Primeira noite

Narração: Amélia Grimaldi

A porta da mansão se fechou atrás de nós com um estalo seco. O silêncio era quase ensurdecedor, quebrado apenas pelo som dos meus saltos contra o mármore. Não havia pétalas no chão, nem champanhe esperando em taças delicadas. Nada que lembrasse a “noite de núpcias” sonhada por qualquer noiva comum.

Enrico largou o paletó sobre o encosto de uma cadeira e soltou um suspiro impaciente, como se tivesse acabado de encerrar um expediente cansativo — e não acabado de se casar.

Enrico: — Então, moglie, oficialmente somos marido e mulher. Parece que consegui mais um contrato assinado hoje.

Cruzei os braços, arqueando uma sobrancelha.

Amélia: — Contrato? Que curioso… achei que estava assinando uma sentença.

Ele riu de canto, aquela risada rouca e perigosa. Caminhou até o bar, serviu uísque e virou de uma só vez, antes de me olhar novamente.

Enrico: — Todo casamento é uma sentença, Amélia. Alguns são de prisão… outros de morte. Vamos ver em qual deles você se encaixa.

Amélia: — E eu aqui pensando que seria pelo menos um júri justo.

Ele se aproximou devagar, passos firmes, até que sua sombra me envolvesse por completo. Segurou meu queixo com firmeza, forçando-me a encará-lo.

Enrico: — Justiça não existe no nosso mundo. Apenas poder. E, como marido, cabe a mim ditar as regras.

Sorri de forma gélida, sem desviar o olhar.

Amélia: — Regras são feitas para serem quebradas. Até mesmo as do casamento.

Ele me soltou, se afastando como quem saboreia uma provocação. Serviu outra dose de uísque e ergueu o copo em um brinde solitário.

Enrico: — Aos noivos. Que a mentira seja doce… e a guerra inevitável.

Deixei escapar um sorriso irônico, passando por ele rumo à escadaria. Meu vestido arrastava-se pelos degraus como um rastro de desafio.

Amélia: — Aos noivos, Enrico. Que a rainha nunca se curve ao rei.

E subi, sem olhar para trás.

A “lua de mel” havia começado mas estava claro que a nossa seria feita de veneno e lâminas afiadas.

Subi as escadas certa de que teria um quarto só meu naquela mansão enorme. Afinal, éramos um casamento de negócios, não um conto de fadas. Mas, ao abrir a porta do quarto principal, quase engasguei.

Minhas malas estavam ali. Minhas roupas cuidadosamente dispostas no closet. Meus perfumes na penteadeira.

Amélia: — Só pode ser piada.

Ouvi passos atrás de mim. Enrico entrou, já sem a gravata, abrindo os botões da camisa preta como quem se preparava para dormir no seu território.

Enrico: — Bem-vinda ao nosso quarto, moglie.

Amélia: — Nosso? — arqueei a sobrancelha. — Achei que tinha quartos suficientes nessa mansão para abrigar um exército.

Ele largou o relógio de pulso na mesa de cabeceira e me lançou aquele sorriso de canto.

Enrico: — Tenho, sim. Mas marido e mulher dormem juntos. Não lembra dos votos? “Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença…”

Amélia: — Faltou a parte “em camas separadas, de preferência com uma porta trancada entre eles”.

Ele riu baixo, sacudindo a cabeça, enquanto se sentava na beira da cama.

Enrico: — Não vi essa cláusula no contrato.

Revirei os olhos e cruzei os braços.

Amélia: — Pois saiba que vou dormir do meu lado. E se sonhar em atravessar a fronteira, Don Bellucci, vai acordar sem uma das mãos.

Ele se deitou, apoiando os braços atrás da cabeça, tranquilo demais para o veneno das minhas palavras.

Enrico: — Relaxa, moglie. Se eu quisesse te tocar… não seria em sonho.

Joguei uma almofada nele, que apenas riu, desviando.

