A Troca de Sorrisos
LEON (voz interna): O café da manhã do hotel nunca pareceu tão sem gosto. Meus olhos estavam atentos ao salão. Procurando. Esperando. Eu nem sabia exatamente por quem… ou pelo quê.
SARA (mensagem): E então? Viu o tal "olhar misterioso" de novo?
LEON: Ainda não. Mas algo me diz que vou ver.
RAFA (mensagem): Você tá diferente, irmão. Me fala a verdade. Essa viagem é mesmo só pra respirar?
LEON: É. Mas tô começando a entender que respirar pode ser mais profundo do que parece.
LEON (narração): Eu passei o dia todo andando sem rumo pelas ruas daquela cidade. Entrei em lojas sem comprar nada. Olhei vitrines sem realmente ver. Mas tudo mudou quando resolvi parar numa padaria charmosa no centro histórico. O cheiro de pão fresco e café recém-passado me puxou pra dentro.
E foi ali…
Na fila do balcão, ele estava lá. Camisa preta, óculos escuros pendurados na gola, os dedos tamborilando no celular com uma impaciência elegante.
ADRIAN (virando-se de repente): Você é daqui?
LEON (pegando de surpresa): Hã? Ah… não. Só tô de passagem.
ADRIAN: Sabia. Cidade pequena. A gente conhece os rostos.
LEON (narrando): O sorriso dele era discreto. Mas havia algo nos olhos — curiosidade? Interesse? Não sei. Mas meu corpo respondeu antes que minha mente processasse.
LEON: Você é daqui?
ADRIAN: Mais ou menos. Me mudei faz pouco tempo. Tô tentando me acostumar com o ritmo lento daqui.
LEON: É… tem um certo charme na lentidão. Mas também um vazio, às vezes.
ADRIAN (rindo): Exato. Parece que tudo é simples demais.
LEON: Ou talvez a gente que seja complicado demais.
(Narração): Ele apontou pra uma mesa vaga no canto, sem dizer nada. Apenas com um gesto leve de cabeça. E eu… aceitei. Como se aquele convite silencioso fosse a primeira batida de um novo compasso dentro de mim.
Sentamos. Pedimos cafés. A conversa começou com amenidades: o clima, o sotaque da cidade, o pão de queijo surpreendentemente bom. Mas logo escorregamos para assuntos mais íntimos — sem tocar no pessoal de verdade, mas com a sensação de que nos despíamos por dentro.
ADRIAN: Você viaja muito?
LEON: Quase nunca. Essa é a primeira vez em anos que me dou esse luxo.
ADRIAN: E escolheu logo aqui?
LEON (sorrindo): Foi mais o destino que escolheu por mim.
ADRIAN: Destino é teimoso às vezes.
LEON (pensamento): Ou talvez cruel.
(Narração): Havia uma tensão leve. Um ímã invisível entre nós. Não sexual ainda… mas emocional. Uma espécie de reconhecimento mudo. Como se ele soubesse de mim algo que nem eu sabia. Como se visse minhas rachaduras… e não julgasse.
LEON: Você trabalha com o quê?
ADRIAN: Ilustração. Faço trabalhos freelance pra editoras e agências.
LEON: Sério? Eu costumava desenhar.
ADRIAN: Costumava? Por que parou?
LEON (olhar distante): A vida ficou cheia demais. E vazia demais ao mesmo tempo.
ADRIAN: Você fala como se estivesse tentando se encontrar de novo.
LEON: Talvez esteja.
(Narração): O silêncio entre nós era confortável. Olhávamos ao redor, observando a cidade passar pela janela. A vida seguia lá fora, mas ali, naquela mesa, o tempo parecia se curvar ao nosso redor.
ADRIAN: Vai embora quando?
LEON: Amanhã cedo.
ADRIAN: Pena. Achei que essa cidade tinha acabado de ganhar um atrativo.
LEON (rindo nervoso): Você fala assim com todo mundo?
ADRIAN: Só com quem me faz esquecer que tô sozinho aqui.
LEON: Talvez você não esteja tão sozinho quanto pensa.
(Narração): Nossos dedos se tocaram ao mesmo tempo ao alcançar os guardanapos. E ninguém puxou a mão.
LEON (voz interna): Por que isso não parece errado?
ADRIAN: Se quiser, posso te mostrar o mirante da cidade antes do pôr do sol. É bonito. Tranquilo. Ninguém vai estar lá.
LEON (após alguns segundos de hesitação): Vamos.
(Narração): Subimos de carro até um ponto alto. A vista era magnífica. Casas pequenas, ruas estreitas e o céu em tons de laranja e rosa. Ficamos ali, lado a lado, sem dizer nada.
ADRIAN: Às vezes, o silêncio é mais sincero que qualquer conversa.
LEON: E mais perigoso também.
(Narração): Ele se virou devagar. Seu rosto estava a poucos centímetros do meu. O vento bagunçava nossos cabelos. O tempo congelou de novo. Um espaço pequeno demais entre dois desconhecidos que, por algum motivo, sentiam-se íntimos demais.
ADRIAN: Se você ficar mais um dia, eu te mostro o lago.
LEON: E se eu for…?
ADRIAN: Vai levar algo daqui que talvez nem perceba agora.
(Narração): Nos despedimos com um abraço demorado. Mas nada mais. Só o calor. Só a confusão dentro de mim.
Voltei ao hotel em silêncio. Revi mentalmente cada instante. Cada olhar. Cada frase.
Ao chegar no quarto, ignorei as mensagens acumuladas. Apaguei a luz. Deitei.
E sonhei com olhos escuros e um sorriso que parecia me conhecer melhor do que eu mesmo.
Sem nomes. Sem histórias. Sem alianças.
Só dois homens… dividindo o silêncio.
--- FIM DO CAPÍTULO 4
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Atualizado até capítulo 101
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