Diego atrasado. Melhor notícia da noite.
Faço cara de tédio, mas por dentro já estou rindo. Enquanto espero, deixo Letícia falar sobre o que domina: trabalho. Ela brilha quando fala disso — crachás, viagens, cargos, tudo com muita segurança.
— Você parece gostar do que faz — comento, só para ver o sorriso dela se alongar.
— Gosto. Muito. É desgastante, mas recompensador. — Ela toma um gole do café.
Ah, adoro quando ela me dá esses presentes. Só sorrio, balançando a cabeça, como se concordasse.
O celular vibra na mesa. Diego.
“Desculpem, surgiu algo urgente. Não vou conseguir ir hoje.”
Engulo a vontade de comemorar em voz alta. Perfeito.
— Era o Diego? — ela pergunta.
— É, ele não vai poder vir. — Dou de ombros. — Uma pena.
Uma pena nada. É o que eu queria desde o início.
Continuamos a conversa. Ela solta algumas histórias de viagem, um congresso em Lisboa, uma palestra em São Paulo. Aos poucos, os ombros relaxam. Então vem a pergunta que eu sabia que chegaria:
— E você? O que faz da vida, Henrique?
Sorrio por dentro.
— Ah, nada muito emocionante. Trabalho com consultoria. Coisas mais técnicas, chatas de explicar.
— Consultoria? — ela ergue as sobrancelhas. — Interessante.
Convincente o suficiente. Não preciso mais do que isso.
As horas passam. Vejo a brecha perfeita e lanço a proposta:
— O que acha de irmos a outro lugar? Tem um bar aqui perto, música ao vivo e drinks bons.
Ela hesita. Morde o lábio inferior, olha para o relógio.
— Não sei se devo…
— Só uma saída rápida — insisto, tranquilo. — Prometo que não vou sequestrar você.
Ela ri, finalmente. E aceita.
O bar é como eu descrevi: luz baixa, violão tocando clássicos, ambiente propício. Dois drinks depois e a Letícia rígida da cafeteria já não existe. A nova versão ri, gesticula, esquece o tom profissional.
Até que ela esbarra no copo e derruba a bebida.
— Droga! — diz, rindo de si mesma.
— Calma, eu pego.
Aproveito a deixa. Me abaixo junto, recolho o que caiu, mas quando volto, não retorno ao meu lugar. Sento ao lado dela. Ombro a ombro.
Ela percebe. Não se afasta. Só solta uma risada curta.
— Você é rápido, hein.
— Tenho meus talentos. — sorrio.
O barulho da música nos obriga a falar mais perto. O rosto dela está a poucos centímetros do meu. O perfume invade. Eu poderia avançar. Mas não. Não agora.
Conversamos sobre coisas mais leves. Música, viagens, filmes. De repente, ela me pergunta:
— E você, Henrique? Nunca fala de você mesmo. O que gosta de fazer?
— Gosto de aproveitar a vida. — respondo. — Às vezes com gente interessante.
Ela ri de novo, já solta, como se tivesse esquecido a formalidade.
Mais tarde, quando decidimos ir embora, ela está claramente alterada. Me ofereço para levá-la.
— Não precisa — recusa. — Vou chamar um carro.
— Letícia… — faço um tom sério. — Você passou alguns anos fora, não sabe como as coisas pioraram aqui. Mulher embriagada em carro de aplicativo? Arriscado demais.
Ela me encara, olhos semicerrados. E assente.
No carro, sigo as indicações dela até parar de repente. Desço sem dizer nada. Sei que ela fica desconfiada. Volto com uma garrafa de água.
— Bebe. Vai te ajudar.
Ela aceita, quase grata.
Chegamos ao condomínio. Luxo, segurança pesada, jardim de revista. Claro que Letícia mora num lugar desses.
Ela agradece pela noite e vai sair, mas seguro o braço dela.
— Estou preocupado que você se machuque. Posso te acompanhar até o apartamento.
Ela se vira, sorri pequeno.
— Não estou tão mal assim. Não precisa.
E desce. Caminha até a portaria. Eu fico no carro, observando. Já vou girar a chave quando acontece: ela se vira… e acena.
Eu rio sozinho.
— Não é possível. Não bebi tanto assim.
Mas sim. Foi real. Ela acenou.
Dirijo de volta com o gosto da vitória na boca. Não é o fim do jogo, mas é o primeiro xeque. A prova de que estou no caminho certo. Amanhã começo a pensar no próximo movimento — mais ousado, mais direto. Porque agora sei: ela está abrindo espaço.
No entanto, em meio ao bar lotado, uma presença discreta havia passado despercebida.
Uma conhecida de Letícia. Não trocou palavras, não se aproximou. Apenas observou de longe, surpresa com a cena que presenciava.
“A Letícia… com ele? Isso não faz sentido.”
Saiu antes que pudesse ser notada, mas a dúvida a acompanhou até em casa. E decidiu: precisava procurá-la. O quanto antes.
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Atualizado até capítulo 129
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