Amélia: — Você é insuportável.

Enrico: — E você agora é minha esposa. Paciência.

Bufei, pegando outra almofada para improvisar uma barreira no meio da cama.

Amélia: — Então, boa noite, marido. Que essa muralha seja sua sentença de morte caso tente invadi-la.

Ele fechou os olhos com aquele maldito sorriso no rosto.

Enrico: — Boa noite, rainha. Sonhe com a coroa que acha que vai me tomar.

Deitei virada de costas para ele, apertando os lábios para não rir. Porque, no fundo, havia algo de ridiculamente cômico naquela guerra silenciosa: dois inimigos mortais… dividindo a mesma cama.

A muralha de almofadas entre nós parecia mais simbólica do que prática. Eu me deitei de costas, fingindo ignorar o som da respiração dele. Mas era impossível: Enrico se movia com naturalidade demais, como se tivesse nascido para ocupar o espaço.

Enrico: — Está nervosa, moglie?

Amélia: — Nervosa? — revirei os olhos, virando o rosto para encará-lo. — Só estou tentando aceitar que minha lua de mel parece mais uma prisão domiciliar com um carcereiro de barba bem-feita.

Ele riu, aquele riso baixo e provocador.

Enrico: — Não reclame, poderia ser pior. Pelo menos sou um carcereiro bonito.

Amélia: — Arrogante, você quis dizer.

Ele se apoiou de lado, aproximando o rosto do meu, ultrapassando descaradamente a barreira de almofadas. O olhar verde faiscava.

Enrico: — Arrogância é falar que vai cortar minha mão se eu atravessar a fronteira… quando no fundo você não conseguiria tirar os olhos de mim.

Puxei uma das almofadas e joguei contra o peito dele com força.

Amélia: — Está se achando demais, Bellucci.

Ele segurou a almofada, sem desviar o olhar, e a jogou de volta, fazendo-a acertar meu rosto. Eu soltei um “ah!” indignado e me levantei de repente, sentando na cama.

Amélia: — Ridículo!

Enrico: — Charmoso. — Ele piscou. — É assim que os casais começam a quebrar o gelo, não? Guerra de travesseiros…

Peguei outra almofada e ameacei jogá-la novamente, mas ele foi mais rápido, segurou meu pulso e me puxou para perto. Meu corpo desequilibrou, caindo contra o dele.

O riso sumiu por um instante. O calor do corpo dele me envolveu, e os olhos verdes ficaram perigosamente próximos dos meus.

Enrico: — Viu só? Não é tão ruim dividir a cama comigo.

Amélia: — Não se iluda. Se eu ficar perto demais, posso me esquecer que você é meu marido e lembrar que é meu inimigo.

Ele sorriu de canto, aproximando os lábios do meu ouvido.

Enrico: — Quem disse que as duas coisas não podem andar juntas?

A tensão elétrica entre nós era palpável. Mas, antes que ele pudesse avançar mais, empurrei seu peito com força e voltei para o meu lado da cama, ajeitando as almofadas como se fossem muralhas medievais.

Amélia: — Continue desse lado, ou juro que vou dormir com uma faca debaixo do travesseiro.

Enrico: — Faça isso. Vai ser divertido ver até onde consegue resistir.

Virei de costas, bufando, mas mordi o lábio para não rir. Era insuportável… e, ao mesmo tempo, perigosamente viciante.

Aquela noite não teve romance. Teve guerra de travesseiros, ameaças veladas e provocações afiadas. Mas, pela primeira vez, eu percebi: dividir o mesmo quarto com Enrico Bellucci poderia ser mais perigoso e mais divertido do que eu imaginava.

Mais populares

Comments

Carolina Luz

Carolina Luz

isso vai ser muito interessante ☺️ divertindo e perigoso 😂🤭🤭

2025-08-29

2

Keila Mar

Keila Mar

ela dormiu de vestido?

2025-09-02

0

Ver todos
Capítulos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!