O interior da Floricultura Fontes era um museu de memórias. A poeira cobria os móveis de madeira maciça, e o cheiro doce e terroso que Isabela tanto amava agora era quase imperceptível, abafado pelo cheiro de abandono. Ela passou a mão pela superfície de um antigo balcão de madeira escura e desgastada, onde sua avó costumava enrolar buquês com fitas coloridas. Acima dele, prateleiras vazias de madeira rústica esperavam por vasos e ferramentas. No centro, uma grande estufa de vidro, agora embaçada, refletia a luz fraca do fim de tarde, seus canteiros de terra seca e rachada. Pequenos raios de sol entravam pelas janelas em arco, com vidros empoeirados, iluminando as partículas de poeira que dançavam no ar.
Isabela colocou a mochila no chão e tirou o casaco, sentindo o ar pesado e parado do lugar. Cada passo ecoava no silêncio, um silêncio que parecia gritar por vida. Ela podia quase ouvir a risada suave de sua avó, Lúcia, e sentir o abraço apertado que recebia quando era criança. Lúcia Fontes, com seus cabelos brancos como nuvens e um sorriso que acalmava qualquer tempestade, era a alma daquele lugar. Isabela a via em cada canto, em cada vaso de barro empilhado, em cada ferramenta de jardinagem pendurada na parede. Lúcia tinha um jeito especial com as plantas, dizia que elas respondiam ao carinho e à conversa.
"Oi, vovó", sussurrou Isabela, a voz falhando um pouco. Seus olhos castanhos mel se encheram de lágrimas que ela se recusava a derramar. Não era hora de fraqueza.
Ela caminhou até os fundos, onde ficava o pequeno escritório. A porta de madeira, um pouco emperrada, abriu-se com um rangido. Lá dentro, a mesa de Lúcia ainda estava coberta por papéis e livros de botânica, como se ela tivesse saído por um instante e logo voltaria. Isabela sentou-se na cadeira giratória, o couro já gasto e rachado, e tocou os objetos: uma caneta com uma rosa esculpida, um porta-lápis cheio de sementes variadas, uma lupa empoeirada e, em um canto, um diário de capa de couro verde escuro, já bem envelhecida, com o nome "Lúcia" gravado em dourado.
Seus dedos percorreram a capa do diário, sentindo a textura do tempo. A avó sempre anotava tudo: receitas de adubos, datas de plantio, observações sobre as flores e, às vezes, pensamentos mais profundos. Isabela já tinha folheado o diário muitas vezes na adolescência, mas nunca com a atenção que daria agora. Talvez ali houvesse a chave para reerguer a floricultura, uma ideia, uma inspiração.
Enquanto isso, a poucos quilômetros dali, na moderna e imponente torre de vidro e aço da Incorporadora Albuquerque, Daniel estava em seu escritório. O ambiente era espaçoso, com móveis de design minimalista e uma vista panorâmica deslumbrante de Nova Friburgo. A mesa, feita de vidro temperado e metal polido, estava impecavelmente organizada, com apenas um computador de tela grande e alguns documentos. Atrás dele, uma grande janela do chão ao teto oferecia uma visão privilegiada da cidade, incluindo, lá no horizonte, o telhado envelhecido da Floricultura Fontes.
Daniel Albuquerque era um estrategista nato. Sua mente funcionava como um relógio suíço, preciso e incansável. Ele analisava gráficos e relatórios em sua tela, mas sua mente vagava para o encontro com Isabela. Ela era diferente. Não era a típica pessoa que se rendia facilmente à pressão, nem ao charme, que ele usava com maestria em suas negociações. Havia uma paixão genuína nela, uma defesa ferrenha que ele, em seu mundo de números e lucros, raramente encontrava.
Ele se levantou e foi até a janela. Seus cabelos escuros caíam sobre a testa enquanto ele observava a cidade. O brilho de seus olhos azuis refletia as luzes que começavam a pontilhar a paisagem. Ele se lembrava de ouvir seu pai, Otávio Albuquerque, um homem corpulento e de semblante sério, com os cabelos grisalhos impecavelmente penteados para trás, falar sobre a Floricultura Fontes quando Daniel era criança. Otávio sempre a descreveu como um "estorvo", um pedaço de terra mal utilizado em uma área nobre da cidade. A incorporadora de Otávio, antes de Daniel assumir a liderança, havia tentado comprar a floricultura algumas vezes, sempre sem sucesso. Lúcia Fontes era irredutível.
"Ela tem o mesmo fogo da avó", Daniel murmurou para si mesmo. Ele não gostava de ser contrariado, mas a resistência de Isabela não o irritava tanto quanto o intrigava. Ele sabia que o terreno era valioso, estratégico para os seus próximos empreendimentos de luxo. Mas havia algo mais, algo que seu pai nunca explicava, um interesse quase obsessivo de Otávio naquela propriedade específica.
De repente, a porta do escritório se abriu sem aviso. Verônica Sampaio, a prima de Daniel e vice-presidente da incorporadora, entrou com um sorriso forçado nos lábios. Verônica era uma mulher alta e magra, com um corte de cabelo moderno e loiro platinado que emoldurava seu rosto angular. Seus olhos, de um verde frio e calculista, analisavam Daniel com intensidade. Ela vestia um terninho elegante e justo, que realçava sua figura esguia.
"Soube que a herdeira da floricultura chegou", Verônica disse, sua voz um pouco áspera, mas com um tom de sarcasmo. "Problemas à vista, Daniel? Ou você já a convenceu a assinar o contrato?"
Daniel se virou para encará-la. "Ela não está disposta a vender, Verônica. Pelo menos não por enquanto."
Verônica riu, um som seco e sem humor. "Que surpresa. As pessoas geralmente caem aos seus pés, primo. Ou talvez você esteja perdendo o jeito?" Ela se aproximou da mesa, apoiando as mãos na superfície de vidro. "Deixe-me cuidar disso. Tenho algumas ideias para 'convencer' essa moça a ver a razão."
Daniel apertou os olhos. Ele conhecia bem as "ideias" de Verônica. Ela era implacável e, por vezes, cruel em suas táticas de negociação. Sua ambição era ilimitada, e ela sempre via Daniel como um obstáculo em seu caminho para o topo da empresa. "Não será necessário, Verônica. Eu cuido disso."
"Ah, claro. Você sempre quer cuidar de tudo. Mas essa floricultura é um espinho no nosso plano de expansão. E o papai...", ela hesitou, mas um brilho passou por seus olhos, "o tio Otávio está ficando impaciente."
Daniel sentiu um calafrio. Otávio Albuquerque era um homem que não admitia falhas. E a Floricultura Fontes parecia ser um ponto nevrálgico para ele.
Verônica percebeu a hesitação de Daniel. "Pense nisso, primo. Se você não conseguir, talvez eu precise intervir. Para o bem da empresa, é claro." Ela deu um sorriso de lado e saiu, deixando Daniel com um sentimento de desconforto.
Ele voltou a olhar para o telhado da floricultura, visível no horizonte. Isabela Fontes era um problema, sim, mas talvez não apenas para os seus planos de negócio. Algo em sua determinação e em sua aura a tornava mais interessante do que ele gostaria de admitir. E agora, com Verônica e seu pai na jogada, a situação se tornaria ainda mais complexa.
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Atualizado até capítulo 36
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