Sendo realista.

A noite caiu sobre a casa dos Takashi, trazendo consigo um silêncio pesado, apenas quebrado pelos sussurros ansiosos de Keiko e a respiração contida de Yashiro. As horas se arrastaram, e a preocupação com Yuri, trancada em seu quarto, crescia a cada minuto.

De repente, o som suave de uma porta se abrindo rompeu a quietude. Yuri emergiu do quarto, o rosto ainda pálido e os olhos um pouco inchados, mas com uma nova e estranha determinação. Ela caminhou até a sala, onde seus pais estavam sentados em um silêncio tenso, e parou diante deles.

"Eu decidi," Yuri começou, a voz ainda um pouco rouca, mas firme. "Eu vou voltar para a escola."

Um suspiro de alívio escapou dos lábios de Keiko. Seus olhos se encheram de lágrimas de alegria, e ela se levantou, pronta para abraçar a filha. "Oh, Yuri! Meu amor! Que boa notícia! Eu sabia que você ia tomar a decisão certa!"

Yashiro, que até então observava a filha com uma expressão cautelosa, assentiu lentamente com a cabeça. Um pequeno sorriso, o primeiro em dias, começou a se formar em seus lábios. "Você fez uma boa escolha, Yuri. É o melhor para você. Uma vida normal..."

Mas Yuri o interrompeu, a voz carregada de uma frieza que cortou o ar. "Não se engane, pai. Isso não é por você. Não é por vocês." Seus olhos, antes cheios de dor, agora ardiam com uma chama de desafio. "Isso é por mim. Esse corpo feminino não me define. Eu vou provar isso. Eu vou voltar para a escola e vou mostrar a todos que eu ainda sou Yuri Takashi. Eu vou voltar a ser quem eu sempre fui."

As palavras de Yuri pairaram no ar, carregadas de uma negação teimosa e uma determinação feroz. Keiko parou, o sorriso congelado, a alegria se misturando à apreensão. Yashiro, por sua vez, sentiu um arrepio. Aquele era o olhar de seu filho, o olhar do líder da Red Dragon, mas agora habitando um corpo que ele ainda se recusava a aceitar. A batalha de Yuri pela sua identidade estava apenas começando, e ela estava disposta a lutar contra tudo e contra todos, inclusive contra a própria realidade.

A manhã seguinte chegou, trazendo consigo a promessa de um novo começo, ou talvez, de uma nova batalha. Yuri se arrastou para o banheiro, a mente ainda um turbilhão de negação e fúria. Pela primeira vez desde a transformação, ela estava sozinha, sem o olhar vigilante da enfermeira ou dos pais. A água morna do chuveiro escorria por sua pele, e um impulso estranho a fez parar, as mãos explorando o contorno de seu novo corpo.

Seus dedos deslizaram pela pele antes familiar, agora estranha. Sentiu a delicadeza dos ombros, a curva suave dos seios que antes não existiam, a maciez da pele, a nova conformação de seus quadris. Havia uma estranha sensibilidade, uma leveza que contrastava com a robustez de seu corpo masculino anterior. Por um breve, quase imperceptível momento, um resquício de admiração surgiu. Uma curiosidade sobre a simetria, a suavidade, a complexidade daquele corpo feminino.

Mas essa admiração foi esmagada quase instantaneamente por uma onda avassaladora de frustração e raiva. Aquela não era ela. Aquela não era a força, a presença imponente de Yuri Takashi. Era um invólucro estranho, uma prisão que a impedia de ser quem ela era. A curiosidade deu lugar a um nó no estômago, a admiração se transformou em repulsa. Ela apertou os punhos, a água escorrendo por seus braços, e a imagem do antigo Yuri, forte e inabalável, inundou sua mente, contrastando cruelmente com a figura que ela sentia agora.

Ao sair do banho, o ar frio do quarto a fez estremecer. Seus olhos caíram sobre a cama, onde um uniforme escolar feminino estava cuidadosamente dobrado. A saia plissada, a blusa de corte mais justo, o laço no pescoço. Era o uniforme da Escola Secundária de Shibuya, mas adaptado para uma garota. Era um lembrete visual e brutal da sua nova realidade, uma imposição que ela se recusava a aceitar.

Yuri encarou o tecido, como se fosse um inimigo. Aquelas roupas não eram dela. Não representavam quem ela era, ou quem ela ainda teimava em ser. A batalha contra o tumor havia terminado, mas a guerra contra a sua própria identidade estava apenas começando, e o uniforme feminino sobre a cama era o primeiro campo de batalha.

Com um suspiro de pura frustração, Yuri pegou o uniforme feminino. Cada peça parecia queimar em suas mãos. A blusa, a saia, as meias — tudo era um símbolo da sua nova e detestável realidade. Com relutância, mas com uma teimosia furiosa, ela vestiu-o. O tecido da blusa roçava em seus novos seios, uma sensação incômoda e alheia. A saia, com seu comprimento até os joelhos, parecia uma amarra, privando-a da liberdade de movimento que seu corpo masculino conhecia. Olhou-se no espelho: a imagem refletida era de uma estudante qualquer, uma garota, não Yuri Takashi, o temido líder do Red Dragon. A repulsa que sentia por aquele reflexo era quase palpável.

Descendo as escadas, o barulho da cozinha indicava que seus pais já estavam à mesa. Yuri entrou na sala de jantar, o coração batendo forte, pronta para o confronto que cada dia trazia.

Keiko, ao vê-la, abriu um sorriso radiante. Seus olhos se iluminaram, e ela correu para abraçar Yuri, ignorando a postura rígida e o desconforto visível da filha. "Oh, Yuri! Você está linda! Esse uniforme te caiu tão bem, meu amor! Parece uma verdadeira estudante!" A voz de Keiko estava cheia de um entusiasmo forçado, uma tentativa desesperada de encontrar alguma normalidade e felicidade na situação.

Yuri sentiu o rosto esquentar. O elogio da mãe era um constrangimento profundo, um lembrete cruel do que ela havia se tornado. Ela se desvencilhou do abraço de Keiko, sentindo-se envergonhada e exposta.

Yashiro, sentado à mesa, observava a cena. Seus lábios estavam tensos, e seus olhos, embora tentassem se disfarçar, carregavam uma repulsa velada. Ele tentava esconder, mas Yuri, com a perspicácia aguçada de quem sempre leu as pessoas em seu antigo mundo de gangues, percebeu. O olhar de desgosto do pai era um espelho da sua própria alma.

Yuri caminhou até a mesa e sentou-se, encarando Yashiro diretamente. "Eu sei o que você está pensando, pai", ela disse, a voz baixa, mas carregada de uma intensidade cortante. "Eu sei exatamente como você se sente olhando para mim agora." Uma pausa dramática, os olhos de Yuri fixos nos de Yashiro, desafiando-o a negar. "Porque eu sinto o mesmo."

A confissão de Yuri pairou no ar, um golpe de honestidade brutal. Yashiro recuou ligeiramente, a máscara de dissimulação caindo por um instante, revelando a dor e a frustração que o consumiam. Keiko, observando a tensão entre eles, apertou os lábios, sentindo a sala se encher de uma tristeza e incompreensão que pareciam não ter fim.

***Esta obra está sob contrato com a NovelToon, e a pirataria, como a reimpressão sem permissão, é estritamente proibida.***

***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***