O dia amanheceu com um brilho diferente, como se até o céu compartilhasse da ansiedade que vibrava dentro de Maya. Aos dezoito anos, ela despertava para um novo ciclo — não apenas como mulher, mas como loba. A primeira transformação era um marco, um rito sagrado da Matilha do Norte, esperado com orgulho e reverência. E agora, era sua vez.
Maya se levantou com o coração acelerado. O céu ainda estava tingido de tons alaranjados, e o ar da manhã trazia o perfume fresco das flores do bosque. Após suas higienes matinais, ela vestiu um vestido leve de linho branco, com alças finas e detalhes sutis de renda que sua tia havia costurado à mão. Seu cabelo, solto e macio, descia em ondas sobre os ombros. Ela queria estar leve, simples, como a natureza que a aguardava para aquele grande momento.
Ao descer as escadas da casa da matilha, Maya foi surpreendida por uma cena que a fez parar no meio do último degrau. Ali, parados em frente à escada com um sorriso radiante, estavam Josh, Ava e seu pai, Alfa Khalif. Um lindo bolo branco, coberto por frutas silvestres e dezenas de pequenas velas acesas, brilhava como uma constelação.
— Feliz aniversário, Maya! — disseram os três em uníssono.
Maya levou as mãos à boca, os olhos se enchendo de lágrimas.
— Vocês fizeram isso pra mim?
— Claro que sim, maninha! — disse Josh, já se aproximando para envolvê-la num abraço apertado. — Hoje é o seu grande dia. A nossa pequena loba está virando uma guerreira.
Khalif entregou-lhe um pequeno pingente em forma de lua crescente. — Isso era da sua mãe. Ela ganhou quando completou dezoito anos. Agora é seu. Hoje você entra para a história da nossa linhagem. Eu vi você nascer. Eu senti o primeiro choro, a primeira vez que olhou para mim. Agora… agora eu verei você se tornar quem nasceu para ser.
Maya o abraçou forte. O peito dele era um porto seguro, e ali, por um instante, ela era apenas a filha dele — e não a jovem loba prestes a se transformar.
— Obrigada por tudo, papai.
— Sempre, minha filha.
O dia passou envolto em emoção e expectativa. A aldeia se enchia de movimento, com membros da matilha do Norte e convidados da matilha vizinha chegando, trazendo oferendas, tambores, flores e incensos. As crianças corriam livres, as mulheres dançavam ao som das flautas e dos cantos antigos. Mas, dentro de Maya, tudo era silêncio e tensão.
Ela se perguntava como seria sua loba interior. Seria branca como a neve ou negra como a noite? Teria olhos de âmbar ou prateados como a lua? Seria forte? E o seu companheiro… onde estaria? Teria um bom coração? A aparência era um mistério, mas o que Maya mais desejava era alguém respeitoso, gentil, alguém que visse sua alma antes de sua beleza.
E então, o céu escureceu, pintado de estrelas. A floresta silenciou. A noite havia chegado.
Josh surgiu à porta, vestindo sua túnica cerimonial, com bordados que contavam as histórias ancestrais da família. Seu olhar era protetor e orgulhoso.
— Está pronta?
Maya assentiu, segurando a respiração.
O olhar de Josh se suavizou. Ele caminhou até Maya com um sorriso orgulhoso e emoção visível nos olhos.
— Você está linda, maninha… — disse ele, num sussurro rouco. — Nem acredito que o dia chegou. Parece que foi ontem que te ensinei a subir na árvore mais alta do pátio. Agora, você vai se tornar ainda mais forte.
Ele estendeu a mão, com cuidado.
— Vamos. A lua te espera. E eu vou estar do seu lado, como sempre estive.
Eles caminharam até a clareira sagrada, onde a luz da lua cheia tocava a terra como bênção. O círculo de pedra, no centro da clareira, já estava cercado por lobos e humanos. Tambores rufavam em ritmo lento, como batidas de um coração prestes a despertar. Fogos ardiam em tochas, e o ar era tomado por incensos que dançavam no vento.
O Alfa Khalif ergueu os braços ao céu. — Hoje, sob o olhar da Lua Mãe, Maya se une ao espírito ancestral dos lobos. Que ela encontre sua essência, e que sua loba se revele com verdade e força.
