"Voto de castidade, um caramba"

Acordei atrasada. De novo.

O sol já tava se esgueirando pela fresta da janela e eu ainda tava debatendo com o cobertor se levantava ou se fingia desmaio.

Olhei pro hábito jogado na cadeira. Ele me olhou de volta.

E eu pensei:

“Se for pra passar mais um dia fingindo santidade, pelo menos que tenha café forte e padre bonito.”

Me vesti às pressas, quase rasgando o véu. Me atrapalhei no botão da frente e fui sair do quarto com a meia de um pé só.

Vida de freira fake é difícil.

Mas vida de fugitiva com fogo no corpo e um padre gostoso por perto? É pior ainda.

Cheguei na sala comunitária toda descabelada, com cara de quem pecou só por existir.

Isabela me olhou com pena.

— Acordou agora?

— Não, acordei ontem e só decidi vir hoje — resmunguei, pegando um pão duro e tentando engolir junto com a vergonha.

E pra melhorar: Madre Teresa me chamou.

Lá vem bronca.

Mas não. Ela queria favor.

— Irmã Clara, precisamos que você substitua a irmã Rosa na aula de catequese. Ela está com enxaqueca.

Catequese.

Crianças.

Bíblia.

Misericórdia.

— Claro, madre — sorri. Mas por dentro eu gritava: “EU MAL SEI QUEM FOI SÃO PEDRO, MULHER!”

---

Cheguei na sala com uma lousa, um giz e um desespero.

As crianças me olhavam como se eu fosse mágica.

Mas mágica eu não sou.

Eu sou Valentina. De TPM. De mentira. E de carne.

Tentei começar falando sobre Moisés, mas acabei confundindo com Noé. Falei de arca, mas mencionei o mar se abrindo.

Foi um show de horrores bíblicos.

Até que um menino levantou a mão e perguntou:

— Irmã, você já viu um milagre?

Pensei em responder: “Vi um padre que me faz suar só de respirar.”

Mas sorri e falei:

— Milagre é acordar todo dia e não socar ninguém. Isso já é vitória.

Silêncio.

Segundos depois, gargalhada geral.

A aula virou bagunça. Mas pelo menos eles riram.

Aí, no meio da confusão… ele apareceu.

Padre Tomás.

Parado na porta, braços cruzados, olhar curioso. Ou crítico. Ou sei lá.

Eu gelei até a alma.

Ele entrou devagar. As crianças se acalmaram como se um anjo tivesse descido.

Eu só pensei:

“Tomara que ele não tenha ouvido a parte de socar gente.”

Ele me cumprimentou com a cabeça.

— Aula animada, irmã.

— Evangelização dinâmica. Método moderno. — Respondi, toda irônica.

Ele sorriu de leve. Um canto só.

Esse homem tem a capacidade de sorrir com meio rosto e deixar a gente com vontade de largar tudo.

Ele ficou lá por uns minutos. Observando. E eu tentando não tremer.

Depois, saiu sem dizer mais nada.

Mas deixou um rastro de calor que nem ar-condicionado espiritual resolveria.

---

Mais tarde, já perto do fim da tarde, eu tava no jardim tentando esquecer aquele olhar dele quando ele apareceu.

De novo.

Sentou no banco ao meu lado. Sem pedir. Sem perguntar.

Só chegou.

— Vim agradecer pela aula. As crianças gostaram.

— Espero que Deus tenha gostado também, porque eu inventei metade do que falei — soltei, rindo nervosa.

Ele riu baixo. Aquele riso que treme por dentro.

— Você não parece muito... tradicional.

— Eu pareço viva. E sinceramente, não sei se isso me salva ou me condena.

Silêncio.

Ele me olhou. Com calma. Com profundidade.

— Por que veio pra cá?

Pausa.

Engoli seco.

Olhei pra frente.

— Porque se eu não viesse, eu morria. Ou matava alguém. As duas opções estavam ruins.

Ele não insistiu. Só baixou os olhos.

E nesse momento, uma folha caiu no meu ombro. Sabe aquele tipo de coincidência besta que parece cena de novela? Pois é.

Ele esticou a mão e tirou a folha.

Devagar.

Delicadamente.

Mas o toque dele… foi tipo faísca no nervo.

Minhas costas enrijeceram. Meu pescoço ficou quente. Minhas pernas esqueceram como funcionava o joelho.

E ele também ficou estranho. A mão dele parou no ar. A respiração ficou presa. O olhar ficou... denso.

Foi um segundo. Mas pareceu um livro inteiro.

Me levantei na hora.

— Preciso... preciso ir ajudar na cozinha.

— Claro. — ele respondeu, com a voz mais baixa.

Mas não era voz de padre.

Era voz de homem segurando vontade.

Saí dali como quem foge do fogo.

E no fundo... era fogo mesmo.

---

No meu quarto, fechei a porta com força.

Joguei o véu longe.

Sentei na cama com o coração batendo no estômago.

“Você tá pirando, Valentina.”

É isso. Só pode.

Mas aí, lembrei do toque.

Do olhar.

Do jeito que ele respirou.

E aí pensei:

“Se isso é pecado… então eu não quero ser santa.”

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