Renascida Entre Colheitas
Eu renasci?
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A escuridão foi substituída por uma luz suave e amarelada, como a de uma vela. Marina piscou, tentando entender por que não estava mais na frente do computador. Ao abrir os olhos, viu um teto de madeira, tosco e cheio de vigas. O cheiro de palha e fumaça de lenha enchia o ar.
Uma mulher jovem, com vestido simples de algodão e um lenço amarrado no cabelo, se inclinou sobre ela. O rosto era cansado, mas os olhos castanhos brilhavam com um carinho tão intenso que Marina sentiu um nó na garganta — ou no que agora era sua garganta de bebê.
Ao lado, um garotinho de uns seis anos, cabelo castanho desgrenhado e bochechas coradas de frio, a observava com curiosidade.
Pequeno Tomás
— Mamãe! Ela abriu os olhos! — disse, com um sorriso que mostrava um dente faltando.
A mulher se emocionou, acariciando o rostinho minúsculo da recém-nascida.
Mamãe Elisa
— Bem-vinda ao mundo, minha pequena Helena.
O nome soou estranho… até que Marina percebeu: estava num berço de madeira, enrolada em um cobertor de lã grosseira.
Suas mãos eram minúsculas, e quando tentou falar, só um choro fraco saiu.
Ela, que tinha morrido de fome e exaustão num escritório, agora estava viva de novo — como filha de camponeses, num lugar que parecia ter saído de um livro de fantasia.
E, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que o prazo não era mais o problema… mas sim sobreviver.
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O teto de madeira já não parecia tão estranho.
Em poucos dias, Helena havia decorado cada nó e cada rachadura dele.
Bebê Helena
“A vantagem de ser um bebê”, pensou, “é que todo mundo acha normal você passar horas olhando pro nada”.
O calor da lareira aquecia o pequeno quarto, e o cheiro de fumaça misturado com pão assando começava a se tornar familiar.
O irmão — Tomás — vinha sempre espiar o berço. Às vezes fazia caretas, às vezes tentava “ensinar” palavras, mesmo que ela só conseguisse responder com sons estranhos.
Pequeno Tomás
— Repete: to-ma-te — dizia ele, segurando um legume torto.
Bebê Helena
Helena apenas balbuciava algo que soava mais como “blé”.
Pequeno Tomás
Tomás ria, satisfeito como se tivesse dado aula para um sábio.
Mamãe Elisa
A mãe vivia ocupada, indo e vindo com cestos de lenha, vasilhas e panos, mas sempre encontrava um momento para acariciar a bochecha da filha.
Mamãe Elisa
— Minha pequena trabalhadora… você ainda vai me ajudar muito um dia.
Bebê Helena
“Se soubesse que eu já fui escrava de um escritório, ia reconsiderar essa profecia.”
À noite, quando tudo ficava silencioso, ela ouvia ratos correndo no telhado e vento batendo nas frestas da parede. Não era o apartamento barulhento da cidade, mas era um som que ela começava a achar… aconchegante.
O problema é que, junto com essa paz, vinha também a certeza: ela estava num mundo onde não podia se virar sozinha. Ainda.
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