Capítulo 2 – O Golpe da Herança
O apartamento virou meu refúgio. Depois da morte da minha mãe e do confronto com meu pai, tudo em mim girava entre luto e raiva. Eu precisava canalizar aquilo em algo. Marquei a pele com duas tatuagens: o nome de Solage no pulso e uma mandala entre os seios. Símbolos de dor. E força.
Naquela manhã, vesti o que tinha de mais sóbrio. A formalidade servia como armadura. Respirei fundo e fui direto ao prédio da empresa do meu pai.
A recepção era fria, os olhares, curiosos. Não me importei.
— Quero falar com Edmundo Gutierrez — disse, com a voz firme.
Fui conduzida para a sala de reuniões. O cenário parecia saído de um pesadelo calculado.
Edmundo na cabeceira. Ao lado dele, a amante, com um sorriso de canto. Dois advogados organizavam papéis, sérios demais.
Ele me olhou com tédio e sarcasmo.
— Olha só quem resolveu aparecer. A filha independente. Chegou tarde, Isis. A partilha já está em andamento.
Não respondi de imediato. Encarei a amante, que vacilou o sorriso. Então me voltei para ele.
— Cedo demais pra você, talvez — disse. — Mal enterramos a minha mãe e você já está distribuindo os restos?
Um dos advogados pigarreou, prestes a começar a leitura.
— Esperem — interrompi. — Antes de qualquer coisa, tenho um documento.
Coloquei um envelope sobre a mesa.
O silêncio caiu como uma pedra. O rosto da amante empalideceu. Edmundo arregalou os olhos.
— O que é isso? — perguntou, já perdendo o controle.
— O testamento de Solage — respondi, sem pressa. — A última vontade dela. Algo que você não esperava, mas que devia.
Ele bateu na mesa com força. Uma caneta caiu no chão.
— Isso é um absurdo! Ela não podia fazer isso! Ela... ela não tinha esse direito!
Mas ela tinha. E ele sabia disso.
Na minha mente, a imagem da minha mãe naquele hospital ainda era clara. Sua voz fraca. Seus olhos cheios de culpa.
“Sinto muito, filha. Tentei te proteger... mas não consegui impedir tudo. Espero que isso te dê alguma paz. E liberdade.”
Eu nunca esqueci.
— Ela podia, pai. E fez — respondi, fria. — Muita coisa já estava decidida em vida. O testamento só confirma.
O advogado leu. A voz dele era seca, objetiva: todos os bens de Solage seriam meus. Inclusive sua parte da casa. Inclusive parte da empresa.
Edmundo estava em choque. A amante baixou os olhos.
— E mais uma coisa — continuei. — Não havia comunhão de bens. O que era dela... era só dela. Você sabe disso.
Me virei para a amante.
— Você está na minha casa. E não é bem-vinda. Procure outro teto.
Ela engasgou, sem saber onde enfiar o rosto.
— E você, Edmundo... — voltei a encará-lo, sem qualquer gentileza — ...trabalha pra mim agora. A parte da empresa que era dela me dá voto. Me dá voz. Me dá poder.
O silêncio virou derrota. O primeiro golpe tinha sido dado.
Ele não chorou a esposa. Mas sentiu cada centavo escapando das mãos. Pela primeira vez, parecia realmente abalado. E não pela perda — mas por ter sido vencido por Solage, mesmo depois de morta.
De manhã, eu vestia a engenheira profissional. Cumpria horários, estudava contratos, respondia e-mails com eficiência quase robótica. Me enterrava no trabalho.
À noite, era outra.
Bares, música alta, álcool demais. Eu buscava qualquer coisa que anestesiasse. Que me lembrasse que eu ainda sentia. Ou fingia sentir.
Adriana era minha âncora, mesmo que contrariada. Me acompanhava, preocupada.
— Isso não vai te curar, Isis — dizia ela, depois do segundo ou terceiro drink.
— Não quero cura. Quero sobreviver.
A herança me deu controle. Mas não trouxe paz. Ganhei o poder que minha mãe quis me deixar. Mas a guerra dentro de mim... essa estava só começando.
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Atualizado até capítulo 60
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