O sorriso de Nox ainda estava estampado no rosto, um reflexo sinistro e gelado da tela do tablet que agora mostrava o rosto inocente de Lucas. A sala, antes um santuário de silêncio e ordem, agora pulsava com uma energia maligna.
"Olha que gracinha de menino," Nox sussurrou, sua voz um fio de seda envenenada. "E vai ser com ele que vou derrubar o delegado." Uma risada baixa e rouca escapou de seus lábios, um som seco que não carregava nenhuma alegria, apenas pura antecipação cruel.
Ele girou em seus calcanhares e arremessou o tablet na direção de Leo, que o pegou no ar com um reflexo treinado. "Traga aquele merda. O prisioneiro. Agora."
"Sim, senhor," Leo assentiu, desaparecendo pela porta sem fazer um único questionamento.
Nox foi até o bar e serviu-se de outro uísque, desta vez bebendo-o de um gole só, sem cerimônia. A aguardente queimou-lhe a garganta, mas ele mal sentiu. Toda a sua atenção estava voltada para o plano que se formava em sua mente, uma obra-prima de perversidade.
Em menos de dois minutos, a porta se abriu novamente. Dois homens arrastaram um terceiro para o meio da sala e o forçaram a ficar de joelhos. Era um traficante de baixo escalão, conhecido como Ratão. Seu rosto estava inchado e manchado de sangue seco. Sua roupa estava rasgada e suja de poeira e lama. Ele tremia incontrolavelmente, seus olhos esbugalhados de terror percorrendo a sala luxuosa antes de se fixarem nos sapatos impecáveis de Nox.
Nox colocou o copo vazio no balcão com um clique suave. Ele caminhou lentamente até o homem ajoelhado, circulando-o como um tubarão.
"Ratão," Nox começou, sua voz suave, quase amigável, o que era infinitamente mais assustador do que um grito. "Você é um lixo. Um verme. Você traficou em território que não era o seu, desrespeitou minhas regras, e custou aos meus homens tempo e dinheiro. A sentença padrão para isso é... bem, você sabe. A 'Pérola' está com fome."
O prisioneiro gemeu, uma sound de puro desespero. "Por favor, Sr. Nox... eu... eu tava desesperado... minha família..."
"Silêncio!" A palavra cortou o ar como um chicote. Nox parou na frente dele. "Eu, however, estou me sentindo inexplicavelmente generoso hoje. O luto me tornou... sentimental." O sarcasmo pingava de cada palavra. "Então, vou te dar uma chance de viver, seu merda."
Os olhos de Ratão, antes vidrados de medo, brilharam com um frágil raio de esperança. "S... sério?"
"Sim," Nox confirmou, agachando-se para ficar na altura do homem. Seu rosto estava a centímetros do rosto ensanguentado do traficante. "Estou fazendo uma boa ação. Ou, pelo menos, é assim que vou registrar nos meus arquivos." Ele fez uma pausa dramática. "Mas, veja bem... para você viver, alguém vai ter que... não morrer, mas talvez desejar ter morrido. É uma troca filosófica interessante, não acha?"
Ratão olhou para ele, confuso e aterrorizado. "Quem... quem seria?"
Nox riu, um som breve e seco. "Como vocês, seres humanos, são falsos uns com os outros. Adoram salvar a própria pele, não é? Bem, eu não ligo para a hipocrisia de vocês. Pelo contrário, eu a aproveito."
Ele se levantou e caminhou até uma das paredes, onde um enorme aquário de vidro reforçado era embutido. Dentro, não havia peixes coloridos. Entre rochas e troncos, uma serpente negra como o carvão, grossa como a coxa de um homem, se enrolava lentamente. Sua língua bifurcada disparava para fora da boca, sentindo o aroma de medo no ar.
"Ah, Pérola..." Nox sussurrou, batendo levemente no vidro. "Ela vai ter um banquete enorme um dia. Mas hoje não."
Ele se virou de volta para Ratão, que estava paralizado, olhando para a cobra com horror absoluto.
"Escute com atenção," Nox ordenou, sua voz perdendo qualquer traço de falsa gentileza. "Iremos arrumar você. Roupas novas, um corte de cabelo, um storyboard. Você vai fingir ser um estudante novo. Uma transferência. Sua única missão será se infiltrar na escola do menino Lucas. Conquistar a amizade dele. Ser legal, ser engraçado, ser o melhor amigo que esse menino solitário nunca teve."
Ratão olhou para ele, perplexo. "Um... um menino? Por quê?"
