Casa do leão e a raposa

...Yuna...

O som dos meus passos ecoava firme pelo corredor de mármore, ritmado e preciso. A maioria dos funcionários desviava o olhar assim que me notava — alguns se curvavam, outros apenas congelavam no lugar. Não era medo, exatamente. Era respeito... e talvez uma pontinha de receio.

Normal. Eu me acostumei.

Mas hoje... havia algo diferente em minha mente. Algo que me acompanhava como uma sombra silenciosa em cada passo que eu dava.

Emily Bennett.

A filha do chefe. A garota de sorriso escancarado e olhos violetas, que parecia brilhar em cada tela, cada vídeo, cada aparição pública.

Por que... ela me chamava tanta atenção?

Não era só porque eu fui designada para protegê-la. Eu já escoltei políticos, reis, CEOs. Já salvei presidentes de sequestros. Já eliminei alvos em países que nem existem mais.

Mas ela...

Tinha algo diferente. Algo que incomodava. Como uma pequena agulha invisível debaixo da pele.

Passei por uma grande vidraça que dava vista para o campo de treinamento externo, onde uma equipe fazia exercícios de combate. Observei por alguns segundos — movimentos lentos, sem foco, previsíveis.

— Vão morrer em campo — murmurei sozinha, continuando a andar.

Meus olhos, de um vermelho sutil como vinho escuro, observavam tudo ao redor com calma. Eu via tudo. O menor deslize. A mais ínfima hesitação.

Meu corpo, leve e silencioso, parecia flutuar em cada movimento.

Caminhar era como caçar.

E enquanto me perdia em meus próprios passos, pensei no que realmente nos tornava diferentes.

Nesse mundo moderno e decadente… os metamorfos nasceram como exceções da natureza.

Pessoas com traços de animais raros, que despertavam habilidades físicas sobre-humanas. Força, velocidade, reflexos, faro, resistência.

A maioria das nações tentou controlá-los. Outros, os venderam. E o resto... bem, se tornaram criminosos.

Roubo, assassinato, manipulação. Os metamorfos se tornaram sinônimo de caos e instabilidade.

É por isso que esta empresa existe. Uma força especial para conter e empregar metamorfos em missões sigilosas e de segurança mundial.

Aqui, só metamorfos trabalham. Nenhum humano comum conseguiria acompanhar.

E mesmo entre todos... eu sou diferente.

A única raposa branca.

O segundo exemplar desse tipo desde os tempos antigos, desde a lenda da Deusa Raposa — a entidade misteriosa que, segundo os mitos orientais, teria dado origem à linhagem dos metamorfos de raposa.

Raposas normais são raras.

Raposas brancas, então... 0,000001% de chance de existir uma.

Sou literalmente a segunda da história registrada.

Max é um metamorfo de leão.

Força bruta, rugido sônico, resistência absurda.

Mas limitado. Fácil de prever. Impulsivo demais.

Lili é uma tigresa.

Rápida, ágil, feroz. Usa garras envenenadas e visão noturna.

Mas tem temperamento instável. Racha emocional fácil.

Gabi é uma águia.

Visão telescópica, precisão absurda, controle de correntes de ar.

Inteligente, estratégica, mas frágil fisicamente.

Eles são poderosos. Claro.

Mas não têm o que eu tenho.

Meu verdadeiro poder…

Ninguém aqui conhece. Nem o Sr. Richard. Nem o Conselho.

O dom especial da raposa branca. Um presente da própria Deusa.

Atravessar qualquer coisa.

Qualquer objeto.

Qualquer material.

Metal, pedra, vidro, concreto.

Até mesmo... barreiras mágicas, campos de energia ou escudos invisíveis.

Se eu quiser, posso atravessar um prédio inteiro como se fosse feito de papel.

Posso passar por uma parede e arrancar o coração de alguém do outro lado sem ser vista.

Mas nunca usei esse poder à vista de ninguém.

Não por medo.

Mas porque… bem, é meu.

Só meu.

— “Segredos são mais fortes do que paredes.” — murmurei, repetindo uma das frases que minha mãe costumava dizer, quando eu era criança.

