O PESO DO MARTELO

As sirenes cortaram a madrugada. Policiais, vizinhos assustados, jornalistas curiosos. A cozinha transformara-se em cena de crime. O corpo da mãe fora levado sob um lençol branco, pequeno demais para conter a grandeza daquela mulher.

No sofá, Helena permanecia imóvel, a filha nos braços.

— Mamãe… a vovó vai acordar? — perguntou Rafaela, com a inocência que a dilacerou.

Helena fechou os olhos.

— A vovó agora virou estrelinha. Vai cuidar da gente lá de cima.

Queria acreditar nisso. Mas o que sentia era guerra.

Às oito da manhã, de toga, Helena entrou no tribunal. O luto ainda fresco queimava dentro dela como fogo sob a pele, mas sua postura não deixava espaço para fraqueza. O salão estava lotado: jornalistas, policiais, curiosos. Cada olhar parecia esperar que ela desmoronasse.

As câmeras piscavam em silêncio, prontas para capturar qualquer tremor em suas mãos, qualquer hesitação na voz. Mas Helena manteve a cabeça erguida. O peso do pano negro da toga parecia mais denso naquele dia, como se carregasse não apenas a lei, mas também a morte da mãe sobre os ombros.

O réu foi conduzido. Vittorio Mancini. Alto, bem penteado, terno impecável de corte italiano. Não parecia um homem atrás das grades, mas um empresário saindo para uma reunião. A cada passo, tamborilava os dedos no corrimão da mesa — um gesto pequeno, repetido, quase insolente. O som rítmico ecoava como um desafio, como se quisesse marcar o compasso da própria vitória.

Ele se sentou, ajeitou a gravata com calma ensaiada e sorriu. Um sorriso frio, calculado, que não deixava dúvidas: acreditava já ter vencido. Seus olhos escuros varreram a sala até repousarem sobre Helena. E, naquele instante, a distância entre eles desapareceu.

— Senhora juíza — disse, com voz arrastada, cada sílaba gotejando veneno. — Sinto muito pela sua perda. Mas não precisa continuar esse teatro. Todos sabemos como termina.

O murmúrio correu pelo salão, como vento por uma chama prestes a explodir. Jornalistas se inclinaram para frente, canetas prontas, câmeras focadas. Policiais reforçaram a posição, atentos.

Helena respirou fundo. O coração gritava, mas sua voz saiu firme, cortante, como lâmina de aço:

— Sim. Termina agora.

Ergueu o martelo. O gesto pareceu arrastar o tempo em câmera lenta. Por um instante, ela viu o rosto da mãe na cozinha, os olhos abertos, o sangue no piso frio. Mas não hesitou.

O martelo bateu como trovão.

— Este tribunal condena Vittorio Mancini à prisão perpétua, sem direito a apelação.

O impacto reverberou nas paredes, e a sala explodiu em murmúrios. Jornalistas correram para anotar cada palavra, câmeras dispararam freneticamente. Os policiais se moveram de imediato, fechando o cerco ao redor de Mancini.

Mas ele não perdeu o sorriso. Enquanto as algemas eram presas novamente em seus pulsos, inclinou-se para frente, olhos cravados nos de Helena, e sussurrou, alto o suficiente para ela ouvir, baixo o bastante para parecer um segredo mortal:

— Você acabou de assinar a sentença da sua filha.

O sangue de Helena gelou. A sala, cheia de vozes, flashes e passos apressados, pareceu desaparecer. Era apenas ela e o monstro à sua frente. Ainda assim, não desviou o olhar. Ele precisava saber: não a quebraria.

Quando voltou para casa, o silêncio foi mais cruel que qualquer barulho do tribunal. As portas se fecharam atrás dela como grades.

Na mesa da sala, encontrou um desenho de Rafaela: duas figuras de mãos dadas, uma mulher de cabelos pretos e uma menina loira, sob um sol sorridente. Rabiscos infantis que, naquela noite, se tornaram um lembrete devastador. Aquele era o mundo que ela jurara proteger — simples, inocente, colorido.

O coração de Helena se partiu em pedaços invisíveis.

Subiu devagar as escadas, como se cada degrau pesasse mais que o anterior. No quarto, a filha dormia encolhida, abraçada à boneca de pano, os cabelos loiros espalhados no travesseiro. O quarto exalava paz, contrastando cruelmente com a guerra que a cercava.

Helena sentou-se à beira da cama, passando os dedos pelos fios macios da menina. Queria guardar na memória aquele cheiro infantil, aquela respiração calma, aquela pureza intacta.

As palavras de Mancini ecoavam como veneno em sua mente: “Você acabou de assinar a sentença da sua filha.”

Lágrimas silenciosas escorreram por seu rosto, mas não diante da criança. Para Rafaela, precisava ser fortaleza, nunca ruína.

Ergueu os olhos para o teto escuro, a respiração firme, e fez seu juramento em voz baixa, como uma oração invertida:

— Eu vou proteger você. Nem que eu precise enfrentar o inferno inteiro.

A casa mergulhou em silêncio. Mas dentro dela, a guerra havia começado.

E Helena sabia: a sentença que dera não encerrava nada. Apenas abrira as portas do abismo.

Até às próximas linhas.

G.sandles.

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