Na própria matilha, muitos a apoiaram, especialmente os mais jovens e as fêmeas, que viam nela uma inspiração. Mas fora dali, em outras alcateias, começaram a surgir murmúrios. Alguns a chamavam de ingrata, outros de insolente. Para muitos, o laço com o companheiro era sagrado demais para ser negado.
Kael, por sua vez, não deixou o orgulho ferido curar com o tempo. Ele inflamou ainda mais os comentários. Contou versões distorcidas da verdade, sugerindo que Maya o havia humilhado em público, que o rejeitou por arrogância, por achar que merecia alguém “melhor”.
Maya não se preocupava com isso — ao menos não demonstrava. Mergulhou no treinamento com seu irmão. Passava horas na clareira, aperfeiçoando seus sentidos, aprendendo a controlar sua loba interior, Artemis, que se mostrava poderosa, veloz e protetora.
Em seu tempo livre, continuava a fazer o que sempre amou: passava horas com as crianças, colhia flores para os mais velhos, ajudava nos preparativos das festividades. Mas, por dentro, sentia-se isolada. Carregava um peso invisível: o de ter ido contra uma tradição antiga e poderosa.
— Eu sei que fiz o certo — disse um dia, sentada com Josh à beira do rio. — Mas às vezes me pergunto se algum dia serei aceita de novo… por completo.
— Você será — garantiu o irmão. — Talvez não por todos. Mas será amada de verdade, um dia. Por alguém que verá quem você é, não quem esperavam que fosse.
No campo, Maya mantinha o foco no treinamento. Seu corpo se movia com precisão, os golpes eram firmes, e sua loba interior, Lira, vibrava de energia, satisfeita. Mas não passou despercebida aos olhos invejosos de Nayra, uma loba da própria alcateia, que há tempos sentia-se ameaçada pela presença de Maya.
Nayra se aproximou quando o treino terminou, a voz pingando veneno.
— Você acha que porque rejeitou um companheiro está acima de todos nós, não é?
Maya limpou o suor da testa e a encarou com calma.
— Não acho nada, Nayra. Só vivo conforme acredito.
— Isso. Acredita tanto que preferiu ficar sozinha a aceitar o que Selene te deu. Sabe o que dizem sobre isso, não é? Que lobas como você terminam velhas e amargas, sem ninguém.
Josh avançou, pronto para defender a irmã, mas Maya ergueu a mão, impedindo-o.
— Melhor estar só do que ao lado de alguém sem alma.
A frase causou impacto. Nayra riu, mas por dentro ardia de ódio. Ela se afastou, deixando no ar a promessa silenciosa de que aquele conflito ainda não tinha terminado.
Naquela noite, a lua cheia surgiu com uma presença estranha. Algo parecia diferente no ar. Logo ao amanhecer, a resposta chegou.
Um uivo soou na entrada do território. Um mensageiro. Coberto com mantos escuros e acompanhado por guardas reais. Trazia um anúncio selado com o emblema da Alcateia Suprema.
O conselho se reuniu na clareira principal. Todos os membros estavam presentes. O mensageiro, com a postura imponente, abriu o pergaminho e leu em voz alta:
— “Por ordem do Alfa Supremo, Darian — soberano das Alcateias do Norte, do Leste e dos Territórios do Vale — comunica-se a todas as matilhas:
Após dois anos do falecimento da Rainha Mirca, será escolhida uma nova companheira, digna de ocupar o trono ao lado do Rei.
Todas as lobas entre dezoito e vinte e cinco anos, que possuam linhagem pura ou méritos reconhecidos pelos anciãos, poderão se apresentar para a seleção.
Será iniciado um ciclo de desafios sagrados, onde força, sabedoria e espírito serão testados. Ao final, três finalistas serão escolhidas. Dentre elas, a Pedra da Lua — relíquia sagrada da deusa Selene — revelará aquela que carrega em si a verdadeira essência da liderança, da coragem e da honra.
A eleita não será apenas Rainha — será guia, guerreira, e guardiã ao lado do Alfa Supremo.”
E então... a praça explodiu em reações.
— “Você ouviu isso?” — sussurrou uma loba loira de olhos escuros, prendendo o cabelo apressadamente como se já estivesse se preparando para os desafios.
