O encontro

Ele odiava noites chuvosas.

Não pela água — mas pela forma como tudo parecia mais lento, mais introspectivo. Como se o mundo parasse por alguns minutos só para lembrá-lo do que ele preferia esquecer.

Lorenzo Ferraz chegou ao Hotel Esplendor tarde demais para se importar com formalidades. Não queria jantares elaborados, nem bajulação. Queria silêncio. Um copo de vinho. Um lugar onde pudesse, por algumas horas, deixar de ser ele — o bilionário, o herdeiro, o nome que todos cochichavam pelas costas.

Enquanto caminhava pelo saguão, já sabia que não esperava nada daquela noite.

Até que a viu.

A recepcionista.

Ela não era como as outras. Não tentava chamar atenção. Não sorria demais, não se ajeitava para impressioná-lo. E ainda assim, Lorenzo sentiu o olhar ser puxado por ela como se algo invisível o ligasse àquela figura simples e serena atrás do balcão.

Isabela.

Ele só soube o nome dela mais tarde. Mas naquele instante, só enxergou os olhos castanhos que se ergueram com segurança inesperada para encarar os dele.

Ela não era bonita da maneira óbvia. Era bonita da maneira que você percebe quando olha duas vezes — e aí não consegue mais parar de olhar.

— Você é nova aqui? — perguntou ele, quase sem pensar.

Não sabia por que falou. Ele nunca falava com recepcionistas. Mas ela... provocava algo diferente. Um tipo de silêncio confortável que ele não sentia há muito tempo.

— Não exatamente. Mas talvez eu seja fácil de ignorar.

A resposta dele foi um sorriso, curto, verdadeiro. E ali, pela primeira vez em semanas, Lorenzo esqueceu dos contratos, dos números, das exigências familiares. Esqueceu até o motivo de estar ali.

Ela sugeriu um vinho. Um Malbec argentino. Ele não ligava para rótulos, mas havia algo no jeito como ela falou — como se aquele vinho tivesse história, alma. Como se ela mesma o tivesse escolhido em segredo, só para ele.

Ele aceitou.

E então disse algo que surpreendeu até a si mesmo:

— Você poderia subir e explicar ao garçom como servir.

Foi a desculpa mais mal formulada que já dissera na vida. Mas ele precisava vê-la mais uma vez. Precisava estender aquele instante.

Quando ela hesitou, ele viu nos olhos dela uma dúvida. Mas também viu dor. Algo recente, cru. E reconheceu — porque carregava a mesma coisa por dentro.

— Só hoje. Sem perguntas.

Quando ela aceitou, Lorenzo sentiu o próprio coração acelerar. Aquilo não fazia parte do roteiro da sua vida. Mas ele não queria seguir roteiro algum naquela noite.

Na suíte, quando ela entrou, algo mudou no ar. O vinho era só uma ponte. O olhar dela, uma promessa silenciosa. E quando ele se aproximou, não foi com a pressa de um homem no controle — mas com a curiosidade de alguém que encontra algo raro.

Ela não era como as outras mulheres que conhecera. Não se entregava para agradar. Se entregava porque escolhia.

E isso o desarmou completamente.

O toque dela queimava. O silêncio entre eles dizia mais do que mil conversas. Os lençóis guardariam para sempre os rastros daquela noite — onde, pela primeira vez em muito tempo, Lorenzo sentiu que não precisava fingir ser forte.

Quando ela adormeceu em seus braços, ele ficou ali, por longos minutos, observando o contorno do rosto dela, o peito subindo e descendo suavemente. Um pensamento proibido cruzou sua mente: E se...

Mas Lorenzo Ferraz não vivia de “e se”.

Na manhã seguinte, ele partiu sem olhar para trás.

Foi covarde, sim. Mas achou que era o certo.

Mal sabia ele que, naquela noite em que achou ter deixado tudo para trás, havia deixado o mais importante.

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Comments

Alexander_666

Alexander_666

Gosto muito, não desista.

2025-06-22

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