O Anjo do Meu Inferno
A noite no cais da cidade de Protetor X era um véu úmido e frio, escondendo negócios sujos sob o manto do silêncio e do ruído distante da cidade. O cheiro de água salgada, óleo e podre se misturava no ar, uma fragrância adequada para o encontro que estava prestes a acontecer.
Do alto de um armazém abandonado, o Delegado Daniel ajustou os fones de ouvido, seus olhos escaneando as docas através de um par de binóculos de visão noturna. Tudo era verde e preto, mas o movimento era claro: dois carros pretos, imponentes, e três figuras.
"Todos os pontos, confirmem status," sussurrou Daniel, sua voz um fio de tensão no rádio.
Uma série de cliques confirmou que seus homens estavam posicionados. A armadilha estava armada. O isca, um traficante de armas de pequeno calibre chamado Russo, esperava nervosamente perto dos contêineres, olhando para o relógio a cada dez segundos.
"Paciência, Russo," Daniel murmurou para si mesmo. "Ele vem. Ele nunca perde uma chance de ser dramático."
E como se fosse uma resposta à sua provocação silenciosa, um novo veículo surgiu da escuridão. Uma limusine clássica, longa e negra como um ataúde, deslizou sem pressa até parar a alguns metros dos carros. A placa era simples, quase comum, mas todos sabiam a quem pertencia.
Nox.
A porta traseira abriu-se. Primeiro, saiu um homem grande, de terno impecável que mal conseguia disfarçar os músculos tensos sob o tecido. Marco. O braço direito, o guarda-costas, o irmão que Nox nunca teve. Ele olhou em todas as direções, seus olhos scanners vivos mesmo na penumbra. Satisfeito, deu um aceno.
E então, ele saiu.
Nox era magro, elegante, vestindo um sobretudo cinza sobre um terno preto. Seus cabelos escuros estavam perfeitamente penteados para trás. Ele não olhou em volta com medo; olhou com tédio, como se aquela visita noturna a um cais fedorento fosse uma tarefa mundana e beneath him. Ele caminhou até Russo, suas mãos enfiadas nos bolsos.
"Mostre-me," a voz de Nox cortou a noite, clara e carregada de uma sarcasmo inerente. "Mostre-me a ferramenta que supostamente vai me fazer repensar todo o meu modelo de negócios."
Daniel ordenou pelo rádio. "Esperem. Deixem o negócio rolar. Quero ele com a arma na mão."
Lá embaixo, Russo abriu uma mala. Nox pegou o objeto dentro – um rifle de precisão de alta tecnologia – e o examinou com ar crítico.
"Parece... barato," Nox declarou, sua voz gotejando desdém. "Você me fez sair da minha ópera para isso, Russo? Eu esperava algo que justificasse o preço exorbitante. Não um brinquedo de plástico para sniper wannabe."
"É tecnologia militar, Sr. Nox! Indetectável!" Russo gaguejou.
"Indetectável até o primeiro disparo, imagino," Nox riu, um som seco e sem humor. "Como a sua lealdade."
Foi a deixa. Daniel gritou no rádio: "Agora!"
Luzes de holofotes explodiram da escuridão, banhando o cais em uma claridade fantasmagórica e crua. Gritos de "Polícia! Todos no chão!" ecoaram pelos armazéns.
O caos se instalou. Os capangas de Nox e os homens de Russo puxaram suas armas. Tiros estouraram, quebrando a noite em estilhaços de som.
Nox não se moveu. Ele não correu, não se abaixou. Ele apenas suspirou, profundamente irritado, como se aquilo fosse um inconveniente monumental. Ele olhou diretamente para o holofote onde sabia que Daniel estava.
"Delegado!" a voz de Nox ecoou, surpreendentemente calma no meio do tiroteio. "Que surpresa absolutamente previsível! A ópera era Tosca, sabia? Uma tragédia. Aparentemente, você decidiu encenar a sua própria versão aqui. Mal escrita, devo dizer."
Daniel desceu do armazém, sua equipe formando um perículo. Ele avançou, sua arma empunhada, apontada para o centro da testa de Nox.
"Acabou, Nox! Está cercado! Chão. Agora."
Nox ignorou a ordem. Ele olhou para o rifle na mala e depois para Daniel. "Você quer isso para a sua precária delegacia, Daniel? É só pedir. Poderia ter sido um presente. Em vez disso, escolheu a violência e a má interpretação teatral."
"Cale a boca e deite-se no chão!" Daniel rosnou, chegando mais perto.
Marco se moveu, colocando-se entre Nox e a arma do delegado. "Não chegue mais perto, delegado," o gigante advertiu, sua voz um rugido baixo.
O tiroteio amainava. Os capangas de Russo estavam neutralizados. Os homens de Nox, mais bem treinados, usavam os carros como cobertura, trocando tiros precisos com a polícia. Mas a rede estava se fechando.
Daniel sabia que não poderia prender Nox. Ele era escorregadio demais. Sua lábia e seus advogados o teriam solto antes do amanhecer. Mas ele poderia machucá-lo. Poderia mandar uma mensagem.
Ele viu Marco, um alvo grande e leal. O braço direito. A chave para ferir o rei.