Virei à esquerda, passando pelo setor de segurança avançada. Um grupo de recrutas me viu e imediatamente abriu espaço. Alguns me cumprimentaram com reverência. Um deles deixou cair um copo de café de nervoso.

— Relaxem — falei sem parar de andar. — Eu só mordo quando me mandam.

Um deles soltou um riso nervoso. Eu nem olhei.

Cheguei até a sacada mais alta do prédio, que dava vista para a cidade lá embaixo. O vento forte bagunçou meus cabelos brancos e assobiou entre minhas orelhas de raposa, que se mexeram suavemente.

Ali, sozinha, suspirei fundo.

— Emily Bennett... — falei, quase em um sussurro.

Por que você me incomoda tanto?

Por que sua imagem não sai da minha cabeça?

Será por causa dos olhos? Daquele jeito irritantemente sincero de sorrir?

Ou talvez… porque, mesmo cercada de luxo e fama… você tem aquele mesmo olhar que eu vejo no espelho?

Um olhar solitário.

Encostei os braços na sacada, fechando os olhos por um instante.

Amanhã eu estaria ao lado dela.

Como sua guarda-costas.

Como sua sombra.

E ela não fazia ideia de quem eu era.

Do que eu podia fazer.

Do que eu já fiz.

Mas talvez…

Nem eu saiba ainda quem ela é de verdade.

Sorri de canto, abrindo os olhos lentamente.

O sol começou a se pôr, tingindo o céu de laranja e dourado.

Minha cauda, escondida até então sob o casaco, balançou suavemente, revelando os pelos brancos como neve pura.

— Que venha a princesa do caos. — murmurei. — A raposa branca está pronta.

A noite chegou silenciosa.

Como sempre, fui a última a sair da empresa.

Desci de elevador até o subsolo, onde meu carro me esperava sozinho, cercado por um sistema de segurança biométrica avançado. Um sedã preto, de vidros espelhados, com motor silencioso e blindagem especial — presente do próprio Sr. Richard no meu último aniversário.

Entrei sem pressa, liguei o carro, e deixei que a escuridão da cidade me envolvesse.

Minha casa ficava no alto de uma colina, afastada de tudo. Nenhum vizinho. Nenhum som. Só eu, os ventos noturnos, e o céu.

Desci do carro e caminhei pela longa entrada ladeada por lanternas japonesas que acendiam com sensores de movimento. Abri a porta da frente com um toque na maçaneta e entrei em um silêncio quase sagrado.

Nada de luxo desnecessário. Apenas o essencial.

Tatames. Espadas em exposição. Uma lareira baixa. Janelas de vidro que iam do chão ao teto.

E, claro...

minha parede de registros.

Caminhei até ela, tirando o casaco. Uma enorme estrutura de madeira onde estavam penduradas dezenas de fotos, selos de missões, fragmentos de jornais. Cada item era uma memória de um alvo neutralizado, uma pessoa protegida, uma missão cumprida.

Meus olhos pararam em um espaço vazio no canto superior esquerdo.

O único sem nada.

O único reservado.

— Emily Bennett... — murmurei. — Será que sua foto vai parar aqui?

Sorri sozinha e fui para o banho.

Água quente. Vapor. Pele quente. Corpo relaxado.

Deixei a água escorrer pelos meus cabelos brancos, sentindo cada gota como se purificasse os pensamentos que me perseguiam. Mas ela ainda estava ali. Mesmo com os olhos fechados, ainda via o rosto dela, sorrindo na televisão como uma atriz em um comercial.

Tentei dormir cedo. Mas não consegui.

Me revirei por horas no futon, ouvindo os sons da floresta lá fora.

Só adormeci quando o céu começou a clarear.

---

Acordei sem alarme. Sempre acordo sozinha. Meu relógio biológico é mais confiável que qualquer tecnologia.

05:12 da manhã.

Levantei e fiz meus treinos: 300 flexões, 200 abdominais, 1 hora de katas com a espada.

