FLORES QUE NASCERAM NO INVERNO

...O que nasce da dor...

O parto da filha de Aurora quase levou sua vida.

A dor veio como um mar revolto, arrancando cada fôlego com violência. Os médicos sussurravam termos técnicos, mas ela só pensava em uma coisa: ver o rosto da filha.

Ela lutou.

Com tudo que tinha.

Com a força de quem ama profundamente e ainda não está pronta para partir.

Aurora sobreviveu — e naquele choro de recém-nascida, ouviu seu renascimento.

Francisco foi um pilar.

Cuidava dela com mãos ternas e olhos vigilantes.

Trabalhava mais, sorria menos, mas tudo que fazia era por ela e pelas crianças.

Era um homem bom.

E ela sabia disso.

Com seis meses de recuperação, Aurora já fazia tudo sozinha.

Cuidava do filho de cinco anos, embalava a bebê nos braços com olhos cansados e alma inteira.

Vivia para sua família.

Para o lar que construíram juntos.

Nunca reclamava.

Mas também não havia espaço para mais nada além da rotina, dos cuidados, dos silêncios que escolhia não nomear.

...🌸...

Enquanto isso, Teresa reconstruía a própria vida com as mãos.

Sozinha no mundo, trabalhou dobrado.

Economizava cada centavo.

Estudava à noite, entre o cansaço do corpo e a chama acesa do sonho antigo: ser professora.

Seu desejo crescia a cada página, a cada lição decorada com olhos ardendo de sono.

Quando os pais a visitavam, vinham com as frases de sempre:

— Você precisa se casar de novo, Teresa. Refazer sua vida.

Ela respondia com firmeza:

— Já refiz. E não preciso de homem nenhum pra isso.

O pai torcia o nariz.

A mãe, sempre mais silenciosa, murmurava quando estavam a sós:

— Seja feliz, minha filha... do seu jeito.

E assim, em dois mundos tão diferentes, duas mulheres viviam.

Uma acreditando que já tinha tudo.

A outra descobrindo que podia ser tudo — sozinha.

Teresa tinha 27 anos quando decidiu que era hora.

Hora de correr atrás do que era dela — não por obrigação, nem por sobrevivência, mas por desejo.

Era tempo de viver um sonho antigo que nunca morreu, mesmo quando o mundo tentou enterrá-lo.

Começou o curso de magistério com o coração cheio de esperança e o bolso apertado.

Trabalhava menos — meio período numa loja de tecidos — e estudava à tarde e à noite.

A herança deixada por Osvaldo resumia-se àquela casa simples onde ainda morava.

Não era muito. Mas era um começo.

Ela economizava cada centavo.

Comprava livros usados, fazia marmita em casa, usava roupas antigas com o cuidado de quem lava sonhos à mão.

Foram três anos e meio de esforço contínuo, sem feriados, sem luxos, sem ninguém aplaudindo.

Mas ela não precisava de plateia.

Tinha a si mesma — e isso bastava.

Quando finalmente se formou, foi como se algo dentro dela ganhasse cor.

Conseguiu uma vaga numa escola pública para dar aulas ao infantil.

O chão da sala era gasto, os brinquedos antigos, mas nada disso importava.

Cada olhar curioso, cada mãozinha levantada, cada “tia, me ajuda?” era uma celebração.

Teresa sorria.

De pé diante de uma lousa, com giz na mão e brilho nos olhos, ela era tudo o que sonhara ser.

Professora.

A vida ainda era simples.

O salário, apertado.

A solidão, constante.

Mas pela primeira vez, o que preenchia seus dias não era dor — era orgulho.

Ela havia chegado até ali.

Sangrando, caindo, recomeçando.

E agora estava em pé.

Inteira.

...🌸...

...O que faltava no meio da felicidade...

O ano era 2000. O mundo não acabou.

E Aurora riu disso ao lado de Francisco, entre um café quente e os olhares cúmplices de quem envelhecia junto.

— Estamos vivos — ele disse, sorrindo.

— Mais um ano para agradecer — ela respondeu.

E naquele instante, era verdade.

Aos 35 anos, com dois filhos quase crescidos e um casamento estável, Aurora parecia ter vencido todas as batalhas certas.

Mas havia algo — um silêncio nas manhãs longas, uma inquietação que nem os risos da família preenchiam.

Não tinha uma profissão.

Nunca teve.

Era dona de casa, mãe dedicada, esposa confiável.

E, por dentro, uma mulher cansada de fingir que isso bastava.

Nos livros, ela encontrava consolo.

Ali, as personagens ousavam sentir.

Amavam com intensidade, descobriam desejos, enfrentavam medos.

Ela, não.

Dizia para si mesma:

— Já estou velha para estudar. Velha para mudar. Velha para amar.

Mas por que, então, sentia esse vazio mesmo ao lado de um marido tão bom?

Francisco era tudo que um homem deveria ser.

Trabalhador, gentil, apaixonado.

A cada tentativa de Aurora em reacender algo — sugerindo alguma fantasia lida em romances eróticos — ele se encantava mais.

Realizava tudo.

Como se estivessem vivendo uma lua de mel madura.

Mas ela continuava… vazia.

Não era prazer.

Não era desejo.

Não era amor de casal.

Era amizade.

Era gratidão.

E só.

Aurora se culpava por isso.

Sentia vergonha.

— Como posso não amar um homem tão bom?

Mas por mais que se esforçasse, não conseguia mentir para si mesma.

Não queria mais ser a esposa de Francisco.

Queria continuar sendo sua amiga — sua companheira de vida, talvez. Mas não sua mulher.

Não era ele que faltava.

Era ela.

Era algo dentro dela que ainda não havia se permitido nascer.

...🌸...

...O corpo e o futuro...

Teresa morava sozinha.

E, ao contrário do que muitos pensavam, não sentia solidão — sentia paz.

Depois de tudo que viveu, aprendeu que sua própria companhia era mais segura do que qualquer promessa de amor.

Não se iludia com romances.

Não buscava carinho em outro corpo.

Quando a carência apertava, ela se bastava.

Tocava a si mesma com o cuidado que ninguém jamais teve com ela.

E, mesmo quando a vergonha fazia a pele arder, logo se lembrava:

— Antes isso… do que reviver o inferno de ser tocada por alguém que me odiava no silêncio.

O corpo era dela agora.

Finalmente.

Aos 35 anos, ela era professora em tempo integral e tinha um salário simples, mas digno.

Gostava do que fazia.

Gostava de inspirar.

Mas algo dentro dela queria mais.

Com a virada do milênio, surgiu a ideia — ousada, para muitos — de começar uma graduação em Pedagogia.

— O mundo está mudando — dizia. — E eu também posso mudar.

Enquanto os colegas falavam em aposentadoria, casamento, filhos, Teresa preenchia formulários de inscrição.

Queria saber mais.

Ensinar melhor.

Sentir que não havia idade para recomeçar.

Os anos 2000 chegaram com esperança.

E ela se agarrou a isso como quem segura uma flor crescendo no asfalto: com firmeza, com ternura, com fé.

Teresa não queria mais ser apenas uma sobrevivente.

Ela queria florescer.

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Comments

💜🦋 Fuyuki 🐺💛

💜🦋 Fuyuki 🐺💛

Minha menina merece o mundo ❣️🥹😭

2025-06-23

1

Daiane

Daiane

Teresa é uma sobrevivente./Heart/

2025-06-23

1

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