O círculo silenciou. Maya adentrou o centro da clareira. Os olhos se voltaram para ela. Seu coração pulsava com força, como se quisesse escapar do peito. E então, uma dor súbita tomou seu corpo — um calor que a fez cair de joelhos.
Ela gritou, um grito que ecoou pela floresta. Ossos se contorciam, músculos estalavam, pele se alargava. Era como se cada célula estivesse renascendo. Lágrimas escorriam de seus olhos cerrados enquanto seu corpo tremia. Mas em meio à dor, algo brilhava — algo antigo, sagrado. Algo vivo.
Com um último rugido, Maya caiu sobre as patas. Não mais mãos. Não mais pernas. Agora, era uma loba.
Uma bela loba.
Seus pelos eram prateados como a luz da lua. Os olhos, de um azul profundo, cintilavam como o mar ao amanhecer. Alta, elegante, com porte nobre e selvagem.
E então, uma voz surgiu dentro de si.
— Eu sou Lira. Sua loba. Sua essência. Sua força.
— Você é linda — pensou Maya, emocionada.
— E você é corajosa. Juntas, somos inteiras.
Elas correram juntas pela floresta, sentindo o chão, o vento, o chamado da natureza. Era liberdade. Era conexão. Era alma.
Mas então, algo mudou.
Um cheiro forte, quente, adocicado. Algo que fez o coração de Maya acelerar. O vínculo. Seu companheiro estava ali. Perto. Lira também sentiu.
— É ele. Ele está aqui.
Seguindo o cheiro, Maya se aproximou da borda da clareira onde estavam os convidados da matilha vizinha. Entre eles, um lobo de porte imponente a observava. Alto, musculoso, cabelos escuros e olhos dourados. Ele sorriu ao vê-la, com arrogância e certeza.
Kael.
Um guerreiro da matilha do Sul. Famoso por sua força em batalha, mas também por sua fama com as fêmeas — sempre pulando de cama em cama, tratando-as como troféus e não como iguais. Maya já ouvira histórias. Orgulhoso. Prepotente. Nunca respeitoso.
Kael caminhou em sua direção, confiante. Seus olhos não demonstravam surpresa ou emoção, apenas desejo de posse.
— Então é você… — ele disse, parando à frente da loba. — Minha companheira. Era de se esperar. Os deuses me dariam alguém à minha altura.
Maya recuou um passo, o coração batendo forte. Lira rosnou dentro dela.
— Não. Ele não é o que queremos.
— Não diga nada — Kael prosseguiu, aproximando-se ainda mais. — Eu irei reivindicá-la agora. Seremos um só, e você será minha fêmea. Vai se acostumar, todas se acostumam.
Maya voltou à forma humana num estalo, com o olhar em chamas.
— Você não vai me reivindicar — disse, com a voz firme, sem medo. — Não é isso que eu quero.
Kael franziu a testa, irritado. — Está rejeitando seu destino?
— Estou rejeitando você. Se o destino quis isso, ele errou.
Houve um murmúrio entre os presentes. Josh já se aproximava, pronto para protegê-la. Mas Maya ergueu a mão, mantendo todos afastados.
— Eu sonhei com esse dia a vida inteira. Não pra ser dominada por alguém que não me respeita. Quero um companheiro, não um dono. E se você não é capaz de me ver como igual, então não merece a bênção do vínculo.
Kael rangeu os dentes, ferido no ego. Mas antes que dissesse algo, o Alfa Khalif se aproximou com autoridade.
— A decisão da loba é soberana. E será respeitada.
Kael recuou, contrariando-se, e sumiu entre os convidados, sob os olhares de reprovação dos anciãos.
Maya respirou fundo. Estava tremendo. Mas sentia-se livre. Forte. Verdadeira.
Josh a abraçou por trás, sussurrando:
— Estou tão orgulhoso de você, minha irmã.
Ava chegou logo depois, com lágrimas nos olhos. — Você foi incrível, Maya. Nunca se curve por menos do que merece.
O pai a observava com reverência, como se estivesse diante de uma rainha.
Naquela noite, Maya não apenas se transformou em loba. Ela se transformou em mulher. Em guerreira. Em si mesma.
E embora seu companheiro não fosse o que esperava —, ela sabia de uma coisa:
Artemis estava com ela. E isso bastava.
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Atualizado até capítulo 34
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