Depois, vesti o uniforme da corporação. Preto, elegante, moldado ao corpo, com a insígnia da raposa bordada discretamente no colarinho. Por cima, coloquei um sobretudo escuro, longo, de gola alta. Meus cabelos brancos estavam soltos, caindo pelos ombros. As orelhas, escondidas sob um capuz sutil.

Peguei os óculos escuros e saí.

---

A casa do Sr. Richard ficava em um dos bairros mais nobres da cidade. Mansão moderna, cercada por muros altos, vigilância de elite, sensores térmicos e dois cães gigantes na entrada — metamorfos também, é claro. Lobos cinzentos.

Eles me reconheceram e abriram espaço sem rosnar.

— Inteligentes — comentei, passando entre eles.

O mordomo me esperava na entrada. Um homem alto, vestindo um terno impecável, com expressão neutra.

— A Srta. Seo Yuna chegou. — anunciou ao microfone de lapela. — O Sr. Richard a aguarda na sala de chá.

— Obrigada — respondi, com um leve aceno.

Caminhei pelo interior da mansão. Estava tudo impecável, claro. Quadros caros. Esculturas raras. Espelhos limpos como cristais. Mas havia algo... frio.

Tudo era bonito. Mas vazio.

Encontrei o Sr. Richard sentado em uma mesa baixa, com uma chaleira fumegante à frente.

— Sente-se, Yuna. — disse ele, sorrindo com aquele cansaço nos olhos que só pais muito ricos e muito poderosos carregam.

Sentei-me com postura perfeita, as mãos sobre os joelhos.

Ele me serviu chá sem dizer nada por alguns segundos. Então, respirou fundo.

— Ela está no andar de cima — disse, finalmente. — Emily. Ainda está se arrumando. Está... animada. Não conhece você, claro. Só viu seu dossiê. Mas já fez mil perguntas.

— Imagino — respondi. — Devo chamá-la de "Senhorita Emily"?

Ele deu um pequeno sorriso.

— Chame como quiser. Mas, por favor... cuide dela. Eu não peço favores. Nunca. Mas essa... é minha filha.

— Eu entendo — falei, olhando nos olhos dele. — E farei o que for necessário.

Ele assentiu.

— Você vai morar com ela por um tempo. Haverá ameaças. Invasões. E talvez... uma guerra nas sombras. Estamos recebendo avisos de uma organização contrária aos metamorfos vivendo entre os humanos. E como ela é uma figura pública... é o alvo perfeito.

— Entendido.

Ficamos em silêncio por um momento. Então, ouvimos passos no andar de cima. Rápidos, leves. E... tropeços.

— AI MEU DEUS! — uma voz feminina gritou lá em cima. — EU CAÍ NA ESCADA DE NOVO!

O Sr. Richard suspirou, passando a mão na testa.

— Ela é... energética — disse ele, com um sorriso derrotado.

— Eu percebi — falei, tentando conter um sorriso. Mas falhei. Minha boca se curvou num leve traço divertido.

E então...

Ela apareceu.

Descendo as escadas com uma saia rodada, blusa de gola, meias altas e o cabelo castanho preso em dois rabos laterais. Os olhos violetas brilhavam como luzes de boate, e o sorriso que ela abriu ao me ver quase me fez parar de respirar por um segundo.

Ela correu até nós, animada, sem cerimônia.

— Você é a raposa branca?! — disse, com brilho nos olhos. — UAU! Eu pensei que seria uma senhora séria e com cara de demônio, mas você é... tipo... MUITO BONITA!

Pisquei.

Lentamente.

— Obrigada... eu acho?

Ela deu a volta em mim, me observando.

— E ALTA! CARAMBA! Você usa salto?

— Não.

— Então você é só... naturalmente alta e maravilhosa, é isso?

— ...é isso.

Ela sorriu.

— Eu sou Emily! Mas você já sabia, né? Hihi! E você é...?

— Seo Yuna. Mas pode me chamar só de Yuna.

Ela estendeu a mão. Eu hesitei... e apertei.

A mão dela era quente.

A minha, fria.

— Yuna... — repetiu ela, como se saboreasse o nome.

E por um momento, apenas um…

Eu senti.

O tempo desacelerar.

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