O silêncio no quarto era quase solene. O leve zumbido das máquinas hospitalares contrastava com a brisa suave que entrava pela janela entreaberta. Leonardo entrou em silêncio, os sapatos impecáveis não fazendo ruído algum contra o chão esterilizado. Seu olhar pousou primeiro na criança dormindo — cabelos lisos, traços orientais, olhos fechados, a respiração compassada como a de um anjo. Depois, voltou-se para a mulher sentada ao lado da cama, os dedos entrelaçados aos da menina, como se o menor gesto de afastamento fosse um risco de perdê-la.
A mulher, Alessandra, tinha uma beleza intensa. Não uma beleza comum — mas a de uma mulher acostumada a sobreviver. Seus olhos verdes contrastavam ferozmente com os traços da criança. A diferença era gritante. O sangue de Leonardo gelou. Algo não se encaixava. Algo... gritava por dentro dele.
Ele cruzou os braços. A mente fervilhava. Aquela menina… aquele tipo de sangue. Tipo AB RH-nulo. Um tipo raríssimo. Apenas 43 pessoas no mundo tinham aquele sangue. E duas estavam naquela família: ele e Guiullianna.
O coração de Leonardo batia como um tambor. Respirou fundo. Deu um passo à frente, forçando um sorriso, quase paternal.
— Como ela está? — perguntou com voz suave.
Alessandra se levantou. — Dormindo. Finalmente conseguiu descansar um pouco.
Ele se aproximou da cama, olhou longamente a criança. E não conseguiu evitar. Aqueles traços… aquela boca… não podia ser coincidência.
— Vamos fazer um novo exame amanhã — disse de repente. — Só para ver a evolução do quadro clínico. Os médicos precisam de uma amostra de sangue fresca para comparar com os últimos exames.
— Mas ela já fez isso semana passada — disse Alessandra, franzindo o cenho.
Leonardo sorriu com gentileza. — Sim, mas como ela está respondendo bem, queremos ter certeza da recuperação completa. São só medidas de protocolo. Confie em mim.
A mulher assentiu, hesitante.
Leonardo saiu do quarto e andou até o final do corredor. Quando dobrou a esquina, puxou o celular do bolso e discou rapidamente.
— Quero o médico de plantão agora na minha sala. E mande preparar o laboratório. Um teste de DNA completo. Sangue da criança, compare com meu material genético que já está no sistema. Disfarce o pedido como evolução clínica. A mãe não pode saber de nada.
Desligou e girou sobre os calcanhares. Os olhos escuros brilharam com algo entre inquietação e raiva.
Ela está mentindo pra mim. E se for verdade… se essa menina for o que estou pensando…
Na hora seguinte, acionou pessoalmente dois de seus homens de confiança: Rizzo e Matteo.
— Aquela mulher — disse, entregando uma pequena foto de Alessandra que havia capturado do sistema de segurança interno do hospital — quero saber tudo. Nome verdadeiro, onde nasceu, onde morou, com quem já esteve, passaporte, empregos, antecedentes. Tudo.
— Entendido, chefe — disse Rizzo.
— E mais. Quero vocês dentro do hospital. Fiquem à paisana. Se virem de enfermeiros, faxineiros, qualquer coisa. Façam ela preencher uma nova ficha. Criem um protocolo falso, digam que houve erro no cadastro. Façam parecer oficial. Precisamos dos dados dela e da menina no papel. Assinados.
— E se ela se recusar?
Leonardo estreitou os olhos. — Ela não vai. Mulheres assim só querem proteção. Se ela suspeitar de algo, foge. E eu não vou permitir que ela leve a criança daqui.
Matteo murmurou: — E se for mesmo sua filha?
Leonardo olhou fixamente para ele. — Então o inferno vai se abrir para quem escondeu isso de mim.
Naquela tarde, os corredores do hospital estavam especialmente agitados. Pacientes chegando, trocas de turnos, burburinho. Rizzo e Matteo, agora com jalecos brancos e crachás falsificados — idênticos aos verdadeiros — caminharam com naturalidade. Uma nova ficha foi impressa e cuidadosamente preenchida com alguns dados previamente hackeados no sistema, apenas para dar veracidade ao protocolo falso.
— Senhora Alessandra? — disse Rizzo, batendo suavemente na porta do quarto.
Ela abriu com desconfiança.
— Oi, bom dia… algum problema?
— Desculpe o incômodo. É só uma atualização de protocolo da instituição. A ficha da sua filha foi preenchida com dados inconsistentes. A direção pediu para que a senhora possa revisar e assinar uma nova ficha, com informações completas.
Ela hesitou.
— Já preenchi uma ficha quando cheguei.
— Entendemos, mas foi um erro no sistema. Essa é mais precisa. Não vai demorar, prometo.