"Isso não é da sua conta, estudante," Nox rosnou. "Sua única preocupação é se aproximar dele. Ganhar sua confiança. E então, em um momento oportuno, você o trará até mim. Um passeio, um jogo, uma mentira qualquer. Você o trará para um local que eu designarei."
Nox se aproximou novamente, até que sua sombra engolisse o homem ajoelhado.
"Se você conseguir," ele sussurrou, "eu deixo você vivo. Com dinheiro suficiente para sumir para sempre. Se você falhar..." Nox fez uma pausa, olhando significativamente para o aquário. "...ou se tentar me trair, você não vai precisar se preocupar em fingir ser outra pessoa na próxima vida. Você será a refeição de verdade da Pérola. Entendido?"
O rosto de Ratão estava pálido, a esperança se dissipando e sendo substituída por um novo tipo de terror, mais profundo e complexo. Ele não estava apenas lutando por sua vida agora; ele estava sendo forçado a ser o instrumento do mal de outro.
"E... e o delegado?" Ratão gaguejou, lembrando-se das notícias, do tiroteio no cais.
Nox sorriu, um brilho de pura maldade em seus olhos. "O delegado Daniel vai aprender o preço de se meter comigo. Ele vai assistir seu mundo desmoronar antes de eu acabar com ele. E você, seu merda, vai ser a primeira pá de terra no túmulo da felicidade dele. Agora, some da minha vista. Leo, leve-o e torne-o apresentável."
Os capangas puxaram Ratão para cima, que saiu da sala cambaleante, seu destino selado de uma forma que ele nunca poderia ter imaginado.
Nox ficou sozinho, de costas para o aquário. A Pérola Negra deslizou pela água, seus olhos fixos em seu mestre.
"Um banquete enorme, minha querida," Nox repetiu, para a cobra e para si mesmo. "Primeiro o cordeiro... depois o lobo
A sala de aula da universidade era um mundo à parte para Davi. Enquanto a cidade de Protetor X fervilhava com tensão e sombras, aquele espaço cheirava a livros novos, café barato e ansiedade juvenil. Para Davi, era um santuário.
Ele era a definição de inocência preservada. Cabelos castanhos sempre um pouco desarrumados, olhos verdes e wide que ainda acreditavam no bem das pessoas, e um sorriso fácil que herdara da mãe. Sua mãe... o pensamento dela ainda doía, uma ferida surda e familiar no peito. Ela partira há dois anos, vítima de uma doença rápida e cruel, deixando para trás um marido devastado e um filho que carregava o peso de ser o único farol de orgulho do pai.
O Delegado Daniel vivia em dois mundos: o das ruas violentas, onde enfrentava a escória como Nox, e o do apartamento silencioso, onde via a imagem da falecida esposa em cada canto e depositava todas as suas esperanças e sonhos frustrados no filho. Davi, cursando Letras, era sua maior conquista. "Meu filho, o universitário," Daniel dizia com um orgulho que mal disfarçava a dor de fundo.
O sinal da aula de Literatura Brasileira Moderna havia soado. Os alunos se acomodaram, Davi em seu lugar preferido, no centro, caderno aberto, caneta em riste. A professora, Dona Marília, uma mulher de meia-idade com óculos na ponta do nariz, batucou na mesa.
"Pessoal, um momento de atenção, por favor. Antes de começarmos nossa análise machadiana, temos um novato. Uma transferência no meio do semestre. Sejam todos acolhedores."
A porta se abriu e um jovem entrou. Era mais velho que a maioria ali, com olhos que pareciam ter visto mais do que deveriam. Estava limpo, com roupas simples mas novas, um corte de cabelo padrão. Era Ratão, mas totalmente irreconhecível do traficante ensanguentado da mansão de Nox. Agora, ele era Rafael.
"Apresente-se, querido," incentivou a professora.
"Rafael," ele disse, sua voz um pouco rouca, mas controlada. "Prazer."
A apresentação foi curta e seca. Ele não sorriu. Apenas assentiu para a professora e sentou-se na única cadeira vaga, no fundo da sala, perto da janela.
Davi, movido por uma compaixão genuína, virou-se e ofereceu um pequeno sorriso. Rafael ignorou-o, fixando o olhar no quadro.
A aula prosseguiu. Davi tomava notas furiosamente, absorto no mundo de Machado de Assis. Em um momento de pausa, ao se esticar para pegar uma caneta que rolou para o chão, ele viu que Rafael não tinha sequer aberto a mochila. Ele apenas olhava pela janela, com uma expressão vazia.
