Beira de não resistir ao inverno

--- O vento uivava como um animal faminto lá fora, e a casa de madeira rangia a cada rajada. A lareira mal conseguia segurar o frio que entrava pelas frestas, e o estoque de lenha diminuía a olhos vistos.
A mãe estava encolhida na cama, o rosto pálido, o suor frio denunciando a febre alta. Tomás, de tão cansado de cuidar dela e de manter o fogo aceso, dormia sentado no chão, encostado na parede.
Helena sentia o frio atravessar suas roupas de lã. O mingau que Tomás tinha feito mais cedo já estava azedando, e a água no balde começava a congelar. Foi então que ela sentiu.
A medalha, escondida sob o cobertor, pulsava quente, como se chamasse por ela.
Bebê Helena
Bebê Helena
Helena fechou a mãozinha sobre o metal. Imagens surgiram em sua mente: o fogo da lareira queimando mais forte, a comida se mantendo fresca, o corpo da mãe recuperando forças. Uma voz suave — a mesma que ouvira em seu “sonho” do templo — ecoou dentro dela:
Voz
Voz
“O presente é para proteger, não para ostentar. Use-o com sabedoria, pequena Helena.”
Ela segurou a medalha com força. Um calor suave se espalhou por suas mãos, passando para o cobertor, para o ar ao seu redor… e, por alguns segundos, a casa parecia mais quente.
A mãe, antes tremendo, soltou um suspiro aliviado. A cor voltou levemente às suas bochechas. O mingau, que já começava a cheirar mal, agora tinha um aroma doce de cereais frescos. Até o gelo na superfície da água derreteu.
Bebê Helena
Bebê Helena
Helena relaxou, mas o esforço cobrou seu preço: uma exaustão profunda caiu sobre ela, e seus olhos se fecharam sozinhos.
Bebê Helena
Bebê Helena
A última coisa que viu antes de dormir foi o fogo da lareira queimando com mais força, como se o inverno, por alguns instantes, tivesse recuado.
--- A luz cinza da manhã entrava tímida pela janela, refletindo na neve que cobria tudo do lado de fora. O silêncio só era quebrado pelo estalar suave da lareira, ainda acesa.
Tomás acordou primeiro.
Pequeno Tomás
Pequeno Tomás
Espreguiçou-se, esfregando os olhos, e sentiu imediatamente que algo estava diferente. O ar dentro da casa… não estava tão gelado quanto deveria.
Pequeno Tomás
Pequeno Tomás
Levantou-se e olhou para o balde de água. Não havia gelo, nem mesmo nas bordas. Cheirou o mingau que tinha deixado na panela na noite anterior, esperando o pior… mas o aroma estava surpreendentemente bom, como se tivesse sido feito há poucos minutos.
Pequeno Tomás
Pequeno Tomás
Franziu o cenho. — Que estranho… — murmurou.
O barulho o fez olhar para a cama. Sua mãe, que na noite anterior estava pálida e suando, agora dormia tranquila, a cor voltando lentamente ao rosto.
Pequeno Tomás
Pequeno Tomás
Tomás se ajoelhou ao lado dela, aliviado. — Você vai ficar bem, mãe… eu prometo.
No berço, Helena fingia estar profundamente adormecida, mas ouvia cada palavra. Sua mãozinha ainda segurava a medalha, escondida sob o cobertor.
Bebê Helena
Bebê Helena
Ela sabia que ninguém poderia descobrir o que tinha feito. Não ainda. Mas, ao ver o sorriso cansado de Tomás e o respirar calmo da mãe, sentiu algo crescer dentro dela. Não era só sobrevivência. Era responsabilidade.
Lá fora, o vento frio voltou a soprar, lembrando-a de que o inverno ainda não tinha acabado.
--- O dia avançava devagar, como se o frio tivesse congelado até o tempo. Tomás estava empilhando a pouca lenha que restava quando um som seco ecoou pela porta:
Toc, toc, toc.
Mamãe Elisa
Mamãe Elisa
A mãe, ainda fraca mas acordada, franziu a testa. — Quem será com esse tempo?
