Eu juro que tentei. De verdade.
Tentei me concentrar nas orações. Tentei me lembrar que tô aqui fugindo, me escondendo, sobrevivendo. Que esse lugar é sagrado. Que o homem de batina preta é só isso: um homem de batina.
Mas toda vez que aquele padre passa, o sangue sobe. O juízo desce. E minha alma fica no meio sem saber pra onde corre.
E o pior: hoje ele resolveu ser simpático.
Sim, ele me cumprimentou com aquele meio sorriso que devia ser proibido no catecismo.
— Dormiu melhor, irmã? — ele perguntou quando me viu atravessando o jardim, toda molhada de orvalho e arrependimento.
Eu congelei. Olhei pra ele como quem olha pra um abacaxi tentando seduzir.
— Dormi. Mas sonhei. — Respondi, só pra ver no que dava.
Ele arqueou uma sobrancelha. De novo. Esse homem vive com a sobrancelha levantada. É tipo uma arma de sedução santa.
— Sonhos bons?
— Sonhos confusos. — respondi, sincera demais pro meu próprio bem. — Daqueles que a gente acorda suando e sem entender se era pesadelo ou... outra coisa.
Ele disfarçou o sorriso, mas eu vi. E eu senti.
Eu podia jurar que o ar entre nós ficou mais pesado. Mais quente. Mais... errado.
Tive que sair andando. Se eu ficasse mais dois segundos, ou eu rezava um Pai Nosso de joelhos ou pulava no colo dele. E olha... o hábito não era de elástico.
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No refeitório, sentei do lado de Isabela. Ela é tipo uma aspirina emocional. Traz paz. Ou tenta.
— Você parece... agitada hoje — ela comentou, toda delicada, mordendo um pedaço de pão como se fosse porcelana.
— Parece que eu tomei café com gasolina, né?
Ela riu.
— Ou que viu o diabo.
Quase cuspi a água.
— Oi? Que diab... quer dizer — respirei — você tá me chamando de pecadora?
— Eu só disse que seus olhos tão inquietos. — Ela deu de ombros. — Coração assim costuma ter dono. Ou trauma.
Acertei o pão no prato. Trauma tem nome, sobrenome e anda armado por aí: Julián Montenegro.
— Coração aqui tá fora de serviço, Isabela. Tá em manutenção. E se alguém tocar, leva choque.
Ela deu aquele sorrisinho meigo.
Acho que ninguém acredita em mim nesse convento. Nem eu.
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Mais tarde, me mandaram pra ajudar na parte da limpeza da capela.
Claro, justo onde ele vive enfiado rezando, lendo, se ajoelhando com aquela batina que gruda nos músculos do jeito errado.
Eu estava ajoelhada no altar, limpando umas velas, quando ouvi a voz dele atrás.
— Irmã Clara.
Fechei os olhos. Suspirei. Me preparei pra errar de novo.
— Padre Tomás — falei virando devagar, com a escova na mão e o coração no pescoço.
— Precisa de ajuda?
“Não. Mas se quiser me salvar, é por aqui mesmo”, pensei.
Mas só respondi:
— Tô bem. Só fingindo que sei o que tô fazendo.
Ele se aproximou. Pegou um pano e começou a limpar ao lado. Ombro com ombro. Corpo com corpo. Ar com eletricidade.
— Está se adaptando bem? — ele perguntou, como quem não quer nada, mas quer tudo.
— Adaptando é uma palavra forte. Tô sobrevivendo. Enganando umas velhas e tentando fingir que não quero sair correndo.
Ele parou. Me olhou.
— Correndo do quê?
Silêncio.
Eu congelei.
Ele não fazia ideia do que aquilo despertava em mim. E talvez tivesse feito sem querer.
Talvez.
— Do mundo. De mim. Dos homens. — soltei, sem filtro. — Mas o senhor não precisa ouvir isso, né? Vai acabar rezando por mim a noite toda.
— Talvez eu reze mesmo. — ele respondeu, sem desviar os olhos.
E aí eu vi.
Nos olhos dele.
Ele não era tão imune quanto parecia.
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Mais tarde, na cela (a gente chama de quarto, mas é cela mesmo), eu não consegui dormir.
Revirei na cama. Lembrei de tudo. Da forma como ele olhou. Do jeito que ele falava comigo. Da batina. Da pele.
Da minha pele querendo tocar a dele.
Me odiei um pouco.
Depois, me desculpei comigo mesma.
Depois, pensei:
"Não era pra ser assim. Eu vim aqui pra esquecer um homem, não pra desejar outro."
Mas o desejo não é educado.
Ele chega sem pedir licença.
E eu tô ferrada.
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Atualizado até capítulo 38
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