Ponto de vista de Isabela
Ela achava que o mais difícil seria vê-lo outra vez.
Mas não era.
O mais difícil era ter que vê-lo todos os dias e fingir que aquela noite… não existiu.
Lorenzo caminhava entre os corredores do hotel como se pertencesse àquele lugar — e talvez pertencesse mesmo. Alto, elegante, distante. Era sempre cercado por reuniões, números e ordens dadas com precisão. Tão impenetrável quanto no dia em que partiu sem dizer adeus.
Mas agora, Isabela não era mais a mesma.
Mesmo que quisesse, não conseguia ignorar que algo dentro dela estava mudando.
No início, foram pequenos sinais.
Uma leve tontura ao subir as escadas.
Um enjoo inesperado ao servir café.
E uma sensibilidade estranha quando o perfume de uma hóspede a fez recuar involuntariamente.
Ela culpou o estresse.
Culpou a falta de sono, a alimentação irregular, as emoções engasgadas que carregava desde aquela noite.
Só isso, dizia para si mesma.
Só preciso de descanso.
Mas o espelho começava a mostrar algo diferente. Seu rosto parecia mais pálido. As olheiras não sumiam mais com corretivo. Os botões da camisa começaram a apertar no peito — algo sutil, mas novo.
E mesmo assim, ela negava.
Não podia ser.
Não com ele. Não com Lorenzo.
Seria como prender para sempre um elo com alguém que agora mal a cumprimentava. Um homem que passou por sua vida como uma sombra quente e sumiu como se nada tivesse acontecido.
Mas o corpo insistia. E o tempo… o tempo também.
Era fim de tarde quando ela teve que subir até o andar executivo com um pedido especial. O elevador estava cheio, então ela foi pelas escadas. Ao chegar no 15º andar, sentiu uma pontada na base do estômago. Não era dor. Era uma pressão estranha, acompanhada por um mal-estar que subiu até o peito.
Encostou-se na parede. Respirou fundo.
Vai passar, pensou.
Mas, pela primeira vez, o medo bateu forte.
E se…?
Isabela não queria pensar naquela hipótese. Não podia.
Ela não sabia lidar com mais uma incerteza.
Especialmente quando Lorenzo passava por ela todos os dias e sequer a olhava.
Mas naquela mesma noite, sozinha em seu pequeno apartamento alugado, sentada no sofá com uma manta nos ombros e um chá esquecido na mesa, ela levou a mão ao abdômen, de forma involuntária.
Havia um silêncio ali. Quente. Vivo.
Como se algo dentro dela — ainda não revelado — estivesse começando a existir.
Um arrepio percorreu sua espinha.
Ela olhou para o teto por longos segundos.
Não chorou.
Não sorriu.
Apenas sentiu.
E naquele instante silencioso, mesmo sem provas, mesmo sem nomes ou exames, algo dentro dela soube.
Ainda não estava pronta para aceitar.
Mas o corpo dela já sabia.
E em breve, não teria mais como fingir.
Ponto de vista de Lorenzo
A rotina era a mesma: reuniões, contratos, telefonemas. Ele falava, decidia, ordenava. Era o Lorenzo Ferraz que todos esperavam que ele fosse — o herdeiro centrado, frio, calculista.
Mas por dentro... tudo estava em ruínas.
Ele não deveria ter voltado àquele hotel.
Mas era o único lugar onde o barulho do mundo parecia diminuir.
E era ali, entre os corredores luxuosos e os sorrisos ensaiados dos funcionários, que ele a via.
Isabela.
Todos os dias.
O rosto que ele fingia não reconhecer.
A mulher que ele não conseguia esquecer.
E pior: a mulher que ele nunca deveria ter tocado.
A culpa pesava mais a cada passo. Porque aquela noite não fora um encontro casual qualquer — fora uma fuga. Um ato desesperado de alguém que, pressionado por todos os lados, se permitiu respirar por um instante... e acabou cruzando um limite irreversível.
Naquela noite, horas antes de conhecê-la, ele havia discutido com o pai. Mais uma vez.
— Está na hora de se casar com a Beatriz. Já passou da hora. A imagem da empresa depende disso.
— A imagem da empresa ou a sua? — retrucara Lorenzo, tentando manter a voz baixa.
— A nossa família precisa de estabilidade. A sua noiva é discreta, educada, vem de uma família forte. É o casamento perfeito. Você não precisa amar. Precisa funcionar.
Não precisa amar. Precisa funcionar.
Essas palavras ecoavam até hoje. Como uma sentença.
Ele saiu de casa naquela noite sem rumo. Com raiva, com dor, com uma vontade sufocante de desaparecer por algumas horas. Entrou no carro sem destino, dirigiu por ruas desconhecidas até o único lugar que parecia neutro — o Hotel Esplendor.
Não estava procurando ninguém. Muito menos redenção.
Mas então... viu ela.
Isabela. Com seu uniforme simples, os cabelos presos, os olhos grandes e firmes demais para alguém tão discreta. Havia uma tristeza bonita nela. E uma força que o fez parar.
Foi ela que o viu primeiro como homem, não como nome.
Foi com ela que ele se permitiu ser só Lorenzo.
E sim — naquela noite, ele traiu Beatriz.
A noiva com quem ele já não tinha nada, além de um contrato informal assinado por expectativas familiares.
Foi errado.
Mas foi verdadeiro.
E talvez seja isso que mais o assombre.
Agora, de volta ao mesmo hotel, ele fingia.
Fingia que não sentia nada quando Isabela o cumprimentava.
Fingia que não reconhecia o perfume sutil que ela usava.
Fingia que não percebia os olhos dela evitarem os dele com tanto cuidado.
Mas todos os dias, ao vê-la, a cena voltava: os dedos entrelaçados, os corpos colados, os gemidos contidos no silêncio da suíte, o calor da pele dela contra a sua. E depois, o sono tranquilo dela, abraçada a ele como se o mundo inteiro coubesse ali.
Ele a deixou dormindo.
Como um covarde.
E agora, todas as noites, ele se perguntava: e se eu não tivesse ido embora?
Mas Lorenzo não sabia amar do jeito certo.
Foi criado para cumprir função, não desejo.
Para construir impérios, não vínculos.
Mesmo assim, agora ele estava ali. Preso.
Entre a mulher que todos esperavam que ele honrasse…
E a mulher que ele deixou.
Isabela.
o coração dele já carregava um peso invisível.
Um pressentimento.
Como se soubesse, lá no fundo, que aquela noite deixaria marcas — em ambos.
E a pergunta o atormentava:
Será que ela o odeia por tê-la deixado?
Ou pior… será que ela nunca o amou de verdade?
Mas ele não podia perguntar.
Porque perguntar significava abrir uma porta que ele não tinha certeza se teria coragem de atravessar.
Ainda não.
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Atualizado até capítulo 32
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