Capítulo 5 – O Instinto da Besta
William Lorenzi
Acordei com o gosto metálico da noite passada ainda na boca.
O sangue daquele maldito russo ainda estava sob minhas unhas. Eu deveria estar acostumado. Já matei homens por muito menos. Mas o que me perturbava não era o sangue — era o rosto de Natália.
Ela olhou para mim como se eu fosse um monstro... e talvez eu seja. Mas, por algum motivo que eu ainda não entendia, isso me incomodava mais do que deveria.
Vesti a camisa preta, ajustei o relógio e desci pelas escadas de mármore. Os corredores estavam silenciosos demais, mesmo com o dobro de seguranças armados espalhados pela casa. Não gosto de silêncio. Ele esconde problemas.
Domenico, meu conselheiro e braço direito há anos, me esperava na biblioteca.
— A imprensa já pegou a notícia da explosão no muro norte. Estão dizendo que foi acidente — relatou, sem rodeios.
— Alimente a mentira — respondi. — E o corpo?
— Sumiu. Queimado e enterrado fora da cidade, como sempre.
Assenti, mas minha mente não estava ali. Estava no andar de cima. No quarto dela. Desde que fechei a porta naquela madrugada, ela não saiu. Nem para comer.
— Ela está se recusando a sair — murmurei mais para mim do que para ele.
— O que esperava? Ela é uma universitária, não uma viúva da máfia. Essa vida vai engolir essa garota viva se você continuar tratando isso como um simples acordo.
— Eu não pedi sua opinião.
Domenico calou. Mas o silêncio dele pesava mais do que qualquer palavra.
Subi novamente. Parei diante da porta. Bati.
— Natália?
Nenhuma resposta.
Girei a maçaneta. Estava destrancada.
Ela estava encolhida na poltrona, de frente para a janela, com os joelhos abraçados e o rosto perdido. Como uma boneca esquecida num canto. Pálida. Olhos fundos. Cabelo preso de qualquer jeito.
Quando me viu, não se levantou. Nem se moveu.
— O que você quer? — perguntou, a voz embargada.
Fechei a porta atrás de mim e caminhei até o centro do quarto, parando a uma distância segura. Ela não queria minha presença. Mas eu precisava estar ali.
— Saber se você está viva — respondi.
— Você já viu isso ontem. Com sangue, gritos e uma arma na mão.
— Eu salvei sua vida.
— Você colocou minha vida em risco desde o momento que me trouxe pra cá!
A voz dela explodiu no quarto, finalmente quebrando aquela barreira de silêncio. Mas junto com o grito vieram as lágrimas.
Eu não esperava por aquilo. Não dela.
— Eu não escolhi isso — ela continuou, levantando-se. — Eu tinha sonhos, William. Eu estudava. Eu queria viver a minha vida. E agora... agora eu durmo com medo de ser assassinada por causa dos seus inimigos!
Minha mandíbula travou. Ouvir aquilo mexeu comigo mais do que deveria.
— Eu fiz o que precisava ser feito — falei, frio. — Seu pai vendeu você em troca da vida dele. Você foi o preço. Eu apenas aceitei a barganha.
Ela se aproximou, os olhos furiosos mesmo em meio às lágrimas.
— Então por que você se incomodou tanto quando me viram em perigo?
Fiquei em silêncio.
— Hein, William? Se eu sou só um troféu de contrato, por que você ficou com aquele olhar de desespero quando achou que eu ia morrer?
Eu podia mentir. Podia fingir. Mas algo dentro de mim, talvez minha última fagulha de humanidade, falou mais alto.
— Porque eu não quero que você morra. Simples assim.
Ela pareceu travar. Os olhos escureceram. O peito subia e descia.
Dei dois passos adiante. Agora estávamos próximos. Perto o suficiente para ouvir a respiração um do outro.
— A vida que eu levo é feita de escolhas difíceis, Natália. E às vezes, a única forma de proteger algo… é tornando-se mais perigoso do que aquilo que quer destruí-lo.
Ela desviou os olhos, mas não se afastou.
— Eu não quero precisar de você, William.
— Eu sei. Mas vai chegar um dia em que você vai perceber… que não está mais lutando contra mim. Está lutando ao meu lado.
O silêncio retornou, mas agora era outro. Não mais de desprezo. Era de dúvida. De colisão entre dois mundos. Ela não disse mais nada. E eu também não. Apenas me aproximei, toquei sua mão, e por um instante, ela não recuou.
Apenas por um instante.
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Atualizado até capítulo 72
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