O Observador

Desde o episódio no porão, Adeline não era mais a mesma. A casa parecia respirar ao seu redor, como se cada parede tivesse ouvidos e cada sombra, olhos. Ela tentava manter a rotina, mas tudo nela gritava que algo estava à espreita.

Naquela manhã, ao abrir as cortinas do quarto, viu marcas na parte interna do vidro — como dedos arrastados de dentro para fora. Mas ela não havia tocado ali. E ninguém mais estava na casa.

Decidiu revisar o diário de Beatriz novamente. Havia uma nova anotação, escrita com uma caligrafia trêmula:

> "Ele observa pelos espelhos. Mas também pelos sonhos. Não pense nele. Não diga o nome. Não o encare."

Adeline fechou o diário com força. Mas era tarde demais.

Naquela noite, o sonho veio.

Ela estava no corredor da mansão, mas tudo estava distorcido. As portas eram maiores, as paredes pulsavam como carne viva. No final do corredor, uma figura a esperava — alta, envolta em véus escuros, com olhos que brilhavam como carvão em brasa.

Ela tentou correr, mas seus pés estavam presos ao chão. A figura se aproximou lentamente, e quando falou, sua voz era como vento cortante:

— Você me vê. Agora, eu posso ver você.

Adeline acordou com um grito preso na garganta. O quarto estava escuro, mas o espelho da cômoda estava coberto por uma névoa interna — como se estivesse respirando.

Ela se aproximou, hesitante. E então viu.

No reflexo, não havia apenas ela. Havia ele. Atrás dela. Imóvel. Observando.

Ela se virou, mas não havia ninguém. Quando olhou novamente para o espelho, ele havia sumido. Mas no vidro, uma frase escrita com algo escuro e viscoso:

> "Você pertence a mim."

Adeline caiu de joelhos. A casa não era apenas assombrada.

Ela era possuída.

E agora, ela também.

Adeline passou o dia evitando espelhos. Cobriu todos com lençóis, virou os da casa contra a parede, e até quebrou o da sala de jantar. Mas à noite, enquanto tentava dormir, percebeu que o reflexo ainda a encontrava — nas janelas, na tela do celular, até na água da banheira.

Ela não podia fugir.

Às 2h43, acordou com o som de passos no corredor. Lentos, arrastados. Pegou o diário de Beatriz e o manteve contra o peito, como se pudesse protegê-la. Mas o som se aproximava.

A maçaneta do quarto girou.

Ela correu para trancar a porta, mas já era tarde. A figura estava ali. Não em carne, mas em sombra. Um vulto alto, sem rosto, com olhos que brilhavam como carvão em brasa. Ele não falava. Apenas observava.

Adeline tentou gritar, mas sua voz não saiu. O ar parecia preso nos pulmões. A figura se aproximou e estendeu a mão. Nela, havia uma chave — a mesma que ela havia jogado na lareira.

> "Você abriu. Agora, deve entrar."

A figura desapareceu, deixando a chave cair no chão. Adeline a pegou, tremendo. Era quente, como se tivesse acabado de sair do fogo.

Na manhã seguinte, encontrou uma nova anotação no diário. Não estava lá antes. E não era de Beatriz.

> "Capítulo 4 começa no sótão. Ele espera por você."

Adeline olhou para a porta do sótão. Ela estava aberta.

Adeline passou o dia em silêncio, evitando qualquer superfície reflexiva. Mas a mansão parecia zombar dela — as janelas refletiam mais do que o céu, os talheres mostravam rostos que não eram seus, e até a água da torneira tremia como se reagisse à sua presença.

Ela decidiu voltar à biblioteca, buscando respostas. O livro que antes revelava frases enigmáticas agora estava em branco. Todas as páginas. Exceto uma.

> "O que observa não está fora. Está dentro. Você o alimenta com medo. E ele está faminto."

Adeline sentiu um calafrio. A presença não era apenas um espírito preso à casa. Era algo que crescia nela — como uma sombra que se alimentava de cada dúvida, cada trauma, cada lembrança esquecida.

Naquela noite, ela teve outro sonho.

Estava em um campo escuro, cercada por espelhos altos como árvores. Em cada um, uma versão dela gritava, chorava, ou ria de forma distorcida. No centro, o Observador a esperava. Mas desta vez, ele tinha rosto.

Era o dela.

— Você me criou — disse ele, com voz calma. — Você me deu forma. E agora, eu sou tudo que você teme.

Adeline acordou com lágrimas nos olhos. O espelho do quarto estava quebrado. E no chão, escrito com cacos de vidro:

> "Capítulo 4: Vozes na Escuridão. Elas sabem quem você é."

Ela não sabia mais o que era real.

Mas sabia que o próximo passo seria mais profundo.

Mais perigoso.

Mais verdadeiro.

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