Nox, percebendo o cálculo nos olhos de Daniel, perdeu um pouco da pose. "Daniel, não seja estúpido," disse ele, a voz pela primeira vez sem o sarcasmo, apenas um aviso gelado. "Isso não é um jogo que você quer jogar."
"O seu jogo acabou, Nox!" Daniel gritou, a raiva e a frustração de anos tomando conta. Ele mudou sua mira. Não para Nox, mas para o ombro de Marco, visível além do corpo do mafioso.
Ele puxou o gatilho.
O estampido foi ensurdecedor. A bala não atingiu o ombro.
Marco, num instinto puro de proteção, deu um passo à frente no exato momento do disparo, tentando se colocar como um escudo humano completo para seu chefe.
A bala atingiu Marco no peito, logo acima do coração.
O impacto foi surdo e horrível. Um som que Daniel conhecia bem, o som de uma vida sendo interrompida. Marco cambaleou para trás, seus olhos wide com surpresa, e então se fixaram em Nox. Não com dor, mas com preocupação. Sua boca se abriu, mas só saiu um fio de sangue. Ele desabou no chão de concreto, um rio escuro se espalhando sob seu terno impecável.
O mundo parou.
O tiroteio cessou. O silêncio foi mais aterrorizante que o barulho.
Nox não se moveu. Ele não correu para Marco. Ele apenas olhou para o corpo do amigo no chão, e então lentamente, muito lentamente, ergueu os olhos para Daniel.
A máscara de tédio e sarcasmo evaporou. O que restou foi algo primordial, cru e absolutamente assassino. Seus olhos, normalmente cheios de diversão cruel, agora eram poças escuras de puro ódio.
"Você..." a voz de Nox saiu como um sibilo, tão baixa que quase foi engolida pela noite, mas carregada de uma promessa de violência que fez o ar ficar gelado. "Você miserável, insignificante... inseto."
Daniel ficou paralisado, a arma pesando uma tonelada em sua mão. Ele não quis... não era para ser...
Nox não olhou mais para ele. Ele olhou para Marco. E então, algo em estalou. Ele girou nos calcanhares.
"Matem todos," ele ordenou para seus homens restantes, sua voz agora clara, metálica e mortal.
Os tiros recomeçaram, mas desta vez com uma ferocidade renovada e vingativa. A polícia, pega de surpresa pela mudança de clima e pela fúria repentina, recuou.
Nox não correu. Ele caminhou até seu carro, suas costas eretas, um alvo perfeito que Daniel estava agora tremendo demais para acertar. A porta da limusine abriu. Antes de entrar, Nox parou e olhou para trás, uma última vez, para Daniel.
Não havia raiva naquele olhar agora. Havia apenas uma sentença.
"Este foi o último erro da sua vida, delegado," ele disse, sua voz plana, sem emoção, mais assustadora que qualquer grito. "Eu não vou te prender. Eu não vou te processar. Eu vou desfazer você. Pedaço por pedaço. E vou rir enquanto faço isso."
Ele entrou no carro. A limusine acelerou para longe, desaparecendo na escuridão, deixando para trás o silêncio pontuado por gemidos, o cheiro de pólvora e o peso horrível de uma guerra que tinha acabado de começar de verdade.
Daniel ficou de pé no meio do cais, a arma agora pendurada flácida em seu dedo, olhando para o corpo de Marco. Ele não tinha prendido Nox. Ele não tinha mandado uma mensagem.
Ele tinha acabado de atirar no único homem que o mafioso mais perigoso e sarcástico da cidade amava. E, pela primeira vez, Daniel, o protetor, sentiu um frio que não tinha nada a ver com a noite. Ele sentiu o gelo da própria morte, e sabia que ela tinha o rosto de Nox. Ele tinha fugido, mas tinha deixado para trás um rastro de ódio que consumiria tudo.
A mansão de Nox era um monumento ao gosto frio e impessoal. Mármore branco, aço escovado e vidro, tudo perfeitamente limpo, perfeitamente organizado e absolutamente sem vida. Parecia mais um museu do que uma casa, um reflexo adequado do homem que a habitava – pelo menos, da fachada que ele mostrava ao mundo.
A porta de entrada se abriu com um estrondo que fez tremer uma valiosa escultura de vidro na parede. Nox entrou como um furacão, seu sobretudo cinza agora manchado com o sangue escuro de Marco. Ele não o tirou. Arrancou a gravata e a jogou no chão, seu rosto uma máscara pálida de raiva contida.
Um de seus capangas, um homem chamado Leo, correu para recebê-lo, seu rosto pálido e contrito. Ele viu as manchas no casaco e o olhar vazio e furioso de Nox, e sua cabeça imediatamente baixou, como um cão se preparando para um chute.
"Senhor... eu... sinto muito pelo que aconteceu. O Marco era um homem bom."
A voz de Nox saiu baixa, rouca, carregada de um veneno que fez Leo estremecer.
