbulhou na superfície. Anos atrás, na faculdade, durante a festa de formatura de uma amiga. Por um breve momento, contagiada pela música e pela alegria genuína ao redor, ela se permitiu rir. Uma risada alta, livre, que brotou do fundo de sua alma. A reação foi imediata: os olhares surpresos, o silêncio momentâneo de seus colegas. A vergonha a queimou por dentro. Ela se recolheu no mesmo instante, o sorriso morrendo, a máscara de indiferença voltando ao lugar. Era cada perrengue que ela passava para se manter na linha, para não parecer "intensa demais".
Desde então, ela policiara cada sorriso, cada lágrima, cada impulso. A razão se tornara sua carcereira, e a sentença era uma vida em tons de cinza.
Seu olhar desviou do espelho para a porta entreaberta de seu guarda-roupa. Pendurado no meio de uma fileira de roupas brancas, pretas e cinzas, havia um único ponto de cor: um lenço de seda, de um roxo profundo e vibrante. Foi uma compra por impulso, um ato de insanidade de cinco minutos em um dia particularmente cinzento. Ela nunca o usara. O roxo era audacioso demais, vivo demais. Era a cor da mulher que morava em seus olhos, não daquela que assinava as planilhas.
Pensar nisso a trouxe de volta à decisão que tomara naquela manhã. D'Ávila Corp. O nome soava como um trovão distante. Candidatar-se à vaga havia sido um ato da mulher do lenço roxo, não da funcionária do coque apertado. Um puro instinto. E agora, a razão a bombardeava com dúvidas. Eles jamais a chamariam. E se chamassem? Aquele era um mundo de tubarões, um lugar de poder e ambição onde ela seria devorada.
Ela se inclinou sobre a pia, a água fria em seu rosto tentando apagar o conflito. Ao erguer a cabeça, os olhos verdes a encararam de volta. Eles não pareciam assustados. Pareciam expectantes. E pela primeira vez em muito tempo, Cipora não desviou o olhar. Ela sustentou o reflexo da mulher que ela poderia ser, uma estranha cheia de um pavor e uma promessa terrível. O vazio interior ainda estava lá, mas agora, em sua borda, uma pequena faísca de curiosidade tremeluzia.
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Atualizado até capítulo 43
Comments
Salete Michels de Gracia
Uma estória muito confusa,roupas sem cor e sem sorriso,no Brasil?????
muito sem incoerência 🙄🙄
2025-09-16
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