O vento daquela manhã parecia carregar mais peso do que de costume. As folhas dançavam nas calçadas úmidas de Paris, e eu, Diane, caminhava por entre elas com a mente tão confusa quanto o céu nublado.
Cada passo que dava era um lembrete silencioso do abismo em que estava me jogando
— voluntariamente.
Desde a conversa com Lupita no café, tudo dentro de mim havia mudado.
Não éramos mais apenas madrasta e enteada tentando esconder sentimentos impronunciáveis. Agora, éramos duas mulheres presas em um fio tênue entre o desejo e a ruína.
Passei a manhã inteira no ateliê da galeria tentando pintar algo, qualquer coisa, para distrair meus pensamentos.
Mas cada traço parecia ganhar a forma dela. Cada cor se transformava no reflexo de seu olhar.
Estava perdendo o controle de mim mesma — e isso me aterrorizava.
“Você está traindo Hamilton”, repetia a voz da minha consciência.
“Mas está sendo verdadeira consigo mesma”, sussurrava meu coração.
À noite, a culpa me pesou tanto que decidi preparar um jantar especial para Hamilton.
Cozinhei seu prato favorito, escolhi o vinho que ele mais gostava e vesti um vestido vermelho que há tempos não usava. Queria me convencer de que ainda podia ser a esposa que ele merecia.
— Que surpresa boa — disse ele ao chegar, com um sorriso genuíno. — O que estamos comemorando?
— A vida — respondi, forçando um sorriso. — Só isso.
Durante o jantar, falamos sobre banalidades: viagens futuras, a reforma do apartamento, o novo cliente do escritório. Hamilton parecia feliz, tranquilo…
e cada sorriso dele era como uma faca atravessando meu peito.
— Você anda diferente — disse de repente, me observando atentamente. — Mais distante… está tudo bem?
— Claro que está — menti.
— Só tenho pensado muito na exposição da próxima temporada.
— Você sabe que pode falar comigo, não sabe?
— ele insistiu. — Sobre qualquer coisa.
Tentei sustentar o olhar dele, mas era impossível. Meu corpo estava sentado àquela mesa, mas minha alma estava presa ao toque de uma mão que não era a dele.
No dia seguinte, Lupita passou na galeria sem avisar. Trazia um livro de arte debaixo do braço e um sorriso que misturava nervosismo e desejo contido.
— Não consegui parar de pensar em você — disse assim que ficamos a sós.
— Lupita… — suspirei. — Isso está nos consumindo.
Ela deu um passo à frente, diminuindo a distância entre nós. O perfume dela era como uma lembrança proibida que eu não conseguia afastar.
— Então o que você quer que eu faça?
— perguntou, a voz trêmula.
— Que vá embora? Que finja que nada disso existe? Porque eu não consigo mais.
Houve um silêncio pesado. A verdade é que eu também não conseguia.
— Eu também não — confessei.
Ficamos ali, tão perto e tão longe ao mesmo tempo, como duas estrelas condenadas a orbitar uma à outra sem jamais colidir.
E então ela fez algo inesperado: pegou minhas mãos.
— Você sente culpa? — perguntou, olhando-me nos olhos.
— Todos os dias.
— E mesmo assim… sente algo por mim?
O mundo pareceu parar por um segundo. Não havia mais galeria, nem cidade, nem realidade.
Apenas a pergunta que eu vinha evitando responder até para mim mesma.
— Sinto — disse enfim. — E é isso que me assusta.
Ela sorriu com tristeza.
— Então estamos perdidas juntas.
Naquela noite, o peso da culpa se tornou insuportável. Enquanto Hamilton dormia ao meu lado, virei-me para observá-lo.
O homem com quem havia compartilhado anos da minha vida, que sempre me tratou com respeito, que confiava em mim cegamente.
E ali estava eu, traindo essa confiança com um sentimento que nem ao menos tinha coragem de nomear.
Levantei-me da cama e fui até a varanda. O vento frio da madrugada me envolveu, e lágrimas silenciosas escaparam dos meus olhos.
“Você precisa parar agora”, pensei. “Antes que tudo desmorone.”
Mas no fundo, eu sabia que era tarde demais.
Nos dias seguintes, comecei a me afastar de Lupita. Ignorava suas mensagens, recusava seus convites, inventava desculpas para não encontrá-la.
Era como tentar arrancar um pedaço de mim mesma — doloroso, mas necessário.
Ou pelo menos eu achava que era.
— Por que está me evitando?
— perguntou ela, quando finalmente me encontrou no corredor da galeria.
— Porque isso precisa acabar.
— Mentira. Está com medo.
— Sim, estou. E deveria estar também. Isso vai machucar muita gente, Lupita. Vai machucar seu pai.
Ela respirou fundo, lutando contra as lágrimas.
— Você acha que eu não sei? Você acha que isso é fácil pra mim? Eu te amo, Diane.
Aquelas três palavras caíram sobre mim como um raio.
“Eu te amo.”
Não eram palavras impulsivas ou levianas. Eram cruas, honestas e dolorosamente reais.
— Não diga isso — sussurrei, tentando controlar a respiração.
— Por quê? Porque é verdade demais? Porque te obriga a enfrentar o que sente?
Não consegui responder. Fiquei em silêncio, com o coração batendo tão rápido que doía.
Lupita se aproximou e tocou meu rosto com delicadeza.
— Eu não quero destruir nada. Só não quero passar a vida fingindo que isso nunca existiu.
Ela saiu antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.
E quando a porta se fechou atrás dela, percebi que a culpa e o desejo já não eram forças opostas. Eram duas metades do mesmo furacão — e eu estava presa no olho dele.
Naquela noite, sonhei com uma vida impossível: eu e Lupita caminhando de mãos dadas pelas ruas de uma cidade onde ninguém nos julgava.
Acordei com lágrimas nos olhos e uma certeza sufocante:
Talvez o amor mais verdadeiro seja aquele que nasce justamente onde não deveria existir.
E mesmo sabendo que o caminho à frente era perigoso, uma parte de mim já havia escolhido segui-lo.
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Atualizado até capítulo 61
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