Dois dias depois, Isabela voltou ao morro da Boa Esperança.
Dessa vez, de tênis, cabelo preso num coque frouxo e sem salto nenhum. Mas ainda com a mesma postura ereta, o olhar decidido e os lábios pintados de vermelho queimado.
O projeto social precisava de estrutura, organização, planilhas... e ela era boa nisso. Mas no fundo, sabia que havia outro motivo a puxando de volta.
Sabia... e odiava admitir.
Quando subiu as vielas, todos olharam. Comentários baixos, risadinhas maliciosas. Mas ela manteve o passo firme, ignorando tudo.
— A patricinha voltou — murmurou alguém atrás dela.
Ela apenas respondeu sem virar o rosto:
— E dessa vez com tempo.
---
Kael estava sentado na laje, ouvindo um dos soldados falar de uma possível movimentação da milícia. Até que viu ela. Subindo. Séria. Linda. Intocável.
— Pega a visão ali, Dedé — disse, tirando os olhos do rádio e apontando discretamente.
Dedé assobiou.
— Tá de volta, patrão.
Kael apenas assentiu e desceu, com passos lentos, como um predador cercando o alvo. Mas quando chegou perto dela, ela nem sorriu.
— Eu volto e você não diz nem um "oi"?
— Eu vim trabalhar, não fazer social — ela respondeu, seca.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Trabalhar no meio do meu território?
— A favela não é sua, Kael. É das pessoas que vivem aqui. Eu só vim ajudar.
A resposta foi rápida, firme, afiada como navalha.
Kael riu, mas havia respeito no olhar. Aquela mulher não era só boca vermelha e curvas de enlouquecer. Ela tinha força. Tinha fogo.
— E você sempre fala assim com quem te protege?
— Eu agradeço o que fez, mas não tô aqui pra flertar com traficante.
Aquilo foi um soco sem mão. E ele gostou.
— Tô vendo que você adora um desafio.
— Tô vendo que você adora pensar que já ganhou. — ela respondeu e passou por ele sem esperar.
Kael a observou de longe enquanto ela organizava caixas, falava com as mulheres do morro, anotava tudo com postura e coragem. Era impossível não olhar. Impossível não desejar.
---
Horas depois, já no fim do dia, ele se aproximou quando a maioria tinha ido embora. Ela estava sozinha guardando papéis na mochila.
— Você se acha melhor que a gente, né?
— Eu me acho diferente. E você também é.
— Diferente como?
— Você me deixou entrar no seu mundo, Kael. Mas isso não significa que eu pertenço a ele.
O vento jogava alguns fios do cabelo dela no rosto. Kael se aproximou mais um passo. Só um. O suficiente pra ela sentir o cheiro dele: amadeirado, quente, com um toque de pólvora e pecado.
— E se eu quisesse você aqui?
— Então ia ter que querer do jeito certo. — Ela levantou o rosto, olhos nos dele. — E do jeito certo não combina com a sua vida.
Kael segurou o queixo dela com firmeza, mas sem força.
— Você fala bonito, princesa. Mas seu olho tá queimando igual o meu.
Ela não recuou. Mas também não se entregou.
— Desejo não é suficiente. E eu não sou seu prêmio. — Ela soltou o rosto dele devagar. — Me ganha… se for homem pra isso.
Virou as costas e desceu a viela.
Deixou Kael parado, com o coração acelerado, o ego ferido… e uma vontade insana de provar que ela era dele.
Do jeito dela.
Na hora dela.
---
Naquela noite, ela apagou as luzes do quarto e encostou na janela. Lá fora, a cidade acesa. O Rio dormia e ardia ao mesmo tempo.
O celular vibrou.
Mensagem desconhecida:
> “Você não é minha. Ainda.”
– K
Ela sorriu sozinha. Mas não respondeu.
Ia deixar ele no fogo.
Porque ninguém toca nela sem merecer.
---
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 23
Comments