A noite caía com um brilho especial naquela cidade que parecia ter parado no tempo apenas para esperar por ela. As luzes penduradas sobre a praça principal piscavam devagar, como se respirassem, e o som de risadas, música e passos ecoava em um ritmo suave, embalando o coração de Clara com uma nostalgia quase palpável.
Annelise a puxava pela mão entre as barraquinhas, como se nada tivesse mudado desde os doze anos de idade. Clara ria, tentando equilibrar um copo de milho quente enquanto a amiga falava sem parar.
— Eu nem acredito que você voltou justo na semana da Permanência! — disse Annelise, os olhos brilhando. — É o evento mais lindo da cidade. Lembra que a gente vinha ver o coral das crianças e ficava pulando pra enxergar?
Clara assentiu, os olhos vagando pelas luzes, pelos rostos familiares, pelo cheiro de canela e pão de queijo que flutuava no ar. A praça parecia um retrato da infância, só que mais vivo agora, mais presente. Mais dela.
— Acho que não lembrava que era nessa época, não. Mas tá sendo... — ela sorriu, olhando em volta — bonito voltar assim.
As duas pararam perto do coreto, onde um grupo de jovens ensaiava um dueto sertanejo. O som dos violões embalava os pensamentos de Clara. Ela não sabia ainda se tinha voltado ou apenas se escondido do mundo. Mas ali, entre cheiros e sons antigos, havia um sentido novo se formando devagar.
— Olha quem tá ali — Annelise disse, inclinando o queixo discretamente.
Clara seguiu o olhar e viu Vicente, encostado perto da barraca de doces, com uma camisa azul clara que combinava com o céu da tarde anterior. Ele não a tinha visto ainda. Estava conversando com um senhor e sorria de um jeito que acalmava tudo por dentro.
Clara não soube o que fazer. Sentiu o coração bater diferente, como se estivesse lembrando de algo bom que nunca quis esquecer. Não era sobre o passado. Era sobre o presente, ali, olhando para ele agora.
— Você vai lá? — perguntou Annelise, travessa.
Clara riu, balançando a cabeça.
— Não vou atrapalhar...
— Ah, então eu vou fazer isso por você — e, antes que Clara protestasse, Annelise já estava acenando. — Vicente!
Ele se virou, e quando viu Clara, o sorriso veio fácil, sem esforço. A naturalidade do olhar dele a fez respirar com mais calma.
— Clara... — ele disse, se aproximando, as mãos nos bolsos, o passo tranquilo como ele sempre fora. — Que bom te ver de novo.
— Você também — ela respondeu, e não precisou dizer mais. O olhar sustentado dizia o resto.
Annelise, claro, não perdeu a oportunidade.
— Vocês lembram de quando a gente tentou montar uma barraca de limonada nesse mesmo lugar? Eu tenho uma foto horrível de vocês dois cobertos de suco!
Eles riram, lembrando de mãos pegajosas, copos tortos e gargalhadas ao sol.
Annelise, com o faro afiado de quem sabia quando dar espaço, tocou o braço de Clara.
— Eu vou pegar um vinho quente. Querem?
— Vai lá — disse Clara, agradecendo em silêncio.
E então ficaram os dois. O som do evento em volta parecia mais baixo por um instante. Só os dois ali, sob as luzes amarelas, com as lembranças entre eles e algo novo surgindo no ar.
— Você parece diferente — Vicente disse, olhando-a nos olhos.
— O tempo faz isso, né?
— Às vezes faz a gente voltar a quem a gente realmente era.
Ela sorriu, e então...
— Clarinha?
A voz vinha de trás e foi como um trovão suave rasgando o ar entre os dois.
Ela virou e viu Lucas, o mesmo sorriso expansivo de sempre, os braços abertos já indo ao encontro dela.
— Eu sabia que era você! — ele disse, já a abraçando com força, fazendo-a rir sem jeito.
Vicente, discreto, deu um passo para o lado, mas o olhar ainda nela. Clara notou. Lucas também.
— E aí, irmão — Lucas cumprimentou Vicente, rápido, quase como quem marca território sem dizer nada.
— Boa noite, Lucas — disse Vicente, tranquilo como sempre, mas com um olhar que Clara não soube decifrar.
Ela ficou entre os dois. E sentiu, sem saber explicar por quê, que a noite ainda guardava capítulos que nem ela mesma imaginava escrever.
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Atualizado até capítulo 48
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