"Bom? Bom é irrelevante. Ele era meu." Nox passou por ele, dirigindo-se ao bar embutido na sala de estar vasta. "Ele era eficiente. Leal. E aquele policial de merda..." A voz de Nox quebrou. Ele pegou uma garrafa de uísque caro, dispensou a etiqueta e despejou uma quantidade generosa em um copo de cristal. Suas mãos tremiam levemente. Ele não bebeu. Apenas olhou para o líquido âmbar, como se nele pudesse ver o rosto do delegado. "Aquele lixo insignificante, vestindo um emblema que não significa nada... ele ousou."
Ele finalmente ergueu os olhos para Leo. E pela primeira vez, o homem viu não apenas raiva, mas um brilho de umidade contida, uma fúria tão profunda que beirava a dor.
"Ele atirou no Marco como se ele fosse um cão. Na minha frente." Nox engoliu seco. "Foi um insulto. Uma declaração de guerra pessoal. E eu aceito."
Ele finalmente deu um gole no uísque, deixando o líquido ardente descer pela garganta.
"Quero informações," Nox disse, a voz agora controlada, gelada e mortal. "Tudo sobre o Delegado Daniel. Tudo. Onde ele nasceu, onde estudou, quem ele amou, quem ele ama agora, que marca de cueca ele veste, quantas vezes ele vai ao banheiro por dia. Tudo. Não quero um arquivo. Quero a vida dele desmontada na minha frente, peça por peça. Vou acabar com ele. Pouco a pouco. Pedaço por pedaço. Até que não sobre nada dele, nem mesmo a memória."
Leo, ainda de cabeça baixa, assentiu vigorosamente. "Sim, senhor. Imediatamente. Vamos mobilizar todos os nossos recursos. Ele não terá privacidade."
Nox esmagou o copo de cristal em sua mão. Estilhaços finos se espalharam pelo mármore, e um filete de sangue escorreu de seus dedos. Ele nem pareceu notar.
"Vão logo!" ele rugiu, a frieza dando lugar ao animal ferido mais uma vez. "Em que estão esperando? Um convite escrito? Hoje! Quero isso hoje, seus merdas! Foram incapazes de protegê-lo, sejam capazes disso!"
Leo não precisou ser mandado embora duas vezes. Ele se virou e quase correu para fora da sala, gritando ordens no rádio para a equipe de inteligência de Nox, que era mais eficiente e abrangente que a de qualquer agência governamental.
Nox ficou sozinho na sala silenciosa. Ele olhou para sua mão sangrando, depois para os estilhaços de cristal no chão. A imagem de Marco, caindo, invadiu sua mente. Ele fechou os olhos com força, tentando expulsá-la. Quando os abriu, eles estavam secos e duros como diamantes.
Horas se passaram. A noite virou madrugada. Nox não se moveu do bar, contemplando sua próxima jogada, sua vingança, com a meticulosidade de um mestre de xadrez planejando o xeque-mate.
Foi então que Leo voltou à sala, carregando um tablet. Ele parecia hesitante, mas também com um brilho estranho nos olhos – o brilho de quem encontrou algo precioso.
"Senhor," Leo começou, cautious. "Temos o relatório preliminar. Vida limpa. Carreira exemplar. Solteiro. Sem parentes próximos na cidade. Mora sozinho em um apartamento no centro. É... chato."
Nox não disse nada. Apenas ergueu uma sobrancelha, um gesto que significava 'Por que você está me perturbando com obviedades?'
"Mas..." Leo continuou, deslizando o dedo na tela do tablet. "Nossos hackers vasculharam tudo. Contas de luz, água, histórico de internet, extratos bancários... coisas de rotina. Até que cruzamos com os registros escolares de uma pequena Um pagamento recorrente, modesto, mas mensal, para uma escola. Uma escola particular."
Nox ficou imóvel.
mulher. Ana Lúcia. Ela não tem relação com Daniel... oficialmente. Mas ela era sua namorada na adolescência. se casaram e tiveram um filho Leo fez uma pausa . Davi de 18 anos a mãe dele morreu
Nox lentamente se virou para enfrentar Leo completamente. Seu coração bateu mais rápido, mas nenhum músculo do seu rosto se moveu.
"O registro de nascimento da criança não tem o nome da mãe" Leo finalizou, entregando o tablet para Nox.
Na tela, havia uma foto roubada de uma rede social. Era uma mulher de meia-idade, sorridente, com o braço em volta de um garoto magricela, de cabelos escuros e olhos claros e inteligentes. O garoto segurava um troféu de xadrez.
Nox pegou o tablet. Ele olhou para a foto por um longo, longo tempo. A raiva infernal que o consumia parecia se aquietar, substituída por uma curiosidade profunda e gelada. Um sorriso lento, terrível, começou a se formar em seus lábios. Não era um sorriso de alegria, era o sorriso de um predador que acabou de encontrar o ponto mais fraco de sua presa.
Ele olhou para os olhos do menino, procurando um traço familiar, uma assinatura genética do homem que ele jurou destruir.
"Ooh," Nox sussurrou, sua voz um fio de veneno doce. "Isso... isso é interessante."
Ele ampliou a imagem do rosto do garoto, Lucas.
"Olha que gracinha," ele disse, para ninguém em particular. A frase soou como a mais sinistra das ameaças.
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