Relutante, Alessandra pegou o prancheta. Seu nome estava ali, como também o da criança. Ela franziu o cenho ao ver “pai desconhecido”.
— Posso deixar esse campo em branco?
— Claro, senhora. Como preferir. — Matteo sorriu gentilmente, escondendo a pressa.
Enquanto ela escrevia, Leonardo observava tudo pelas câmeras da sala de segurança, com os punhos cerrados.
Pai desconhecido? Vamos ver se isso se sustenta depois do DNA.
Mais tarde, Leonardo entrou no laboratório privado dentro do hospital. O médico encarregado estava nervoso, mas já o conhecia há tempo suficiente para não cometer erros.
— O material já foi coletado. A amostra da criança está aqui. O seu DNA também, como pediu.
Leonardo assentiu. — Discrição absoluta. Ninguém pode saber. Se vazar uma vírgula, você está acabado. Entendido?
— Sim, senhor.
— Me ligue com o resultado assim que estiver pronto.
À noite, no quarto da criança, Alessandra dormia sentada, exausta, com a cabeça encostada na parede. A criança ainda repousava. Um enfermeiro entrou, trocou o soro e conferiu os batimentos com um cuidado que beirava o teatral. Disfarçado, era um dos homens de Leonardo.
No andar de cima, Leonardo recebia o relatório de Matteo.
— O nome verdadeiro dela é Alessandra Fujiwara. Brasileira, filha de mãe japonesa e pai italiano. Morou em São Paulo, depois Florença. Tem passagem como cuidadora de idosos e babá. Trabalhou em hotéis. Mudou de endereço cinco vezes nos últimos seis anos. E a menina… nasceu em Milão, sem registro de paternidade. Hospital privado. Médicos pagos em dinheiro vivo.
Leonardo estreitou os olhos.
— Tudo calculado. Para esconder.
— E tem mais — disse Rizzo. — Descobrimos que ela tem uma irmã que desapareceu há anos, e ninguém nunca mais soube dela. Alessandra nunca fala da família. Parece que vive se escondendo.
Leonardo sentou-se, os olhos fixos em uma só coisa: a verdade.
— Continuem vigiando. E a menina? Como está?
— Aparentemente saudável. Mas não tem muitos exames no histórico. Quase como se tivessem evitado médicos.
— Justamente para não descobrirem o sangue dela — rosnou Leonardo. — Essa mulher me escondeu uma filha. Se o resultado confirmar… ela vai pagar.
No dia seguinte, bem cedo, o médico ligou.
— Senhor Leonardo… o resultado está pronto. Precisa vir até aqui.
Ele não hesitou. Chegou ao laboratório em menos de dez minutos.
— Diga.
O médico engoliu em seco, entregando o envelope.
Leonardo abriu com mãos firmes. Seus olhos percorreram as linhas com velocidade cirúrgica. Então, parou. Respirou fundo. Leu de novo.
Compatibilidade de DNA: 99,999%.
— É minha filha… — murmurou. — Ela é minha filha.
Por um momento, sentiu o mundo girar. Uma filha. Uma filha sua. Fruto de um passado que agora batia à porta com força.
O sangue fervia. O olhar se encheu de algo entre fúria e emoção.
— Acionem a segurança. A partir de agora, ninguém entra ou sai daquele quarto sem minha autorização. E Alessandra… — sua voz engrossou — ela vai me dizer por que diabos escondeu minha filha de mim durante todos esses anos.
No quarto, Alessandra acordou com a movimentação de enfermeiros entrando.
— O que está acontecendo? — perguntou assustada.
— Precauções. Temos ordens de manter todos os pacientes em observação até segunda ordem. Mudança de protocolo. A senhora pode ir até a cantina se quiser, mas a criança precisa ficar internada por mais tempo. Ainda não temos segurança total da alta.
— Mas ela está bem! O exame mostrou isso!
— Mesmo assim… protocolo é protocolo.
Alessandra sentiu um calafrio. Por alguma razão, tudo parecia mudar de tom. Subitamente, ela teve a sensação de que estava sendo observada. De que algo escapava do seu controle.
E ela estava certa.
Leonardo, da porta entreaberta, observava tudo em silêncio. Seus olhos fixos na filha.
Ele não permitiria que ela fosse levada dali.
Não agora.
Não depois da verdade.
Milena
Alessandra
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Atualizado até capítulo 52
Comments
Claudia Teixeira
será que Milena é filha da irmã da Alessandra que sumiu? filha ou sobrinha 🤔?
2025-06-23
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Abreu Ana
q linda a Alessandra, Leo não a maltrate
2025-06-29
0
Marli Batista
Eita que vai começar os mistérios 🤔🤔🤔🤔🤔
2025-06-24
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