A Lógica do Fim
O sol da manhã de Itabira, impiedosamente familiar, esgueirava-se pelas frestas da persiana no quarto de Jessica Yamada, pintando listras pálidas no chão de madeira fria. Ela despertou. Não houve lampejos de eventos futuros, nem ecos de um passado desconhecido. Apenas o suave ranger da cama de solteiro quando ela se sentou, e o zumbido distante da vida comum do lado de fora. A mente de Jessica, uma máquina de processamento de dados sem o ruído das emoções, já estava ativa, catalogando o ambiente.
O quarto, com seus livros empilhados na escrivaninha e as roupas jogadas na cadeira, era uma constante, um cenário de estabilidade em um mundo que Jessica percebia como uma série de variáveis e funções. Seus olhos de "peixe morto", desprovidos de qualquer brilho emocional, escanearam o cômodo. Não havia nada fora do lugar, nada que exigisse uma reação diferente da habitual.
Ela levantou-se, os pés descalços tocando o piso frio e limpo. A ausência de seus pais, falecidos há anos em um acidente "comum", era um dado conhecido, já processado e arquivado. A foto na cômoda, um registro de rostos sorridentes, era apenas isso: uma imagem. Não evocava tristeza, apenas a constatação de duas variáveis que haviam sido removidas de sua equação familiar.
O silêncio na casa era a normalidade para Jessica. Não era vazio, mas sim a ausência de sons irrelevantes. Ela seguiu para o banheiro. O reflexo no espelho mostrava seu rosto pálido emoldurado pelos longos cabelos negros. Os olhos inexpressivos a encaravam de volta, um espelho perfeito de sua própria aversão à ineficiência das emoções humanas.
Jessica (Monólogo Interno): "Variável 'aparência': Consistente. Variável 'estado físico': Ótimo. Variável 'temperatura corporal': Dentro do esperado. Continuidade da rotina: Iniciada."
De volta ao quarto, ela vestiu o uniforme da Academia Arcana Aurora: a saia cinza, a camisa branca, o blazer azul. Cada movimento era preciso, desnecessariamente sem pressa, mas metodicamente correto. A mochila, leve, com o material didático essencial, foi jogada sobre o ombro. Ela calçou seus chinelos de dedo, um desvio prático do protocolo do uniforme que ela considerava logicamente aceitável para o curto trajeto até o ponto de ônibus.
Ao abrir a porta da frente, o ar fresco da manhã e o som de crianças brincando na calçada a receberam. Dona Fátima, a vizinha do lado, regava seus gerânios com o habitual sorriso gentil.
Dona Fátima (com uma voz suave e acolhedora): "Bom dia, Jessica, querida! Indo para a escola já? Tenha um bom dia!"
Jessica (voz monótona, sem inflexão): "Bom dia. Sim. Obrigada."
A rua estava vibrante com a rotina diária de Itabira. Carros passavam, pássaros cantavam. O céu era de um azul claro e inofensivo. Para Jessica, era apenas a continuação de um algoritmo diário, sem interrupções.
Enquanto caminhava para a escola, sua mente processava os dados ambientais: temperatura, umidade, ruídos. Tudo dentro dos parâmetros normais. Não havia premonições, nem visões. Apenas a lógica fria de uma estudante indo para mais um dia de aula, completamente alheia à iminente e inimaginável quebra de sua realidade.
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Atualizado até capítulo 68
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