— “A Pedra da Lua…? Isso é sério…” — murmurou um ancião, os olhos arregalados. — “Ele não escolhe desde a Rainha Elira.”
Outros começaram a cochichar entre si, com olhares ávidos e ambiciosos. Mães apertavam os braços das filhas, incentivando-nas com orgulho mal disfarçado. Algumas jovens riam nervosas, outras mantinham o queixo erguido, já se imaginando vestidas com as cores reais.
— “Será que que o Alfa Supremo vai assistir aos desafios pessoalmente?”
— “Ele nunca apareceu antes… Mas dizem que essa escolha será diferente.”
Josh sussurrou perto da irmã:
— Aposto que metade das lobas vai perder o sono com isso.
Maya, no entanto, sentiu um arrepio percorrer a espinha. Algo dentro de si reagiu àquelas palavras, como se Artemis houvesse se despertado.
Três dias se passaram. A rotina parecia inalterada, mas todos estavam atentos. Ninguém sabia quando ou onde o Alfa apareceria.
O que ninguém imaginava era que ele já estava entre eles.
Disfarçado como um dos guerreiros enviados para a matilha, representando o peso da Coria. o Alfa Supremo Darian observava em silêncio. Era alto, com cabelos negros e olhos de um cinza tão claro que pareciam feitos de gelo. Sua presença era contida, fria, quase invisível. Vestia-se de forma simples, usava o nome “Darrien” e falava pouco.
Havia algo em seus olhos que parecia sempre calcular, medir, pesar cada ação e palavra. Estava acostumado ao controle, ao comando, à obediência. E por isso mesmo, o que sentiu ao ver Maya pela primeira vez o desconcertou.
Ela estava sozinha, deitada na grama próxima ao lago, lendo um livro e rindo sozinha de algum trecho. O sol tocava sua pele dourada, e o vento bagunçava seus cabelos castanhos.
— Você parece feliz sozinha — disse ele, surgindo ao seu lado sem aviso.
Ela levantou os olhos, surpresa, mas não assustada.
— E você parece gostar de observar — retrucou, arqueando a sobrancelha.
Darian sorriu. Raro. Verdadeiro.
— Estou tentando entender algumas coisas.
— Por exemplo?
— O que faz uma loba rejeitar o companheiro escolhido pela deusa.
Ela fechou o livro.
— Ah. Então você é mais um curioso com isso.
— Talvez. Mas diferente dos outros, não acho que foi tolice. Só quero entender.
Maya olhou para o guerreiro por um momento mais longo, avaliando. Ele era bonito, isso era inegável. Mas havia algo além. Um peso nos ombros, uma dor silenciosa escondida atrás daqueles olhos frios.
— O vínculo é poderoso, mas não é absoluto. Às vezes, a deusa une caminhos para testar, não para forçar. Eu não passei no teste… Porque não aceitei o que me feria.
Darian sentiu como se algo dentro dele se partisse e se encaixasse ao mesmo tempo. Aquela loba… Era diferente de tudo o que ele conhecera. Não pela força, nem pela aparência. Mas pela alma.
— E se alguém te dissesse que você foi feita para reinar?
Ela soltou uma risada leve.
— Eu diria que essa pessoa deveria dormir menos e andar mais descalça na terra. Faz bem para voltar à realidade.
Ele riu. Pela primeira vez em anos, riu com leveza. E soube, ali, que tinha um problema.
Estava começando a sentir algo perigoso.
Não por uma loba qualquer. Mas por aquela que rejeitou o companheiro. Que desafiou tradições. Que falava com crianças e ajudava velhos. Que dançava com o vento e treinava como guerreira. Que tinha um espírito livre, indomável.
E essa loba, Maya, nem sonhava quem era o estranho guerreiro que começava a rondar sua presença com mais frequência, com perguntas sutis, elogios contidos, olhares longos.
Mas Nayra notou. E não gostou nada disso.
Ela não deixaria Maya brilhar de novo. Não quando o trono estava em jogo.
E Maya? Ainda não fazia ideia do quanto sua vida estava prestes a mudar.
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Atualizado até capítulo 34
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