Tomás abriu a porta e uma rajada de vento entrou junto com um homem alto, de rosto avermelhado pelo frio. Era o vizinho, Baltar, um camponês que vivia a duas casas de distância.
NovelToon
Vizinho Baltar
Vizinho Baltar
— Preciso de ajuda… — disse ele, a voz trêmula. — Minha mulher… e o pequeno Artur… eles… não estão bem. Não tenho mais comida, nem lenha seca.
Mamãe Elisa
Mamãe Elisa
A mãe de Helena hesitou, olhando para o canto da cozinha onde o estoque magro de mantimentos ficava. — Baltar… nós mal temos para nós.
Vizinho Baltar
Vizinho Baltar
— Eu sei… mas… — Ele abaixou a cabeça. — Se eu não conseguir algo hoje, eles não vão sobreviver à noite.
Bebê Helena
Bebê Helena
Helena, do berço, observava tudo. O peso da medalha parecia mais forte, como se reagisse à presença do homem. Seu coração apertou. Ela sabia que poderia ajudar — purificando qualquer comida que eles tivessem, aquecendo a casa deles… mas isso custaria energia, e cada vez que usava, o risco de alguém descobrir aumentava.
Mamãe Elisa
Mamãe Elisa
A mãe suspirou, pegando um saco pequeno de farinha. — É o máximo que posso dar sem colocar os meus em risco.
Baltar agradeceu com lágrimas nos olhos, mas Helena sabia que aquilo não seria suficiente.
Bebê Helena
Bebê Helena
Enquanto ele se afastava na neve, a voz suave da deusa ecoou em sua mente:
Voz
Voz
“Proteger é escolher. Mas cada escolha molda o que virá.”
Helena fechou os olhos, lutando com a decisão. Usaria a medalha e arriscaria chamar atenção… ou deixaria que a família vizinha enfrentasse sozinha a noite mais gelada do ano?
--- Naquela noite, o vento parecia ter dentes. A neve batia contra as paredes da casa como se quisesse entrar. Tomás dormia enrolado em um cobertor, a mãe tossia baixo no canto… mas Helena estava desperta.
A imagem de Baltar voltando para casa com aquele saco pequeno de farinha não saía da sua mente. A medalha queimava em sua mão, quente como brasa, como se soubesse que ela estava prestes a decidir.
Bebê Helena
Bebê Helena
“E se eu for até lá?” — pensou.
Ela era um bebê. Não podia andar, falar… mas havia algo na medalha que parecia rir desse fato. O calor se espalhou pelo corpo dela, e, por um instante, a visão ficou turva. Quando voltou ao normal… ela não estava mais no berço.
Helena piscou, incrédula. Estava do lado de fora, no meio da neve, envolta por uma luz tênue que não deixava o frio tocá-la. Ao redor, o mundo parecia silencioso, como se o tempo tivesse desacelerado.
A casa de Baltar estava logo à frente. Sem entender como, ela atravessou a neve sem deixar pegadas. Pela janela, viu o menino Artur tremendo sob cobertores finos, a mãe dele com o rosto pálido e os lábios arroxeados.
A medalha brilhou mais forte. Helena estendeu a mãozinha, e um calor suave se espalhou pelo interior da casa. As chamas da lareira, antes quase apagadas, ganharam vida; o cheiro de pão fresco encheu o ar, e a cor voltou ao rosto dos dois.
NovelToon
Mas então… algo se mexeu na beira da floresta. Dois olhos dourados a observavam. Não era a mensageira da outra noite. A presença era mais fria… mais perigosa.
Antes que pudesse reagir, Helena sentiu o calor da medalha diminuir. Num piscar, estava de volta no berço, ofegante, como se nada tivesse acontecido.
Pequeno Tomás
Pequeno Tomás
Só que Tomás estava acordado, sentado ao lado do berço, olhando-a fixamente. — Lena… — sussurrou ele, com um brilho estranho nos olhos. — O que é você?

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!