A inocência de Davi interpretou aquilo como nervosismo, solidão. Ele se lembrou de seus primeiros dias na faculdade, o quanto fora assustador.
No final da aula, enquanto todos se aglomeravam na saída, Davi viu Rafael se levantando silenciosamente, pronto para desaparecer.
Sem pensar muito, Davi se aproximou. "Ei!"
Rafael parou, virando-se com uma lentidão que beirava o desinteresse. Seus olhos scanearam Davi, calculadores, mas disfarçados.
"Oi," Davi disse, seu sorriso ainda presente, though um pouco hesitante. "É... é sempre difícil chegar num lugar novo, né? Todo mundo já se conhece."
Rafael encarou-o por um segundo que pareceu uma eternidade. Ele estava seguindo ordens. "Conquiste a amizade dele." Mas a ordem era contra sua natureza. Sua natureza era evitar contato, roubar, traficar, sobreviver. Não... fazer amizade.
"É," ele finalmente respondeu, a voz monossilábica.
"Eu sou Davi," ele ofereceu, estendendo a mão. "Se você quiser, te mostro por onde é a lanchonete. A comida não é grande coisa, mas o suco de laranja é bom."
Rafael olhou para a mão estendida como se fosse um objeto estranho. Lentamente, ele a apertou. O gesto foi mecânico, sem calor. "Rafael."
"Você é de que curso?" Davi perguntou, caminhando ao lado dele pelo corredor, tentando puxar conversa.
"Ah... ainda tô decidindo," Rafael mentiu, a lição decorada. "Fiz um tempo em Administração, mas não curti. Vim pra cá pra ver como é."
"Letras é show!" Davi disse, entusiasmado. "A professora Marília é puxada, mas ela sabe muito. E a galera é legal. Se quiser, te apresento para o pessoal."
Rafael fez que não com a cabeça. "Tá bom. Valeu."
O silêncio constrangedor pairou entre eles. Davi, incrivelmente, atribuiu-o à timidez.
"É... seu pai faz o quê?" Davi perguntou, tentando outro approach.
Rafael quase engasgou. A imagem de Nox, frio e assassino, surgiu em sua mente. "Ele... é empresário," ele disse, a mentira saindo com dificuldade.
"O meu é policial," Davi ofereceu, orgulhoso. "Delegado, na verdade. Ele é fera."
Dentro de Rafael, um alarme silencioso disparou. Filho do delegado. O alvo. Ele olhou para Davi com novos olhos. A inocência do garoto agora parecia uma fragilidade grotesca. Ele era o cordeiro levado para o abate, andando voluntariamente ao lado do lobo.
"Delegado... que da hora," Rafael forçou as palavras, sentindo um gosto amargo na boca.
"É, ele é meu herói," Davi disse, e pela primeira vez, um véu de tristeza passou por seu rosto. "Minha mãe... ela faleceu. Então é só eu e ele agora."
Rafael não soube o que dizer. Uma parte minúscula e adormecida dele, a parte que ainda era humana, sentiu um pingo de remorso. Mas foi rapidamente esmagada pelo medo visceral da Pérola Negra e do olhar gelado de Nox.
"Sinto muito," Rafael murmurou, a única coisa verdadeira que dissera até agora.
"Obrigado," Davi respondeu, sacudindo a tristeza e sorrindo de novo. "Olha, a lanchonete é ali embaixo. Bora? Meu treat."
Rafael hesitou. Sua missão era se aproximar, mas cada momento com aquela genuína bondade era uma tortura. Ele estava no inferno, e seu anjo da guarda era um idiota útil.
"Bora," ele concordou, finalmente.
Enquanto desciam as escadas, Davi falava animadamente sobre os professores, as cadeiras, a biblioteca. Rafael caminhava ao seu lado, ouvindo, assentindo ocasionalmente, suas respostas curtas e evasivas.
Por dentro, however, duas vozes lutavam. A voz de Nox: "Ganhe sua confiança. Traga-o até mim."
E uma voz mais fraca, quase inaudível, que sussurrava: "Ele não merece isso. Ele é apenas um garoto."
Mas a voz do medo era muito, muito mais alta. Rafael olhou para o rosto aberto e sorridente de Davi e sabia, com uma certeza absoluta, que iria destruí-lo. Tudo para salvar sua própria pele.
A conversa continuou na lanchonete, com Davi tentando criar uma ponte e Rafael, o novo aluno, construindo meticulosamente a armadilha que levaria o filho do delegado direto para as mao de nóx
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Comments
Ana Costa
/CoolGuy//CoolGuy/
2025-08-29
0